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Do Progresso

por FR, em 03.05.13

O Conservador é um ser curioso. Ele olha para os homens de hoje como seres ingénuos, não sem alguma condescendência, e acredita essencialmente poder aplicar com sucesso velhas soluções para problemas novos. É desta forma que o Conservador procura que dos elementos da sociedade, da política, da religião, se conserve sempre tanto quanto se possa conservar, mantendo assim os hábitos e os costumes à sua volta com o mínimo de alterações possíveis.

 

Não menos curioso é o Progressista. Este olha para os homens de ontem, não sem alguma arrogância, como incapazes de compreender os problemas de hoje, e sente por isso a necessidade constante de inventar novas soluções e reinventar a sociedade em fantásticas utopias, frequentemente distópicas, como forma de lidar com os desafios com que se depara.

 

O Progressista tem “sede de inovações”; são os “espíritos apreensivos e numa ansiedade expectante” a que se referia o Papa Leão XIII [1], e de onde resulta a tendência de sobre-dimensionar os pequenos acidentes da espuma dos dias, dramatizando realidades que mais não são do que amálgamas de repetições dos acidentes de outros tempos que, já consumados na sua essência, podem sofrer maiores ou menores mutações, também elas acidentais.

 

Estas duas forças disputam entre si o domínio do espaço das várias esferas em que nos movemos em sociedade e, por uma questão de lógica, será o Progressista quem inevitavelmente levará a vantagem nessa disputa, desde que perspectivando um espaço de tempo suficientemente amplo. Assim é pela simples razão de que, enquanto que cada vitória do Progressista constitui uma derrota para o Conservador, todas as mudanças conquistadas pelos primeiros, partindo do princípio que constituem alterações a ser assimiladas pelos segundos, serão eventualmente defendidas por estes em disputas futuras pela conservação do novo status quo.

 

É neste contexto que surge a única alternativa real a estas duas forças: o Tradicionalista. O Tradicionalista não receia a mudança pois compreende a importância de rejeitar a conservação daquilo que lhe não convém. Por outro lado, ele deposita no homem de hoje uma fé total, recusando encarcerar-se na ilusão de um tempo que não é o seu. Ele compreende e aceita não só a dimensão espiritual do mundo, mas também a sua dimensão temporal, e é sob a luz destas duas dimensões que ele actua.

 

Dom Bertrand de Orleans e Bragança defende que “o progresso tem de ser necessariamente tradicionalista[2]. O Tradicionalista recusa o saudosismo estéril e posiciona-se a uma distância suficientemente confortável do passado que lhe permita olhá-lo sem complexos. Diz Dom Bertrand que “quando se fala em tradição fala-se de aprender as lições do passado, analisar as do presente para projectar o futuro”.

 

Neste meu regresso ao Estado Sentido, procurarei submeter as minhas intervenções a este princípio de base. Será natural que algumas opiniões entrem em conflicto com a visão de vários leitores e mesmo a de alguns colegas do blog. Quando assim for, espero que possamos manter uma discussão cordial mas interessante, mas estou disposto a sacrificar a cordialidade se o interesse assim o justificar. E espero, acima de tudo, que encontrem algum interesse naquilo que eu tiver para dizer.

 

Agradeço o convite, mais uma vez, ao Samuel, e aos demais a simpática recepção.

 

 

[1] Carta Encíclica Rerum Novarum, 1891, sobre A Condição dos Operários

[2] A Revista de Portugal, nº11, Ano 1, Dezembro 1998

publicado às 17:23


10 comentários

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De Duarte Meira a 03.05.2013 às 22:36


Caro Felipe de Araújo Ribeiro:

Muito estimei ler este seu tão oportuno texto. A Tradição é de facto a alternativa a um tempo social anómalo, que procurou apagar a Memória do passado e bloqueou o futuro. Procurar entrelaçar o que do passado não é pretérito preterido, mesmo o mais aparentemente longínquo, com um futuro viável e mais acolhedor para os vindouros, - é trabalhar por recuperar uma sociedade em processo de degradante desumanização.

 Em consideração deste processo de entenebrização e infernização da existência dos humanos,  posso compreender com simpatia o que diz, quando fala de - "deposita no homem de hoje uma fé total". Mas, por outro lado, se o "homem de hoje" parece, no seu texto, dividir-se entre "conservadores" e "pogressistas", ambas espécies de não-tradicionalistas...

De facto, a "fé total" do Tradicionalista está e sempre esteve onde não podia deixar de estar: não no homem, mas, primeiro que tudo e todos - em Deus. É, no contexto vivo da nossa Tradição Portuguesa, um Deus feito homem - que, por isso, fundamenta e justifica a razão realista da nossa "fé no homem".

Aguardo com o maior interesse o que o Felipe nos terá a dizer aqui sobre o que é que da nossa Tradição permanece ainda vivo ou é possível ainda reviver - e de que maneira. Esse inventário clarificador (que desgraçadamente já deverá não ser muito longo), parece da mais urgente oportunidade.


(Passou-me de todo desapercebida essa "Revista de Portugal", que cita de 98. Ainda existe? É o mesmo nome duma velha ideia de Eça de Queirós, que Vitorino Nemésio retomou e relançou nos finais de 30, de curta duração.)
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De FR a 04.05.2013 às 09:18

Caro Duarte,

Obrigado pelo seu comentário.
Tem toda a razão quanto à questão da “fé total”. Percebi que percebeu o sentido em que usei o termo, mas concordo que poderia ter utilizado uma expressão mais adequada.

