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Oiço, leio e vejo que muitas e muitos dos comentaristas "paineleiros" que andam, à semelhança de Santana, por aí, davam já por garantido o fim da crise europeia. Não haveria mais volatilidade nos mercados, não haveria mais subida de juros nos países "porcos", não haveria mais dissensões entre o Norte anafado e opulento e o Sul parasitário e pobre, etc., etc. Sim, leram bem, não haveria rigorosamente mais nada. Mais: a instabilidade, uma arma de destruição massiva que vinha ocupando mentes e corações profundamente europeístas, tinha finalmente topado com a morte súbita e o federalismo, a medicina cozinhada por alguns intelectuais avençados pelas elites eurocráticas, surgiria finalmente ao virar da esquina. Imagino o vosso espanto ao ler a linearidade que compassava o raciocínio estratégico das elites políticas europeias. Tudo acabaria por se resolver, com mais ou menos esforço, e, já agora, desforço. Porém, a política, essa porca com P maiúsculo que aparece sempre nas alturas mais impertinentes, resolveu dar um da sua graça na Itália dos Casanovas cantores e dos comediantes convertidos em gente séria e sisuda. O povo compareceu, riscou o boletim de voto e disse de sua justiça. Justiça essa, pouco complacente com a classe politiqueira. Berlusconi, regressado à ribalta com mais ou menos liftings, voltou a ser avalizado pelos italianos. Grillo, o grilo falante que promete um rendimento universal de cidadania e um referendo de saída do euro, tornou-se, para gáudio dos fazedores de anarquias, no fiel da balança. Qual a resposta do establishment a tamanho desastre dos poderes estabelecidos? Para já, ao que parece, apenas desorientação e brados anti-democráticos. Há quem fale numa repetição da experiência grega do ano transacto. Pois é, mas quem traz à colação esse exemplos esquece-se que Itália e Grécia não são comparáveis. Há, contudo, nesta estorieta toda um pormenor que importa ser relevado: a não-resposta do situacionismo à raiva crescente do povoléu será, a curto prazo, insustentável. Ponto. Não vale a pena falar em federalismos toscos, em tesouros comuns, em euros reestruturados, em câmbios elevados, ou em democracias europeias crismadas pelo voto de todos os europeus da Lapónia à Sicília, não vale a pena ir por aí, porque sem pão e com fome o povo votará naqueles que lhes prometerem brioches e champagne no minuto seguinte. Simples e terrífico, eu sei, todos nós sabemos, até aqueles que estão no poleiro do Leviatã o sabem, porém, esta é a dura verdade dos factos. Ou há uma mudança rápida de rostos, caras, políticas e gestos ou a coisa descambará de vez. O mundo está em mudança e a Europa em polvorosa, mas, ao contrário do que diziam os fukuyamistas de turno, não há nem nunca houve o tão afamado fim da história, e o experimento liberal-democrático que permeou os últimos decénios da vida política europeia pode muito bem estar a abeirar-se de uma mudança de agulha. Para onde e para quê, eis as questões do milhão de dólares.