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Um EXCLUSIVO Estado Sentido: Otelo

por Nuno Castelo-Branco, em 09.05.13

Poucos seriam donos de casas, fábricas, fazendas e outras mirabolantes propriedades que excitaram as imaginativas e revolucionárias cabecinhas que há quatro décadas envenenaram o semi-analfabeto meio mundo da Metrópole. Ao contrário de uma mão cheia de abastados "almeidassantos", em Moçambique predominavam os Velhos Colonos brancos nine to five, aqueles que após um dia de trabalho por conta de outrem, regressavam às suas arrendadas residências. Quando em vez de um Mandela nos saiu na rifa um Samora por entre apertos de mão, tonitruante vivório, abraços e saúdes protagonizadas por gente completamente indiferente ao destino e direitos dos seus compatriotas, estes resignaram-se a salvar as suas anónimas vidas, refugiando-se em Portugal continental e nas mais desvairadas paragens deste mundo.

 

Pouco ou quase nada trouxeram consigo. Enquanto alguns conseguiram empacotar os tarecos da casa, outros vieram com uma mala cheia de roupas de verão e as preciosas recordações de várias gerações de luso-africanos, cuja memória conservavam em dúzias de fotos. Aqui está mais um desses destroços do Império, dessa nau que jamais vencida em combate, foi deliberadamente afundada pelo capricho e interesse egoísta de uns tantos tripulantes.

 

Um grupo de rapazes ..."levados, levados sim!, pela voz", com o uniforme da Mocidade Portuguesa. Após aquele período obrigatório que ia até ao Secundário, os jovens podiam prosseguir a sua carreira na M.P. e esta foto é demonstrativa disso mesmo. Iam subindo de escalão, recebiam novos uniformes e distintivos, eram promovidos.  Tratava-se de ..."rasgões, clareiras, abrindo", de uma opção, de um ..."querer, querer e lá vamos".

 

De todos eles, apenas reconheço dois: da esquerda para a direita, o segundo na primeira fila é o Rui, primo direito da minha mãe. No degrau acima, o segundo rapaz uniformizado para uma das actividades coordenadas pela M.P. no Liceu Salazar, chama-se Otelo Saraiva de Carvalho. O Rui, o primo dele - o Jorge, irmão da minha mãe -, o Vítor - meu pai - e o Otelo, eram colegas naquele grande liceu da capital de Moçambique. Ao sábado de manhã, a cidade via passar os adolescentes uniformizados e que compareciam às múltiplas actividades patrocinadas pela M.P.: taxidermia, pintura, escultura, teatro de fantoches, aeromodelismo, ginástica, equitação, canoagem etc. É sabido que as modalidades tinham início após a concentração nos grandes pátios dos estabelecimentos de ensino e talvez existam algumas fotos da saudação à bandeira, onde as celebridades de hoje, não hesitavam em cumprir um ritual parecido com outro  que além fronteiras, marcou uma época: clop! 

 

As velhas caixas e os albuns cheios de fotografias amarelecidas pelo tempo, são um alfobre de testemunhos da nossa história, autênticas arcas de tesourinhos nada deprimentes. Foi o que aqui trouxemos, um tesourinho ainda bem reconhecível. Com alguma sorte e talvez recorrendo a uns dias para vasculhar na poeira, talvez seja possível descobrirmos outras preciosidades há muito esquecidas. 

 

- "Ó Otelo, pá, tás cheio de sorte, pá, não mudaste muito de feições, ó pá!"

 

* Na foto: L. Salazar - 1953

 

Adenda: a identificação de todos os rapazes presentes na foto. Agradeço a colaboração do José tapada, um dos presentes:

 

Fila da frente da esquerda para a direita: Mário de Nascimento Ferreira, Rui Graça, José Marques Tapada, Kaiser, Carlos Cacho.
Fila de trás da esquerda para a direita: Mário Alves Pinto, Otelo Saraiva de Carvalho, Carlos Paixão, Cruz Nunes, Octávio Esteves.

