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Alçada Baptista, Peregrinação Interior - Reflexões sobre Deus:
«Relato necessário duma peregrinação pessoal, não pretendo com ele ser exibicionista, se bem que viver é também ser capaz de perder um certo pudor. Quando o meu pai morreu, eu já era homem. Já tinha a maturidade que me permitia tirar da sua pessoa todas as cargas míticas e saber olhar objectivamente os seus defeitos e virtudes, e por isso soube avaliar o peso da sua grandeza humana e o significado que ela teve para mim. Algum tempo depois da sua morte, comecei a pensar que nunca lhe dissera nada disso e que a morte o levou sem que eu lhe tivesse abertamente revelado o muito que gostava dele. E se analiso as razões porque o fiz, creio que foi por pudor, por este absurdo que se apodera das pessoas e que não permite que se diga a um pai o muito que se pode gostar dele. Nos meus filhos, passa-se que deixam de me dizer que gostam de mim à medida que não são capazes de me aparecer nus. Assim se prolonga um diálogo insinuado, por suposições, por cálculo, por subjacências, quando nada devia haver de mais simples e aberto do que o diálogo de amor de pais para filhos, de homens para mulheres, de pessoas para pessoas. A literatura está cheia de insinuações veladas de seres que gostaram tremendamente de outros, mas essas vozes de amor transferem-se, curvam-se, corrigem-se, num espartilho vitoriano que nos abafa e comprime e de que a muito custo nos conseguimos libertar. Assim andamos, com o coração apertado na garrafa da vida, a bater timidade pelo gargalo da vida.»