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Filosofar é aprender a morrer (4)

por Samuel de Paiva Pires, em 11.06.13

 

Alçada Baptista, Peregrinação Interior - Reflexões sobre Deus:

 

«Relato necessário duma peregrinação pessoal, não pretendo com ele ser exibicionista, se bem que viver é também ser capaz de perder um certo pudor. Quando o meu pai morreu, eu já era homem. Já tinha a maturidade que me permitia tirar da sua pessoa todas as cargas míticas e saber olhar objectivamente os seus defeitos e virtudes, e por isso soube avaliar o peso da sua grandeza humana e o significado que ela teve para mim. Algum tempo depois da sua morte, comecei a pensar que nunca lhe dissera nada disso e que a morte o levou sem que eu lhe tivesse abertamente revelado o muito que gostava dele. E se analiso as razões porque o fiz, creio que foi por pudor, por este absurdo que se apodera das pessoas e que não permite que se diga a um pai o muito que se pode gostar dele. Nos meus filhos, passa-se que deixam de me dizer que gostam de mim à medida que não são capazes de me aparecer nus. Assim se prolonga um diálogo insinuado, por suposições, por cálculo, por subjacências, quando nada devia haver de mais simples e aberto do que o diálogo de amor de pais para filhos, de homens para mulheres, de pessoas para pessoas. A literatura está cheia de insinuações veladas de seres que gostaram tremendamente de outros, mas essas vozes de amor transferem-se, curvam-se, corrigem-se, num espartilho vitoriano que nos abafa e comprime e de que a muito custo nos conseguimos libertar. Assim andamos, com o coração apertado na garrafa da vida, a bater timidade pelo gargalo da vida.»

publicado às 10:56


2 comentários

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De Duarte Meira a 11.06.2013 às 21:01


Caro Samuel:

Vale a pena citar o subtítulo deste 1º vol. da Peregrinação Interior: "Fragmentos do Memorial do combate que Jacob Alçada Baptista vem travando com o anjo que lhe foi atribuído".
No último parágrafo do penúltimo capítulo (15º) diz assim. "Gostaria de dar luta até ao fim ..."
E logo após, numa epígrafe do 16º, encontra-se a memoranda frase de Platão-Montaigne que o Samuel escolheu para esta série de apontamentos.
Permita-me mais uma citação (do cap. 6º):
"Homem é uma coida que só se decide na hora da morte."

Foi uma sorte grande que lhe calhou na Feira, um tal livro. E por "4 euros"! Aliás merecida, porque eu creio o Samuel aproveitará muito da companhia desse sábio mais avançado na nossa Peregrinação comum. (E lá verá patentes algumas das causas mais secretas e ponderosas da desagregação da situação política anterior, bem como da frustração posterior ao pós-Abril de 74; mas rtambém algumas chaves preciosa para a Resistência ao
novel "regime" em que entrámos no dia 1 de Janeiro de 1986.)


[ Na 3ª linha da sua transcrição entende-se que se fala de "pudor". Porém, na última, não deve ser "timidade". Na edição que tenho, de 1972, está "tìmi-dade", com hifenação de virar de linha e acento grave. Tem-se a impressão de que o autor queria escrever "tìmidamente" (como se usava ainda com acento grave, nestes advérbios de modo)  e que falta uma linha ao texto. A sua edição, pela fotografia, é mais recente, mas mantém o aparente lapso de impressão. De qualquer modo, o sentido não sai muito prejudicado; e os brasileiros parece que já escrevem "timidade" por (sem) timidez, não sei se autorizados pelo Houaiss (não pelo Aulete). ]
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De Samuel de Paiva Pires a 13.06.2013 às 23:15

Obrigado pelos seus apontamentos, caríssimo Duarte. Talvez não seja coincidência esta sorte, que por ora tenho aproveitado com bastante prazer. 


Esta edição é de 1975, e realmente também estranhei a palavra. Dá, de facto, a impressão que timidamente seria mais apropriado, ainda que o sentido não saia não prejudicado.

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