A mesma foto, restaurada por António Botelho de Melo

publicado às 18:59


9 comentários

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De Figueiredo a 09.05.2013 às 22:27

Otelo na Mocidade Portuguesa!? A passagem na Mocidade Portuguesa era obrigatória para os jovens na altura, mais tarde passou a ser facultativa se não me engano.
Ora bem se era obrigatória, porque raio é que se mostra uma foto do Otelo na MP sabendo que era OBRIGATÓRIO o ingresso nesta organização do regime ditatorial!?
Enfim, isto realmente é um país de príncipes e reis que vão nus no meio da plebe, e de uma mentalidade pequeno-burguesa medíocre tanto da "esquerda" como da direita, uma cambada de "...Pequenos deuses caseiros..."
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De Nuno Castelo-Branco a 09.05.2013 às 23:47

Respondi-lhe mais abaixo, aproveitando o comentário do leitor xico. Curioso, neste país há quem tenha feito um banzé com um certo papel da PIDE que alegadamente "provava" ter Cavaco Silva pertencido à polícia política. Quem promoveu a campanha, sabe perfeitamente que esse formulário era obrigatório - vou repetir da mesma forma que o Figueiredo, ou seja gritando OBRIGATÓRIO, O B R I G A T Ó R I O!  - para a função pública. Não consta ter a nossa selecta gauche, ter dado tratos de polé à consciência para que a verdade fosse reposta. Em suma, a blogagem do esquema vigente quis fazer passar a ideia de um ACS vestido de gabardina preta, óculos escuros e chibata na mão. Com um bocado de mais imaginação, até poderiam ter sugerido que o homem "teria recebido um crachá de ouro por Serviços Distintos", igualzinho àquele que o general Costa Gomes usou antes do 25-A. 
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De João Alarcão a 13.07.2014 às 23:25

Como outros aqui lembram, o uso da farda da MP não era obrigatório nos Liceus do Ultramar, a tal "organização do regime ditatorial!". Por isso, muitos daqueles que estavam obrigados - o que o Sr Figueiredo assinala em letras garrafais que equivalem a gritos - a participar nas actividades da MP o faziam desfardados. Como a mim me aconteceu a maior parte das vezes que lá fui.
Outra coisa era comparecer tão marcial e entusiásticamente como Otolo Saraiva de Carvalho o fazia que levasse a que fosse designado como o "Hitler da MP". Alcunha que poderia ter sido só uma graça de jovens não tivesse sido o caso de ao longo da vida o irresponsável mostrado na fotografia ter tomado um sem número de atitudes a justificarem, plenamente, esse epíteto. 
Recordo-lhe, a esse propósito, a ridícula aceitação da patente de General ( para a qual manifestamente nunca teve a mínima competência); a criminosa e irresponsável forma como assinou mandatos de prisão em branco para serem usados da forma que os quadrilheiros que encabeçava colocassem entre grades quem lhes apetecia; as incendiárias declarações públicas sobre fuzilar cidadãos no Campo Pequeno; e, por último, não como cereja no topo do bolo, mas como espinha de peixe podre num pastel de excrementos, participou activamente, ou comandou, a organização cobarde e criminosa que assassinou o proprietário dos Móveis Baía, o Sr Gaspar Castelo Branco e outros cujo nome me não lembro mas que tenho a certeza que tinham muito mais carácter do que a escumalha de que ele era cabeça de cartaz. 
E recordando-lhe esse miserável percurso, desta miserável figura, que nesta fotografia surge fardado da Mocidade Portuguesa, fico certo que a juventude ultramarina, que digna e devotadamente nela também é fotografada, hoje se revoltará de ter tido a seu lado, e no seio da instituição que frequentavam, uma figura tão desprezível, abjecta e asquerosa como o citado Otelo Saraiva. 
Figura essa que, realmente, só num país de mudos incapazes de gritar " o Rei vai nu!", e de cobardes que lambem as botas a quem os pisa quando lhes apetece, é possível continuar a circular. Alvar, irresponsável, e descontroladamente, como sempre o fez. 
Não há,pois, lugar para as lamentações que faz do país em que vivemos, e que apesar de existirem Otelos e outros cobardes patológicos, continua a ser Portugal. Nem pretextos para a estafada alusão ao estado ditatorial em que vivemos, sobretudo tendo os principais opositores a esse tal "estado ditatorial" apenas terem sido capazes de nos atirar para um " Novo Estado", dito democrático, caracterizado por ondas avassaladoras de corrupção, ganância e ruína que nos fizeram descer para o mais baixo escalão do mundo civilizado.
Quem tem, pois, de se sentir indignado não são os seguidores de Otolo por alguém o mostrar fardado da Mocidade Portuguesa. 
Quem tem que se indignar são os milhares de portugueses que envergaram - voluntária ou obrigatóriamente - a farda dessa organização, vendo um canalha, cobarde e tresloucado como ele foi e é, vestido da Mocidade Portuguesa. 
  
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De Nuno Castelo-Branco a 15.07.2014 às 00:07

Exacto, caro João Alarcão. 
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De xico a 09.05.2013 às 22:55

Não simpatizo com Otelo. Mas fazer qualquer juízo de valor pelo facto de ter pertencido à Mocidade Portuguesa é patetice. Outra coisa é perguntar-se porque carga de água quis Otelo ingressar nas Forças Armadas com uma guerra colonial em curso, fazer carreira, dar aulas, comandar tropas na guerra colonial, para depois vir dizer que foi sempre do contra. Ele e outros, como ele, quando não eram obrigados a isso e afirmar que por ser pacifista não ia armado para o campo de batalha. Ora quem é pacifista não vai à tropa. Otelo ia, pelo menos, armado em parvo.
Eu fui da mocidade até ao ciclo. Quando pude optar, larguei logo. Não por motivos políticos (não tinha essa capacidade) mas porque detestava aquela disciplina militar. Lembro-me de saudar a bandeira com a saudação romana e o mesmo fazíamos a qualquer professor que entrasse na nossa sala de aulas.
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De Nuno Castelo-Branco a 10.05.2013 às 10:41

A diferença era precisamente essa: não me agradavam as obrigações. O contrário disso parece ter sido Otelo e como vê, não se trata de patetice, até porque a foto é de 1953, esses rapazes continuaram a frequentar a MP porque queriam. O meu primo Rui estava com 19 anos de idade e o Otelo com 17. Passaram por vários graus da MP. É disso mesmo que a foto trata, não estamos a falar de principiantes lusitos.


Fiz a minha escola secundária na General Machado, em Lourenço Marques. Tinha as actividades obrigatórias de sábado, coordenadas pela MP. Não existia qualquer tipo de coacção para o uso do uniforme, desde que não nos tivéssemos inscrito em actividades de campo, marchas, etc. Como optei por pintura, apresentava-me tal como em qualquer outro dia da semana, ou seja, com as calças que bem entendesse e a blusa da escola,  de tom verde seco e com um emblema identificativo no bolso esquerdo.  Se é verdade que em nos anos sessenta e setenta, em nossa casa  sabíamos perfeitamente qual era a carga política que os rituais implicavam, também há que dizer que o sistema escolar - o regime -, a pouco nos obrigava. Digo-lhe mais: tive o meu uniforme da MP logo na Primária e usei-o intermitentemente até completar a 4ª classe. Ainda conservo o quico, o cinto e o emblema de tecido - a bandeira de D. João I - que trazia cosido  no bolso esquerdo da camisa verde.  A partir dos meus dez anos, não voltei a ter roupa MP adequada ao meu constante crescimento. 
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De João Titta Maurício a 09.05.2013 às 23:56

Só uma pergunta. Alguém contemporâneo de Otelo em Lourenço Marques afirmou que a alcunha deste na época era o "Hitler da MP": sabe se isso é verdade, isto é, que ele tinha essa alcunha?

É só para se esclarecer que, não obstante a presença em certas organizações poder ser obrigatória, há sempre alguns que adoram parecer ou ser orgulhosos e enfáticos membros... ;)
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De Nuno Castelo-Branco a 10.05.2013 às 00:01

João Titta Maurício, como acima disse, aos 17 anos só andava de uniforme da MP quem queria. Nãos ei como se passavam as coisas na Metrópole, mas em Moçambique era facultativo. Quanto à alcunha "Hitler da MP", não faço a mínima ideia. Entrei para a escola em Setembro de 1965, para a pré-primária. O Otelo já teria uns bons 29 anos. De qualquer forma, questionarei os seus antigos colegas do Liceu Salazar, o meu primo Rui conhece alguns. 
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De Anónimo a 18.08.2018 às 20:38

E cá também não era obrigatório. muito embora houvesse pressão para adquirir a farda: No Liceu Nacional de Gil Vivente nos anos 40-50.
Lembro-me muito bem do meu Pai ; mas to queres?
Deixe lá, Pai, que eu vou continuando assim. . .

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