Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]




Conceito Estratégico Nacional? (2)

por Samuel de Paiva Pires, em 16.04.13

Durante a elaboração de minha dissertação de mestrado apercebi-me que a ideia de um Conceito Estratégico Nacional, como a concebe Adriano Moreira, é uma impossibilidade - e até é, muito provavelmente, indesejável. Hoje, Jorge Silva Paulo, Capitão de mar e guerra (na Reserva), escreve um artigo certeiro sobre isto mesmo:

 

«Alguns cidadãos questionam-se sobre o que é o Conceito Estratégico Nacional (CEN) e que problema virá resolver, uma vez que se diz não existir e fazer falta. Poucos, mesmo diferenciados, falam no CEN e fazem-no em termos eruditos.

 

O conceito não está definido e é vago. Parece referir-se a políticas externas duradouras, o que envolve competição e conflitos (daí a natureza estratégica). Não é claro o formalismo do CEN: será uma norma vinculativa do Estado, constitucional ou legal? Um documento de intenções políticas? Uma norma cultural? A dúvida não é diletante: da resposta depende o empenho que quem valoriza o seu tempo lhe dedica, desde logo os cidadãos e os seus representantes políticos, que têm de o apreciar e validar.

 

Mas a questão de fundo é esta: em Portugal, tem sentido existir um CEN hoje? Creio que não. Explico. A substância de um CEN, tal como parece ser defendida pelo professor Adriano Moreira e por personalidades próximas, são as políticas duradouras, que sobrevivem a mudanças de governo. Fala--se de um CEN, e da sua estabilidade, desvalorizando alguns factos: não sei se existiu um CEN, mas se houve foi imposto ao povo, sem este ser consultado; sempre houve significativa contestação (vejam-se o "Velho do Restelo" ou as divisões em 1383, 1580, 1640 e Liberalismo); e sendo a narrativa patriótica feita pelos vencedores ninguém sabe bem que apoio mereceu do povo.

 

Com o mundo atual em rápida mudança, surpreenderá um CEN, ou seus derivados, duradouros. Além disso, quem defende que nos faz falta não explica como ele se compatibiliza com a natureza dinâmica de uma democracia representativa, na qual o povo é soberano. Por fim, o atributo "nacional" faria supor que os seus defensores, na ausência de consenso, abandonassem a proposta ou a revissem para alargar o apoio. O ambiente de desconfiança de muitos cidadãos face ao poder suscita o cinismo quanto aos interesses que um CEN servirá: se é nacional por que razão não é mobilizador? Ou é implícito e afinal existe?

 

O discurso dos defensores do CEN parece menosprezar a soberania do povo, expressa na seleção e em mudanças políticas em eleições; retirar a opção de mudanças aos eleitos fragiliza a democracia e reduz a sua representatividade, quando há um coro a clamar por mais. Parece que a ideia de um "déspota iluminado e benigno", que impõe só boas políticas à nação, ainda seduz - mas isso é um mito; as políticas de D. João II, do Marquês de Pombal ou de Salazar trouxeram relevantes benefícios - mas com tão altos custos e violando o Estado de direito democrático que duvido que fossem aprovadas pelo povo, se este se pudesse pronunciar em sufrágio livre e universal. Em ditadura é fácil fazer obras: basta haver quem as conceba e quem as implemente, pela força, se necessário. Com liberdade e democracia, a força não é opção; há que obter apoios, e para isso é preciso negociar, o que acarreta cedências; a brancura das ideias que cada grupo de interesses oferece acaba acinzentada pela difusão e acomodação das ideias alheias na execução. A liberdade e a democracia podem produzir políticas e obras incoerentes e pouco ousadas, mas só aquelas podem conseguir coesão social, inclusão e a representação coletiva do povo, ainda que cada um sinta que os resultados ficam aquém dos respetivos desejos.

 

Isto é, um Conceito Estratégico Nacional e os seus derivados ou são ignorados, ou tornam-se normas rígidas e contestadas, que só se mantêm pela coação, ou são vagos e estão plasmados na Constituição e na identidade nacional, para poderem acomodar as várias visões sobre a matéria, e dispensam mais formalismos.»

publicado às 13:05


1 comentário

Imagem de perfil

De Nuno Castelo-Branco a 16.04.2013 às 18:43

O CEN pode ser resumido naquilo que um dia D. Carlos disse ao seu Presidente do Conselho:


"Nota bem que podemos estar de mal com todo o mundo, menos com o Brasil e a Inglaterra".


Ora, isto mantem-se tal qual como sempre foi e apenas acrescentaremos CPLP e EUA. Simples e intemporal (por enquanto).

Comentar post







Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2020
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2019
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2018
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2017
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2016
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2015
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2014
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2013
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2012
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2011
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2010
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2009
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2008
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2007
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D

Links

Estados protegidos

  •  
  • Estados amigos

  •  
  • Estados soberanos

  •  
  • Estados soberanos de outras línguas

  •  
  • Monarquia

  •  
  • Monarquia em outras línguas

  •  
  • Think tanks e organizações nacionais

  •  
  • Think tanks e organizações estrangeiros

  •  
  • Informação nacional

  •  
  • Informação internacional

  •  
  • Revistas