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Foi em Janeiro deste ano que aqui denunciei o comportamento daquela que é, provavelmente, uma das menos transparentes instituições públicas nacionais, a Fundação para a Ciência e Tecnologia, que financia Bolsas de Doutoramento Individuais, e que me prejudicou deliberadamente no concurso de 2012. Cheguei, inclusive, a expor a situação em sede de audiência parlamentar concedida pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura da Assembleia da República. Na sequência desta, um grupo de deputados questionou a tutela sobre o funcionamento da FCT, especialmente no que concerne aos júris, cujos membros pouco ou nada variam entre os vários concursos anuais - o que acabou por se tornar um elemento central de uma gigantesca rede clientelar que, desde logo, permite colocar em causa a cientificidade de grande parte do que alegadamente passa por investigação científica em Portugal. Arrisco dizer que não haverá ninguém no meio académico português que não tenha conhecimento desta rede, de boa parte das pessoas que a compõem e de como ela controla a FCT e a distribuição de dinheiros públicos que é feita por esta. A resposta veio sob a forma de legalês e sem responder às perguntas que os deputados colocaram, mas teve como consequência uma atitude inédita por parte da FCT, a de convidar os membros da comunidade científica que desejem integrar os painéis de avaliação a manifestarem-se neste sentido - o que não deixa de ser curioso, para uma instituição que termina a missiva de resposta aos deputados informando que "Tem sido uma preocupação da FCT renovar periodicamente a composição dos painéis de avaliação."
Entretanto, acabei por submeter o pedido de recurso da avaliação, consciente não só do enviesamento que resulta do que denunciei, como do facto de a avaliação de 2 valores atribuída ao meu projecto de trabalhos ser manifestamente estapafúrdia, só podendo ter sido atribuída por quem tem uma grande cara de pau e julga poder gozar a seu bel-prazer com os candidatos a bolsas de doutoramento que não façam parte da rede clientelar com epicentro no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Recorde-se que, em 2012, foram atribuídas 12 bolsas. 9 a pessoas da FCSH, 1 do Politécnico de Bragança, 1 da Universidade do Minho e 1 que não consegui determinar. O júri foi composto por Marina Costa Lobo (Presidente, ICS), Nuno Severiano Teixeira (FCSH), Juan Pedro Mozzicafreddo (ISCTE), Luís Filipe Lobo-Fernandes (U. Minho), Conceição Pequito Teixeira (ISCSP), Carlos Jalali (U. Aveiro) e Carmen Isabel de Oliveira Amado Mendes (U. Coimbra). Não é despiciendo referir que Marina Costa Lobo é membro do júri desde 2007 e Nuno Severiano Teixeira desde 2010.
O meu pedido de recurso foi composto, essencialmente, pela exposição que fiz na Assembleia da República, pelas cartas de 3 professores, com destaque para as cartas do Professor José Adelino Maltez e da minha orientadora em Durham, e ainda pelo meu projecto reformulado tendo em vista as críticas tecidas na primeira avaliação, o que passou, portanto, pela reformulação dos objectivos e a inclusão da bibliografia completa. Em face deste pedido de recurso, que podem consultar aqui (apenas não se incluindo as referidas cartas de 3 professores), recebi hoje a resposta da FCT, que não respondendo a nada do que expus, informa num e-mail tipo circular que a decisão se mantém, e quando acedo à avaliação no próprio site deparo-me com esta magnífica, brilhante e densa justificação: "Não há alteração à avaliação atribuída inicialmente, uma vez que o júri identificou claramente os aspetos a aperfeiçoar no projeto de investigação."
O facto de estarmos a falar de uma fundação pública tutelada pelo Ministério da Educação e, portanto, com determinados deveres transversais à Administração Pública na forma como deve lidar com os particulares, mormente nas situações em que as decisões lhes são desfavoráveis, como decorre do dever de fundamentação consagrado no Código Administrativo, só torna ainda mais escabroso este comportamento kafkiano e faz qualquer um interrogar-se sobre como é possível que estes abusos de poder, desvios de fundos públicos, conflitos de interesses, ausência de respostas aos investigadores e gritante falta de fiscalização aconteçam num Estado de Direito.
Herculano talvez dissesse que isto dá vontade de morrer. A mim vai-me dando cada vez mais vontade de me exilar, mesmo que internamente. Mas por ora dá-me fundamentalmente vontade de enviar um recado à FCT, que tanto se tem entretido a visitar demoradamente este blog: sendo a minha vontade mandar-vos a vários sítios não muito simpáticos, o pudor e o decoro que vocês não têm, tenho eu a mais, pelo que sinto que mais importante, por mim e pelas pessoas que lutam pela produção cientifica em Portugal e que são vítimas da vossa negligente e corrupta actuação, é dizer-vos isto: tenham vergonha!
Leitura complementar: Denúncia Pública – Dinheiros públicos, favorecimentos e discriminação: a Fundação para a Ciência e Tecnologia; Associação Portuguesa de Sociologia perplexa com a Fundação para a Ciência e Tecnologia; Entrevista a Samuel de Paiva Pires (não editada); "O presente roubado por um futuro prometido"; Denúncia Pública sobre a Fundação para a Ciência e Tecnologia será relatada na Assembleia da República; É já esta Terça-feira; À procura de justiça; Exposição proferida hoje na Comissão de Educação, Ciência e Cultura da Assembleia da República; PSD e CDS questionam a Secretária de Estado da Ciência sobre o funcionamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia; Da série "Um país de coincidências"; Registo áudio da audiência parlamentar sobre a denúncia quanto ao funcionamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia.