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George Steiner, A Ideia de Europa:
«A minha mulher e eu tivemos o privilégio de sermos convidados por Nadine Gordimer para a sua bela casa na Cidade do Cabo durante os maus momentos, os momentos que antecederam a libertação. Ela convidou os chefes do ANC, do Movimento de Resistência Nacional, incluindo os chefes militares, para jantar. Os carros da Polícia estavam estacionados à porta e anotavam os nomes de todos os convidados, mas não tocaram em Nadine. Estava-se completamente seguro. Anotavam simplesmente quem chegava para o jantar. Em toda a minha vida, o meu dom principal tem sido uma falta de tacto assinalável – confesso-me culpado. Assim, perguntei finalmente àqueles três grandes chefes: «Ouçam, a ocupação pelas Waffen SS foi muito má: eles eram muito bons a ocupar. Mas, de tempos a tempos, matava-se um dos sacanas. Vocês não tocaram num homem branco. Nem um. Em Joanesburgo, os números são de treze para um. Na rua, basta fechar os braços para sufocar uma pessoa branca. Nem sequer é preciso ter armas. Treze para um. Que diabo se passa?» Um dos chefes do ANC disse: «Eu posso responder. Os cristãos têm os evangelhos, vocês, judeus, têm o Talmude, o Antigo Testamento, o Mishnah, os meus camaradas comunistas a esta mesa têm Das Kapital. Nós, negros, não temos nenhum livro.»
Foi um momento tremendo, para mim. A herança de Atenas a Jerusalém, de que temos um livro, de que temos vários livros. Aquela foi uma resposta avassaladoramente triste e persuasiva: «Não temos nenhum livro.»