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Em jeito de discordância

por João Pinto Bastos, em 24.07.13

Ao inverso do Samuel, não creio que tenha havido, na remodelação acordada entre Passos Coelho e Paulo Portas, um golpe de Estado constitucional. Em primeiro lugar, o PSD, contrariamente ao que tem sido veiculado nos media, continua a deter a maior fatia de influência nos destinos da governação. Basta pensar que os ministérios das Finanças, Negócios Estrangeiros, Justiça, Defesa, Administração Interna e Ambiente estão sob os comandos de militantes do maior partido da coligação. Ademais, Pedro Passos Coelho é o primeiro-ministro do Governo de Portugal. Bem sei que há por aí muita gente que, com o habitual engraçadismo, insinua que a chefia do Governo pertence ao líder do CDS, mas, até prova em contrário, Passos continua a liderar o executivo. Em segundo lugar, como já tive o ensejo de frisar noutros textos, a conduta de Paulo Portas, durante o espoletar e o subsequente desenrolar desta crise, não é de todo isenta de críticas, bem pelo contrário. Interna e externamente, permanecem algumas dúvidas sobre os verdadeiros motivos que levaram Portas a agir do modo como agiu. Porém, é relativamente simples de divisar as razões que levaram Portas a encostar Passos à parede. O contínuo e repetido desprezo do CDS pelo parceiro sénior da coligação, e a decepção com uma governação que, no essencial, foi totalmente inoperante na concretização das reformas com que o Estado português se comprometeu na feitura do programa de resgate, foram, em grande medida, os motivos que levaram Paulo Portas a agitar as águas mornas do consenso podre que vegetava em torno do Governo. Sem embargo, é difícil, ou quase impossível, negar o triste facto do calculismo partidário ter tido uma influência bastante ponderosa no desfecho desta crise. Ainda assim, o resultado final não é, a meu ver, criticável. Mais: parece-me um pouco excessivo falar-se em golpe de Estado constitucional. O CDS ganhou em lugares, posições e influência política, mas o PSD não saiu muito beliscado. Aliás, Passos, ao contrário do que muitos têm propalado, obteve uma grande vitória política: involucrou o parceiro político da coligação nas áreas-chave da governação, obstruindo, desse modo, a hipotética oposição que o CDS poderia protagonizar à efectivação de mais austeridade. Se isto é perder voz e apoios, bem, estamos absolutamente conversados. Paulo Portas terá, é certo, um papel reforçado no seio do Governo, coordenando a área económica. Para alguns, isto representa uma clara despromoção do PSD no seio da coligação. A interpretação é, em si, legítima, e justificada até, contudo, é forçoso ver que Paulo Portas tem um peso político próprio que lhe permitirá, se o desejar, levar a bom porto o programa de reformas negociado com a troika. Se será capaz ou não de concretizar a reforma do Estado, e a flexibilização das metas acordadas com os nossos credores, só o futuro o dirá. O exercício é de alto risco. Se Portas acertar, o CDS triunfará e capitalizará eleitoralmente os frutos da boa governação. Se Portas falhar, as perdas serão incomensuráveis. O que importa assegurar a breve trecho é que a estabilidade política, fortemente abalada nas últimas semanas, seja de novo uma realidade tangível. Com ou sem discordâncias, é imperioso que o programa de resgate seja integralmente cumprido, e que a reforma do Estado seja, finalmente, concretizada. Paulo Portas terá um papel essencial nesse processo. Basta que o queira. A história registará devidamente o seu empenho nestes sucessos.

publicado às 23:21


12 comentários

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De Francisco Arantes a 25.07.2013 às 00:40

