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A respeito da co-adopção por homossexuais

por Samuel de Paiva Pires, em 17.05.13

Se falarmos no plano das ideias, num plano meramente abstracto, o meu conservadorismo impede-me de aceitar o que hoje foi aprovado no Parlamento, pelo que me parece salutar indicar um importante artigo de Abel Matos Santos onde é possível encontrar vários argumentos precisamente neste sentido - e que me fazem até suspeitar que a co-adopção por homossexuais será, talvez daqui a umas décadas, anulada. Por outro lado, o meu realismo leva-me a compreender a opção de Michael Seufert: o que é facto é que já existem crianças adoptadas por um único cônjuge homossexual e que vivem com outra pessoa homossexual, "o que levanta problemas reais no caso da morte desse cônjuge."

 

Porque na prática a teoria é outra, o que é nem sempre é conforme ao que deve ser, mas entre as posições tomadas nas redes sociais por várias pessoas, com conservadores a lamentarem o sucedido - e bem, particularmente no plano valorativo - e progressistas armados em iluminados muy evoluídos, como se soubessem alguma coisa sobre o conceito de evolução - ou perceberiam como este se confunde em larga medida com o de tradição e não se compadece com putativas revoluções de jaez racionalista -, prefiro o centro excêntrico patente no parágrafo anterior, ainda que obviamente penda para a posição conservadora e considere a progressista de uma infantilidade e ignorância patéticas que só podiam ter sido concebidas numa sociedade pós-moderna refém do politicamente correcto e do relativismo.

 

Talvez valha a pena lembrar que o estado de coisas a que chegámos resulta da combinação da emergência do conceito de justiça social com o positivismo legalista que, como Hayek e Oakeshott assinalaram, produziu a política da barganha baseada nas reivindicações em relação a direitos. Segundo John Gray, a acepção oakeshottiana da "política como uma conversação, em que a colisão de opiniões é moderada e acomodada, em que o que é procurado não é a verdade mas a paz, foi quase totalmente perdida, e suplantada por um paradigma legalista em que todas as reivindicações políticas e conflitos são modeladas no jargão dos direitos. Neste contexto, não só o discurso político civilizado se encontra virtualmente extinto, como as instituições legais para o qual é transplantado estão corrompidas. Os tribunais tornam-se arenas para reivindicações políticas e interesses, cada uma das quais desordenada e resistente ao compromisso, e a vida política noutros locais torna-se pouco mais que barganha e troca de favores."1 Nas democracias modernas, o estado de direito, ou seja, a lei enquanto princípio geral e abstracto, deixou de ser um limite à acção governativa, que passou a ser explorada pelos grupos de interesses, que assim puderam prosseguir os seus objectivos particulares à custa de terceiros, muitas vezes prejudicando a sociedade como um todo, mesmo que os indivíduos não o percebam ou até apoiem estes grupos de interesses, simplesmente porque estes recorrem à camuflagem dos seus intentos sob a capa da justiça social. Desta forma, a modernidade gerou um enquadramento que é altamente destrutivo das tradições intelectuais e morais europeias, que através do racionalismo construtivista e do relativismo produz morais inviáveis, ou seja, sistemas de pensamento moral incapazes de sustentar qualquer ordem social estável, que através de teorizações sociológicas contemporâneas e da corrupção da arquitectura e das artes (como Roger Scruton e Gray demonstram) criam um clima cultural que é profundamente hostil à tradição e também à sua própria existência. Confrontamo-nos, assim, com uma cultura que tem ódio à sua própria identidade, tornando-se, em larga medida, efémera e provisória.2

 

O mesmo é dizer que é mais do que preocupante assistir à tomada de decisões  que parecem acelerar a dissolução das nações europeias, não só culturalmente mas também biologicamente. Como costumam dizer os conservadores, as coisas são o que são.



1 - John Gray, "Oakeshott as Liberal", in John Gray, Gray’s Anatomy, Londres, Penguin Books, 2009, p. 80.

