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Hipotética Epístola do Adeus

por Fernando Melro dos Santos, em 26.05.13

Tu,

 

Não sei porque me dou ao trabalho de escrever-te.

 

Nestes anos fomos do puro Céu ao viperino Inferno. Tu não dominas o teu feitio. Eu sinto que não me mereces. Tu esperas do alto das tuas certezas que o caminho te seja dado de bandeja, com os caminhantes laudando-te os passos com vénias. Tiveste-os e assim os esbanjaste, a todos sem excepção.

 

Onde havia o desejo e a paixão que me fizeste sentir, salvando-me, ou a ambos, de um destino igualmente mau mas precoce, eu impossibilitado pelos abusos que fui engolindo deixei crescer o carinho, o afecto, a protectividade, a promessa eterna de que os meus dias seriam teus.

 

Não te bastou, como nunca te basta, porque a razão para que nunca peças desculpa é, naturalmente, que só pedes quando achas que deves pedir.

 

Não há volta a dar, nesta nossa última fase eu esperava de ti o que nunca foste capaz de edificar comigo ou com qualquer outra pessoa: a humildade de perceber que o tempo nos leva avanço, que nos dias - quentes ou frios - ter alguém que um dia escolhemos e que se dispõe a finar-se ao nosso lado de peito cheio por ver, na derradeira hora, o rosto amado, isso é impagável.

 

Não se retribui com arremessos escarninhos meia década de verdadeiro sacrifício em nome dos teus desígnios juvenis e malabaristas. É de mau tom.

 

Apesar de tudo, quando saíste ainda diria a quem me perguntasse: sim, claro que a amo. Depois de ouvir na tua voz, hoje, o que ouvi, não poderia sequer pensá-lo.

 

Mas gosto muito de ti, apesar de saberes tão bem como eu que nos pratos da Grande Balança o lote dos estragos causados a todos é da tua quase exclusiva responsabilidade. Não tive forças para apascentar o teu carácter recalcado e controlador. Quis ser aquilo com que sonhavas, e tornei-me uma sombra daquilo com que sonhei.

 

Só te quero Bem. De uma forma muito especial poderás sempre contar comigo, ainda que possas pretender estraçalhar-me em nome dessa ilusão de independência e de juventude que te persegue desde aquele ano do qual nem tu, nem eu, nada percebemos. Um beijinho sincero de boa noite e de boa sorte.

 

Tentei prover ao teu contento. Quiseste outra forma de felicidade. Não nos sentaremos juntos no banquinho que trouxemos, juntos com os nossos braços, quando a pele se enrugar, e já ninguém, filhos diletos da nossa erosão ou queridos amigos que nos dizem aquilo que queremos ouvir, vier contar-nos pela enésima vez a história do homem que foi atropelado em frente ao quiosque.

 

Mas eu, que em ti só procurei sorrisos, sentar-me-ei nele como se estivesses ali, sempre e para sempre, como no dia em que o trouxemos.

publicado às 15:15


3 comentários

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De Duarte Meira a 27.05.2013 às 23:20


Caro Fernando:

Ter conseguido escrever isto, como escreveu, é a primeira vitória. Para o mais, há um escudo pesado, mas invulnerável: - Só quero o Bem.

Não deixe nunca que amargura e ressentimento, por mais justificados que sejam, lhe empeçonhem o coração. O Juízo Final é que vale.


(Neste seu extraordinário apontamento encontro também demonstrada  toda a razão que tenho de vir acompanhando os que escrevem neste blogue. Há fundados motivos de Esperança. Fico-lhe muito obrigado por isso.)
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De Fernando Melro dos Santos a 28.05.2013 às 06:12

Meu amigo,


disseram-me, de quadrantes espalhados por toda a plétora de geografias e de bioquímicas, mais ou menos o mesmo. Veja lá que até houve quem me contradissesse e denotasse que estou mais perto do sonho daquilo que julgo.


É a recepção, pela Vossa parte, que informa a emissão, num "spooky entanglement", de que deve ocorrer naquele momento e não noutro.


Como sempre, as suas palavras dão sentido ao estado da escrita neste blog. 


On brûle encore.
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De Fernando Melro dos Santos a 28.05.2013 às 06:12

"do que aquilo que julgo", é cedo e vou correr 5km. Ou dez.

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