Se não me engano, foi por três vezes editada uma “Revista de Portugal” no Brasil, primeiro nos anos 50, numa experiência que não terá durado um ano; depois lá para 67, uma publicação “para os brasileiros conhecerem e os portuguêses reviverem”, e mais tarde esta que cito, que julgo também já extinta. Acho que tenho alguns exemplares em Portugal, quando lá estiver digitalizo algumas imagens para o blog.

Um abraço,
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De Nuno Castelo-Branco a 04.05.2013 às 10:33

A questão a colocar é sempre de sentido prático. Como abordar os portugueses e desfazer toda a teia de preconceitos que já contam várias gerações? Não estarão as pessoas habituadas ao sistema representativo tal como o conhecemos?
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De FR a 04.05.2013 às 12:14

Nuno,
Era exactamente nesse ponto que eu bloqueava, desanimava, e quase desistia. Mas já percebi que o caminho que eu considerava o único não é nem o único nem a mais apropriada forma de luta. Os nossos adversários têm por m.o. o uso e abuso da propaganda de frases curtas e apelativas, ideias simples propostas de forma apaixonada. No entanto, e como sabes, é fácil desmontar a maioria, se não a totalidade, destas ideias. O problema é que esse exercício requer paciência não só de quem se propõe a contra-argumentar, mas especialmente de quem se dispõe, ou não, a ouvir. E por isso a luta tem sido feita quase exclusivamente utilizando as armas do adversário, o que é sempre uma desvantagem visto que, por mais sucinto que seja o contra-argumento, será sempre menos apelativo às paixões do que o argumento original.

O que aconteceu, por exemplo, com o movimento monárquico, foi que este se tornou quase uma caricatura de si próprio. Na ânsia de “chegar ao povo”, tratou-se de reduzir o argumentário monárquico aos slogans mais básicos possíveis que, apesar de terem alguma eficácia, essa eficácia é na maioria dos casos apenas residual. O que aconteceu de facto foi que decidimos tratar as pessoas como atrasadas mentais, entrando no mesmo jogo dos progressistas e revolucionários. Se queres um exemplo prático do que eu digo, atenta no recente debate em que participou o Miguel, e verás imediatamente a falta de profundidade que teve a discussão, não obstante as brilhantes intervenções do teu irmão, claramente a anos-luz do resto da mesa.

Ora, eu proponho deixarmos de ser condescendentes com os destinatários da nossa mensagem. Convenci-me que é precisamente através de um nível superior de discussão e apresentação de ideias inteiras, raciocínios complexos e completos, que chegaremos às pessoas e alcançaremos os nossos objectivos. Sempre foi assim e é assim que teremos de construir a nossa posição, correndo o risco, caso contrário, de caminharmos progressivamente para a total irrelevância.

Como? Através da desenvolvimento intelectual das nossas ideias, através da criação de plataformas verdadeiramente inovadoras onde se discute sem complexos, alicerçados pela certeza da razão e da consciência da superioridade dos nossos valores. Temos homens capazes de o fazer! Temos nas nossas hostes homens e mulheres de um brilhantismo sem igual em Portugal. Urge motivá-los a permanecer, com ânimo, no caminho certo. Nunca estive mais convencido do que estou agora de que os resultados irão aparecer por esta via.

Abraço
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De Duarte Meira a 04.05.2013 às 19:38


Caro Felipe Ribeiro:

Esta sua resposta a NCB é tão valiosa como o seu texto. Em especial, os dois últimos parágrafos parecem-me decisivos, e muito prometedores quanto à oportunidade e qualidade da sua intervenção aqui.


Fiquei muito satisfeito por saber dessa revista no Brasil. E, de facto cá e lá, temos pessoas notáveis - que vão mantendo alguma qualidade de vida social minimamente suportável e resistente a um sistema político tecnicamente incompetente e moralmente abominável.

No passado dia 25 de Abril, em comentário a  um texto infeliz do IDL publicado neste blogue, tive ocasião de exemplificar um caso da intervenção (pública) de uma dessas pessoas de qualidade e de chamar a atenção para a importância da relação luso-brasileira.
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De FR a 05.05.2013 às 12:45

Caro Duarte,
Obrigado mais uma vez pelo simpático comentário.
Tem toda a razão quanto aos "notáveis brasileiros". Eles parecem de facto ter acordado há bastante mais tempo do que nós e aquele país tem produzido formidáveis pensadores.
Em relação ao IDP, não diria que são totalmente inuteis mas tenho sérias reservas em relação àquele movimento.
Bom Domingo
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De Samuel de Paiva Pires a 06.05.2013 às 00:18

Excelente regresso, meu caro!
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De FR a 06.05.2013 às 11:17

:) Obrigado!
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De Cristina Ribeiro a 07.05.2013 às 13:58

Muito bom reencontrar-te por cá, Felipe! Grande abraço!
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De FR a 07.05.2013 às 15:11

Obrigado Cristina! É um prazer enorme estar de novo na companhia de pessoas que tanto estimo!

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