2 - John Gray, "Hayek as a Conservative", in John Gray, Gray’s Anatomy, op. cit., p. 131.

publicado às 13:35


7 comentários

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De Drácon a 17.05.2013 às 15:39

Uma vergonha o que este arremedo de assembleia aprovou !
De resto, uma questão de tão grave natureza deveria ter sido objecto de consenso nacional, e não deixada nas mãos de uns quantos gajos que já não representam nada nem ninguém, tão insensatas e contrárias ao interesse nacional têm sido as suas decisões !
Estou farto de partidos que apenas servem para dar guarida a medíocres e bandidos, a quem temos de pagar para destruírem o País financeiramente e afundarem moralmente os Portugueses !
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De JOSE MACEDO a 17.05.2013 às 22:49

Os deputados têm toda a legitimidade para decidirem o seu sentido de voto. 
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De m. c. a 17.05.2013 às 17:00

Esta legislação permite que possa haver uma criança que tenha no seu registo de nascimento que é filha do António da Silva e do  José da Silva.
Quanto à criança que fique orfã, há no direito em vigor modos de a proteger. Infelizmente, não se compadecem com a agenda do politicamente correcto que o cds e psd parecem tão empenhados em servir. 
A única consolação é que se trata de legislação inconstitucional porque atentatória do interesse superior da criança, que é o que  principio norteador  das disposições que lhe digam respeito.
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De Duarte Meira a 17.05.2013 às 19:25

« ... as coisas são o que são. »


Caro Samuel:

No plano da ético-política, no curto espaço disponível de um apontamento de blogue, era difícil dizer mais e melhor do que diz o seu texto. Parabéns!

Apenas desejaria acrescentar a prevenção seguinte. A "natureza das coisas", essa que os conservadores estimavam e conservavam, (e que justificava expressões como "as coisas são o que são") - está já no ponto de ser radicalmente transformada pelas "converging technologies". Não estamos, portanto, apenas diante uma agenda social e política de desintegração do núcleo familiar "natural" da sociedade humana, protagonizada a partir do Ocidente por ideologias mediaticamente mais visíveis ou outras, mais ocultas.

A "natureza"  (a clássica, de matriz greco-latina") é cada vez menos "natural". O desafio aos conservadores sobre o que vale a pena conservar (e como, mesmo nas mais adversas condições) é, portanto, o mais radical possível.
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De Samuel de Paiva Pires a 17.05.2013 às 21:56

Muito obrigado, caro Duarte. E não é um desafio nada fácil, especialmente tendo em consideração a horda de progressistas e o pensamento bacoco e simplista que os caracteriza mas arrasta muita gente. Há que resistir para continuar a ser livre.
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De JOSE MACEDO a 17.05.2013 às 22:06

O Abel Matos Santos gosta de páginas do Facebook tais como António de Oliveira Salazar, Legião Portuguesa, Papa João Paulo II,  Padre António Vieira, Dom Nuno Álvares Pereira, o Santo Condestável, Juventude com Salazar, etc.....
Será difícil reconhecer imparcialidade dos textos deste senhor, com o devido respeito pelas suas opiniões e escolhas. Eu não sou de esquerda, mas sou liberal e concordo com a lei hoje aprovada. Não reconheço ao Abel Matos Santos imparcialidade nestes assuntos...
Reproduzo a seguir um texto do Royal College of Psychiatrists, no Reino Unido:
http://www.rcpsych.ac.uk/pdf/rcpsychposstatementsexorientation.pdf (http://www.rcpsych.ac.uk/pdf/rcpsychposstatementsexorientation.pdf)

Mas, respeito a tua opinião :)


Um abraço Samuel
José A Macedo
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De DavC a 18.05.2013 às 17:53

Ou seja, tirando meia-dúzia de considerações abstractas acerca daquilo a que chama de progressismo e algum name dropping a fugir para o exibicionista, não tem nada de substantivo e fundamentado a objectar à co-adopção de crianças por casais do mesmo sexo.

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