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No Cabo das Tormentas

por Nuno Castelo-Branco, em 19.06.13

 

Os brancos sul-africanos, nomeadamente os boers, durante décadas tiveram um comportamento absolutamente miserável para com a população "coloured" do país. Lembro-me que a pouco mais de um mês do 25 de Abril, regressando com os meus pais e irmãos de uma viagem a Joanesburgo, parámos em Nelspruit para reabastecer a viatura. Um enorme zulu de serviço à bomba, comentou, apontando para matrícula: "in Mozambique we are free". Foi este o tema para mais uma lição do nosso pai, fazendo-nos notar ser a África do Sul um país independente, enquanto Moçambique era um território sob a soberania de uma potência europeia. Os paradoxos não se ficavam por aí, estendendo-se os exemplos ao absurdo do Apartheid e aos seus mais visíveis e escandalosos aspectos: bancos, cinemas, restaurantes, casas de banho, transportes públicos, escolas e hospitais, enfim, um mundo que para nós era totalmente desconhecido, abjecto.

 

Sabemos no que tudo aquilo deu. Os sul-africanos foram recompensados com um príncipe em todos os sentidos que o termo encerra. Mandela sempre foi e ainda é, uma figura que paira sobre um mundo onde a reles vulgaridade impera despudoradamente. Foi ele, o doce castigo ministrado aos mais radicais boers: o perdão, a reconciliação, o estender do ramo de oliveira.

 

Pelo contrário e apesar de todos os discursos do Portugal multirracial e pluricontinental, dos textos escolares acerca dos casamentos mistos que fizeram a lenda de Albuquerque  e da infalível construção de outros Brasís - apesar de já não termos um D. João VI que nos valesse -, o que nos sucedeu? Por obra e graça da Capitulação de Lusaca, em vez de um tenuemente esboçado Mandela, tivemos um Moisés de águas turvas, de seu nome Samora. O resultado está à vista, aquém e além mar. O desastre económico, a brutal ditadura de todas as "reeducações", uma liminar limpeza étnica e um milhão de mortos em menos de vinte anos. 

 

Dito isto, o que se torna evidente nesta hora de ocaso de uma vida ímpar, é tudo aquilo que se tem passado desde que Mandela chegou, com todo o mérito - e esplendorosa sorte de milhões de sul-africanos - à presidência do país. A sua ex-mulher Winnie e a filharada, logo começaram a esvoaçar em círculos sobre a mesa do banquete, não dando meças à cupidez e a casos de polícia. Escândalos atrás de escândalos, crimes de sangue, o amealhar de milhões provenientes da chantagem, roubo e expropriação, o ataque aos donativos para "causas" e toda uma panóplia de atitudes difíceis de qualificar, tornaram-se no apanágio do novo poder instituído. O sr. Julius Malema, pequeno ditador da juventude do ANC - uma criatura brutal, bronca, execravelmente racista e de um devorismo sem limites -, apenas tem sido um dos frutos podres do imenso pomar de todo o tipo de ilegalidades, abusos, assassinatos em série e mentiras instituídas às custas do legado do Madiba. O pândego sr. Zuma, o actual Chefe do Estado, é um daqueles típicos exemplos a que aquela parte do mundo nos habituou, em nada fugindo ao padrão que em Mobutu encontra  um fácil e oportuno nome que o caracteriza, não esquecendo as variantes conhecidas por Idi Amin, Bokassa, Touré, Mugabe, Nguessu, etc. A lista é longa, imensa.

 

Mandela merecia melhor. Gente que apenas lhe é qualquer coisa devido a um comprovativo ditado pelo ADN, ameaça destruir muito de uma imagem que o mundo aprendeu a olhar como exemplo máximo da decência. 

publicado às 00:46


5 comentários

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De José Lima a 19.06.2013 às 15:37

Caro Nuno, três pontos:


 


1º) O que se passará na África do Sul, depois do desaparecimento de Mandela?


 


2º) Regressando a Moçambique, não seria Mondlane o Mandela moçambicano? E, ainda assim, impediria ele os Chissanos, os Machungos e os Guebuzas de manifestarem o seu devorismo frelimista (ainda que porventura obstasse ao primitivismo selvático do “Moisés”…), à imagem do sucede com as “hienas” do ANC na África do Sul?


 


3º) Sem prejuízo do ponto 2º), e passo a citá-lo, “(…) apesar de todos os discursos do Portugal multirracial e pluricontinental, dos textos escolares acerca dos casamentos mistos que fizeram a lenda de Albuquerque  e da infalível construção de outros Brasís”, como compreender todos os horrores ocorridos em Moçambique no pós 25-A contra a população de origem europeia, em especial, nos meses de Setembro e Outubro de 1974?..

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De Nuno Castelo-Branco a 19.06.2013 às 16:55

Respondendo ponto por ponto,


1º Todos sabemos o que se passará na AS após a morte de Mandela. Aliás, já está a acontecer e espero bem que o governo português já tenha um plano de contingência para receber muitos, muitos "retornados". Se assim for, contem com um Portugal eleitoralmente muito diferente e talvez tenhamos resolvido por algum tempo, a questão demográfica. um viso: os portugueses da AS não são nem estão para brincadeiras.


