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Tenho irmãos mais novos. A mais nova tem agora 4 anos e é feliz. Corre de um lado para o outro sem saber que um dia vai perceber o que a rodeia. Ainda não sabe que existem pessoas más, movidas pelo ódio, pela intolerância, pela ganância. Se pudesse privaria-a desse mundo, mas não consigo.
O mundo que podemos deixar a quem está a chegar é uma vergonha. Deixamo-nos corromper por falsas sensações de bem-estar a troco da liberdade de ser, fazer e pensar. Deixamo-nos ser enganados porque ‘’não tinha nada a ver connosco” na altura. Desde os tempos da escola, em que gozámos com este ou com aquele, desde o dia em que não tivemos coragem de impedir um acto injusto ou fomos injustos e não pedimos desculpa.
O mundo que nos deixaram não foi o melhor mas isso não quer dizer que possamos desistir. Que mundo este onde a democracia deixou de proteger os mais frágeis que nós? Onde os novos têm medo de não ter futuro e os velhos não têm segurança para o amanhã? Como é que se aceita esta política que não é natural?
Não é natural prejudicar o próximo. Não é natural privar alguém de ser quem quiser ser, como quiser ser, quando quiser ser. Não é natural tornar outros infelizes.
Vivem-se temos difíceis mas não temos que os aceitar. Não é humano aceitar que os outros chorem porque já não têm alternativa a desistir. Não é humano dar a liberdade em troco de comodidade, cada vez mais residual. Todos temos medo de pior. Piores dias com maiores faltas. Falta dinheiro, faltam sonhos, faltam condições, falta o futuro que nos teimam a tirar. Mas se todos temos medo, estamos todos juntos. A liberdade foi tomado por pequenos grupos que se acham donos daquilo que é de todos.
Desde novo que me ensinaram que a democracia era o único regime onde o poder estava nas pessoas e era das pessoas. Nesse caso, porque temos medo de quem trabalha para nós? Daqueles que não são mais que meros funcionários com o objectivo de governar aquilo que é nosso e de todos? Porque toleramos os intolerantes? Aqueles que nos incutem medo do futuro e nos obrigam a contentar com cada vez menos? A crise é o novo bicho papão. A crise e a dívida, o défice e o desemprego, a troika e os trocos que escasseiam. As crianças já não têm medo dos monstros debaixo da cama: hoje temos todos medo do futuro. É incerto, como tem de ser. Mas aqueles que governam pelo medo, perdem a legitimidade de serem nossos representantes. Nós, as pessoas. Somos cada vez mais indiferentes ao outro. E os outros já se desinteressaram de nós. Tornamo-nos egoístas, fechados no nosso centro de conforto, com a nossa família e os nossos amigos. Esquecemo-nos do mundo que está fora deste circulo. A Humanidade somos todos e mesmo assim protegemo-nos com fronteiras, barreiras, fobias e intolerâncias. Cada vez mais somos mais parecidos com bestas que com homens e mulheres.
Tenho 23 anos e a minha irmã mais nova tem 4.
Tenho 23 anos e não sei a idade de quem vive pior e tanto pior que eu.
Tenho 23 anos e deixei que os conflitos e as guerras se tornassem parte do meu quotidiano. Vejo todos os dias autoridade desmedida quer pelo lado dos governos quer pelo lado daqueles que acham na rua, violentamente, se pode destruir a democracia.
Tenho 23 anos e já me envergonho quando vejo que sou capaz de passar ao lado de alguém a dormir sem tecto sem sentir um mínimo de compaixão. Deixamo-nos de ajudar.
Mas tenho 23 anos e já me apercebi disso. Não tenho medo quando sei que o que é natural é a entreajuda entre pessoas. Há tantas divisões. Somos todos diferentes. Isto é natural. Mas um adversário não é um inimigo. Os inimigos não são naturais e esses devem ser combatidos.
Aos que nos governam e aproveitam a posição para os seus interesses;
Aos que não toleram a diferença;
Aos gananciosos;
Aos racistas;
Aos homofóbicos;
Aos que usam a violência como modo de subjugar os outros;
Aos que não respeitam a liberdade;
Aos que odeiam;
E a todos os outros que se tornaram máquinas e perderam o que me fazia chamar-vos pessoas:
Eu não tenho medo. E, mesmo sabendo que vai durar a vida toda, não vou deixar que ganhem.
A minha irmã terá um mundo melhor.