Ha um facto que ainda nao vi ninguem a comentar e que afecta esta analise. E' que os dois ministros que sairam eram ambos independentes e apartidarios (vistos como "tecnicos" ate), enquanto que os tres que entraram sao personalidades fortes dos partidos da coligacao (excepto nas financas por razoes naturais). Nas financas temos agora uma ministra do PSD, na economia, CDS, no MNE apenas houve troca de cor e na criacao do Ambiente e Energia encontrou-se mais uma cadeira laranja. Antes tinhamos as financas, economia e ambiente com independentes, agora nao. Os dois partidos ganharam lugares com esta troca de cadeiras (mas porem nao sei se ganharam votos)...
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De Francisco a 25.07.2013 às 00:42

Nao concordo de todo com esta subida vertiginosa de Paulo Portas e nisso estou absolutamente de acordo com alguns comentadores de esquerda que afirmam que pode ate ser vista como um golpe anti-democratico. Mesmo em politica, ha que manter um pouco os pes assentes na terra. O CDS-PP tem um papel acima de tudo instrumental nesta coligacao. Um partido que apenas conseguiu captar 10% do total de votos das eleicoes legislativas simplesmente nao tem legitimidade para justificar este poder todo, simplesmente nao tem. Isto indica acima de tudo que existe uma predominancia de jogo politico interno e pouco respeito por regras democraticas. No fundo ninguem manda neste governo, para variar. A falta de lideranca cronica portuguesa ainda nos acompanha, e sempre temperada com uns quantos pseudos iluminados que andam para la aos saltinhos e aos abracos convictos que vao deixar a sua marca. Enfim, e um jogo muito rasteiro.
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De Francisco Arantes a 25.07.2013 às 01:06

A mim tambem me irritou este jogo do CDS 'a custa da estabilidade politica, no entanto, nao podemos confundir o valor que o CDS tem para o PSD (e para a estabilidade politica do pais ate) e a representacao que teve nas legislativas, os 10%. Esse numero nao entra aqui porque podiam ate ser 2%, que se fosse o que bastava para obter maioria absoluta na assembleia, o poder negocial era o mesmo. Nao estou a desculpar o CDS, acho que a tactica de negociacao e' muito baixa porque constroi o seu interesse 'as custas dos portugueses, mas e' bastante claro tudo o que aconteceu, nao acho que revele falta de lideranca (no sentido que nao haja uma estrategia, pelo menos) ou que ninguem mande. O CDS demonstrou e' que o seu valor na coligacao nao e' meramente instrumental, exactamente. Acho que tudo o que se passou foi bastante claro.
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De Francisco a 25.07.2013 às 01:35

Sim, mas este tipo de negociacoes a la 'golden share' nao devem, na minha opiniao, enformar o criterio de organizacao de um governo num estado democratico. Claro que o PSD precisa do CDS-PP, dai a razao da coligacao, mas na gestao interna do executivo, deve se ter em conta que Portugal ainda 'e regido por regras de democracia representativa. O PR nomeou o Passos Coelho como primeiro ministro para este construir um governo baseado nos resultadores eleitorais e nao apenas no jogo politico interno da coligacao. E uma posicao algo formalista, mas neste caso e fundamental que exista uma representacao o mais exacta no governo dos resultados eleitorais pois o contrario defrauda as expectativas dos eleitores. Nesse sentido, o Paulo Portas como vice primeiro ministro nao faz qualquer sentido. Portas conseguiu conquistar esse lugar recorrendo a taticas de terror, sequestrando um governo inteiro em troca de uma alavancagem a que democraticamente nao tem direito. Isto nao so releva principios eticos algo duvidos como confirma que o seu papel nao foi convenientemente esclarecido desde o primeiro dia por Passos Coelho, algo que um lider forte  faria imediamente. O CDS-PP ja teve bastante sorte de apanhar esta boleia para ir ao governo, que e no fundo a essencia desta coligacao. Nao e baseada no merito mas sim na simples existencia do partido. Espero nao estar a ser demasiado duro para o CDS-PP, mas simplesmente nao entendo nem aceito de bom grado esta alavancagem desprovida de fundamento que va para alem de uma simples negociata.
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De Francisco Arantes a 25.07.2013 às 01:58