2º Não sabemos o que Mondlane teria sido. sabe-se que era um homem dos americanos, estava comprometido com as lojinhas protestantes e com tudo o que isso significa. Foi eliminado, muito provavelmente pela gente que lhe sucedeu na Frelimo. Claro que a PIDE tem as costas largas, mas de facto a questão era outra, a da luta pela influência externa: EUA ou o bloco comunista. Venceu quem tinha mais força e visão. Os nossos questionáveis aliados americanos comportaram-se da forma mais escabrosa possível e no preciso momento em que assistia-se às lutas pelos direitos civis, eles mesmos atreviam-se a boicotar-nos internacionalmente. Imperdoável!


O governo português cometeu erros crassos, pois devia ter a certeza - eu tê-la-ia, acredite - de as coisas não poderem ficar como estavam. Devia ter acelerado a integração, devia ter formado quadros e negociado logo após as primeiras exigências que Nehru fez quanto à Índia Portuguesa. Era um sinal, apenas os tolos não o entenderam. Tínhamos pelo menos, uns vinte anos pela frente e isso seria fundamental para preparar-se a Metrópole e o Ultramar. Duvido muito de que os "movimentos" não tivessem aproveitado esta oportunidade. 
Curioso será verificar que esses nacional-tolos ainda mandam em Portugal, bem refastelados como estão nos seus centros de poder, os bancos, por exemplo. Essa gente tem pesadas responsabilidades no desastre do Ultramar. Cercou Salazar, chantageou Caetano e hoje em dia são aquilo que todos bem sabemos.


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De Nuno Castelo-Branco a 19.06.2013 às 16:59

3º Lusaca foi um desastre, uma vergonha facilmente evitável. A pergunta a colocar pelos representantes do novo regime português, seria: "quantas cidades, vilas e aldeias controlam V. Exas.?" A resposta seria esta: "nenhumas". Claro que era fundamental a manutenção da disciplina, coisa que após o 25 de Abril rapidamente se volatilizou. Bastava andarmos pelas ruas de LM e quase se morria de nojo ao deparar com os soldados já imundos, miseravelmente "uniformizados", provocadores e e grosseiros. O edifício militar ruiu, ainda está desonrado por estes dias do novo século. Dito isto, no caso de terem garantido o que era essencial, poderiam então negociar. Não o fizeram e isso foi intencional, basta consultarmos as declarações da gente do MFA e de Soares, os jornais existem, estão arquivados. Bem pode M. Soares dizer o que bem lhe apetecer, mas a situação ficou clara. Ele tinha o mau exemplo da França e repetiu-o sem hesitações numa versão muito mais danosa. Aliás, disso ainda hoje se gaba. O abandono apressado ficou sumariamente expresso e encorajou a bebedeira radical de Samora Moisés e dos seus patrocinadores estrangeiros. Cada discurso seu, equivalia a uns milhares de brancos, indianos, chineses e mulatos em fuga. O 7 de Setembro tornou-se assim inevitável, precisamente também por causa da evidente cumplicidade das chefias das forças armadas portuguesas, vergonhosamente condescendentes para com tudo aquilo que aconteceu nos chamados "Acordos". Compreende-se o estado de espírito da população e o que viria a acontecer. Os que acreditaram na conversa da gente do MFA, logo em Julho deveriam ter entendido quem eram aqueles que desembarcavam em Moçambique - Costa Gomes e outros -, tranquilizando os justamente inquietos naturais de Moçambique, agora oficial e ignominiosamente chamados de "residentes"! O que estava a acontecer em Lisboa, era um claro indício da força do PC nas decisões políticas que infalivelmente beneficiariam os seus tutores do leste. Todos sabiam quem era o Ministro da "Coordenação Interterritorial", um dos homens mais desprezados entre os naturais daquele Estado africano. Todos souberam atempadamente da quase clandestina evacuação da sua família e dos seus amigos, colocando haveres e pessoas em bom recato, enquanto publicamente instavam para que os demais ficassem. Os meus pais foram avisados pelo muito bem informado Centro Aga Khan e actuaram imediatamente. Aqui chegámos no dia 31 de Agosto de 1974. Fechava-se assim, um ciclo familiar de 90 anos em Moçambique. Não esqueço nem perdoo. Não tenho o direito de fazê-lo, pois os crimes de sangue não prescrevem.



O mínimo que o Estado Português pode e deve fazer de imediato, será proceder a um formal pedido de desculpas a todos os vitimados pelo chamado "processo de descolonização". Aos que vieram para a Europa e a milhões que se sujeitaram aos caprichos dos novos senhores africanos. Não se trata de qualquer processo de reparação material, mas sim, de uma urgente e justa reparação moral. Sem isto, nada feito. 
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De José Lima a 20.06.2013 às 01:49


Caro Nuno, agradeço a sua respostas, com as quais estou genericamente de acordo, em especial, em relação ao terceiro ponto.

Posso acrescentar - e ouvi-o a pessoa merecedora da máxima confiança - que o senhor da Coordenação Interterritorial, enquanto em público cantava louvores ao Moçambique futuro, em privado aconselhava os que o conheciam bem, quando por eles questionado acerca do assunto, a saírem tão rapidamente quanto possível da Moçambique. Uma atitude a dele, no mínimo dos mínimos, bem bizarra, isto para não classificá-la nos  tons bem mais pesados que a mesma mereceria...
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De Nuno Castelo-Branco a 21.06.2013 às 10:39

Foi exactamente isso o que os meus pais souberam em Junho-Julho de 74 e o Centro Aga Khan confirmou-o!

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