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Se falarmos no plano das ideias, num plano meramente abstracto, o meu conservadorismo impede-me de aceitar o que hoje foi aprovado no Parlamento, pelo que me parece salutar indicar um importante artigo de Abel Matos Santos onde é possível encontrar vários argumentos precisamente neste sentido - e que me fazem até suspeitar que a co-adopção por homossexuais será, talvez daqui a umas décadas, anulada. Por outro lado, o meu realismo leva-me a compreender a opção de Michael Seufert: o que é facto é que já existem crianças adoptadas por um único cônjuge homossexual e que vivem com outra pessoa homossexual, "o que levanta problemas reais no caso da morte desse cônjuge."
Porque na prática a teoria é outra, o que é nem sempre é conforme ao que deve ser, mas entre as posições tomadas nas redes sociais por várias pessoas, com conservadores a lamentarem o sucedido - e bem, particularmente no plano valorativo - e progressistas armados em iluminados muy evoluídos, como se soubessem alguma coisa sobre o conceito de evolução - ou perceberiam como este se confunde em larga medida com o de tradição e não se compadece com putativas revoluções de jaez racionalista -, prefiro o centro excêntrico patente no parágrafo anterior, ainda que obviamente penda para a posição conservadora e considere a progressista de uma infantilidade e ignorância patéticas que só podiam ter sido concebidas numa sociedade pós-moderna refém do politicamente correcto e do relativismo.
Talvez valha a pena lembrar que o estado de coisas a que chegámos resulta da combinação da emergência do conceito de justiça social com o positivismo legalista que, como Hayek e Oakeshott assinalaram, produziu a política da barganha baseada nas reivindicações em relação a direitos. Segundo John Gray, a acepção oakeshottiana da "política como uma conversação, em que a colisão de opiniões é moderada e acomodada, em que o que é procurado não é a verdade mas a paz, foi quase totalmente perdida, e suplantada por um paradigma legalista em que todas as reivindicações políticas e conflitos são modeladas no jargão dos direitos. Neste contexto, não só o discurso político civilizado se encontra virtualmente extinto, como as instituições legais para o qual é transplantado estão corrompidas. Os tribunais tornam-se arenas para reivindicações políticas e interesses, cada uma das quais desordenada e resistente ao compromisso, e a vida política noutros locais torna-se pouco mais que barganha e troca de favores."1 Nas democracias modernas, o estado de direito, ou seja, a lei enquanto princípio geral e abstracto, deixou de ser um limite à acção governativa, que passou a ser explorada pelos grupos de interesses, que assim puderam prosseguir os seus objectivos particulares à custa de terceiros, muitas vezes prejudicando a sociedade como um todo, mesmo que os indivíduos não o percebam ou até apoiem estes grupos de interesses, simplesmente porque estes recorrem à camuflagem dos seus intentos sob a capa da justiça social. Desta forma, a modernidade gerou um enquadramento que é altamente destrutivo das tradições intelectuais e morais europeias, que através do racionalismo construtivista e do relativismo produz morais inviáveis, ou seja, sistemas de pensamento moral incapazes de sustentar qualquer ordem social estável, que através de teorizações sociológicas contemporâneas e da corrupção da arquitectura e das artes (como Roger Scruton e Gray demonstram) criam um clima cultural que é profundamente hostil à tradição e também à sua própria existência. Confrontamo-nos, assim, com uma cultura que tem ódio à sua própria identidade, tornando-se, em larga medida, efémera e provisória.2
O mesmo é dizer que é mais do que preocupante assistir à tomada de decisões que parecem acelerar a dissolução das nações europeias, não só culturalmente mas também biologicamente. Como costumam dizer os conservadores, as coisas são o que são.
1 - John Gray, "Oakeshott as Liberal", in John Gray, Gray’s Anatomy, Londres, Penguin Books, 2009, p. 80.
2 - John Gray, "Hayek as a Conservative", in John Gray, Gray’s Anatomy, op. cit., p. 131.