Pois, eu percebo a tua posicao revoltada, a manutencao da representatividade e' uma regra de bom senso na fase em que estamos da historia do pais. O Paulo Portas deixou as suas prioridades bem definidas ao ser protagonista principal desta historia. Tambem me revolta o seu exemplo de uma completa falta de escrupulos em que explora um momento de fragilidade politica no pais para alavancar a posicao do CDS e a sua pessoal. Mas ele fez isso porque podia. Nesse sentido concordo com o post acima. O governo responde 'a assembleia da republica (esta e' que defende a representatividade), os partidos negoceiam e apresentam uma proposta de governo. Nao existe, como o post demonstra razoes suficientes para deixar de aceitar a remodelacao, da parte do PR.
E depois, eu nao acho que o CDS nao seja um partido qualquer. Prova disso e' que o PSD podia ter convidado um dos outros partidos a coligar-se e nao fez. A sua presenca na coligacao nao e' baseada "na simples existencia do partido", essa e' a defesa que o Portas vende, para quem quiser comprar. As intencoes de voto do CDS/Portas julgarao isso.
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De José R a 25.07.2013 às 00:52

Concordo plenamente com a análise feita  pelo Francisco.
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De Anónimo a 25.07.2013 às 01:17


"O que importa assegurar a breve trecho é que a estabilidade política, fortemente abalada nas últimas semanas, seja de novo uma realidade tangível. Com ou sem discordâncias, é imperioso que o programa de resgate seja integralmente cumprido." Como vai ser possível cumprir o programa  de resgate sem economia? Cumpre-se o programa com cortes de pensões,reformas,salários, despedimentos, mobilidades etc,etc. Como pode crescer a economia sem poder de compra? Os empresários vão aumentar as produções ou fazer novas empresas para vender a quem? Haja lucidez e humanismo. Enquanto não houver poder de compra jamais a economia ressuscitará e a continuar com as mesmas regras só afundarão mais o país. 
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De Equipa SAPO a 25.07.2013 às 09:15

Bom dia,
este post está em destaque na área de Opinião do SAPO.
Cumprimentos,
Ana Barrela - Portal SAPO
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De João Pinto Bastos a 25.07.2013 às 20:48

Boa noite, 
Agradeço a deferência.
Cumprimentos, João Pinto Bastos
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De Lionheart a 25.07.2013 às 11:47

A obsessão com o Paulo Portas já ENJOA! Há dois anos as críticas centravam-se em que o CDS tinha sido poupado às pastas mais polémicas e que por isso estava com um pé dentro e com um pé fora do governo. Agora é porque tem poder a mais, por ter tido só 11% dos votos. Mas são esses votos que dão ao governo maioria absoluta e sem maioria absoluta NÃO HÁ governo. Além disso é perfeitamente legítimo esse partido querer ter um papel mais influente no governo, porque a maximização do poder faz parte da estratégia de qualquer força partidária. Mas pelos vistos só alguns são diabolizados por isso.

No fundo, toda esta obsessão reflecte invejas e questões pessoais. E depois há a esquerdalhada que não gosta de ver a direita no poder. Para eles o regime nunca devia permitir um partido como o CDS/PP no poder. Não há pachorra. Deve ser um "petisco" tão grande estar no governo neste momento, em especial para fazer a reforma do Estado e negociar com a "troika", que eu nem sei como não apareceram mais voluntários para estas funções... Descansem que se as coisas correrem mal, vão ter muito que "cascar". E o país terá a perspectiva "maravilhosa" de voltar a ter os "xuxas" no poder. Que "bom".
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De Pedro a 25.07.2013 às 12:21


A história registará devidamente o seu empenho  em tudo que fez e está a fazer. É que é tudo tão mau que é mau de mais para ser verdade. Mas é real e bem real.
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De ernestosenra a 25.07.2013 às 12:54

Já me dói a barriga de tanto rir.
Podiam abrir a janelas pelo menos uma vez por semana, pois sempre que passo por aqui sinto o cheiro da nafetalina.     

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