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Sopranos e presidentes de câmara

por John Wolf, em 21.06.13

RIP James Gandolfini. Partiu o conhecido actor e levou consigo Tony Soprano. Será sempre esse personagem que fará parte da memória colectiva. E há razões para isso. São os mesmos argumentos que sustentam a simpatia que nutrimos por várias gerações de mafiosos. Poderia recuar na história cinematográfica e evocar os "Corleones" de "O Padrinho", os "Goodfellas" (não gosto do título em Português) ou "Era uma vez na América". Todos esses Capones, galos de aviários do crime, exalam uma aura de bon-vivant, de quem sabe apreciar as coisas boas na vida. Os detalhes de luxo que exigem dinheiro, muita massa. Roupa e perfumes caros, restaurantes de cinco estrelas, residências faustosas, carros de luxo e uma arraia de seguidores que seguem em tournée para onde quer que eles se desloquem. A cultura de suavização do malfeitor, com terapeutas à mistura e actos de constrição religiosa, contribuíram para suavizar os contornos criminosos da sua actividade. Viramos a cara e não vemos o sangue. Damos a outra face. Os americanos terão sido os inventores dessa fórmula de aceitação social, estilizando a graça dos gatunos, hiperbolizando o seu lado alegadamente suave, atenuando as facadas e as chantagens à queima roupa. É pena que a vida não imite a ficção e que tenha servido para tentar ladrões de bairro que aspiram a voos mais altos. De Hollywood a Wall Street, de Bollywood a Felgueiras, a verdade é que uma geração inteira de Valentins e Fátimas quis experimentar essa vida glamour, de poder, de ostentação, de prestígio, mas felizmente para nós que os corruptos locais não passaram das marcas - violentas. Deixaram-se ficar pela prática insidiosa, mal feita ainda por cima. Mas, ironicamente, foram apanhados e não foram agarrados. Continuam por aí nas suas vidinhas de marisqueira e charuto. Pode parecer que não há relação de parentesco entre Sicília e Portimão, mas depende dos meios empregues. Nalguns casos recorreram ao calibre 38 e noutros ao carimbo para aprovar o licenciamento da obra, e a coisa ficou por aí. E é esse o perigo da cultura contemporânea. A estilização do crime. A transformação do ilícito em algo estético, quase próximo da alegada instalação artística de uma Joana Vasconcelos. A bala tornada bela. Estão a ver o fumo dessa miragem? Quando a mestria reside na alteração dos factos duros e na alteração das percepções, corremos o risco de miopia atroz, de não ver nada. São estes os tempos televisivos que também vivemos. De uma assentada transformamos em benfeitores prevaricadores. Subscrevemos na íntegra a relativização dos aspectos negativos das questões por forma a sermos condescendentes com as nossas próprias distorções. E na hora da morte e reposição na grelha televisiva, lá nos dobraremos em vénias. Na vida teremos de proceder de modo diverso. Esquecer por um instante o perdão, que não pode ser concedido e que nunca poderá ser merecido.

publicado às 10:45


1 comentário

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De Duarte Meira a 21.06.2013 às 22:55


« ...  a simpatia que nutrimos por várias gerações de mafiosos ... E é esse o perigo da cultura contemporânea ... »

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