Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Ao inverso do Samuel, não creio que tenha havido, na remodelação acordada entre Passos Coelho e Paulo Portas, um golpe de Estado constitucional. Em primeiro lugar, o PSD, contrariamente ao que tem sido veiculado nos media, continua a deter a maior fatia de influência nos destinos da governação. Basta pensar que os ministérios das Finanças, Negócios Estrangeiros, Justiça, Defesa, Administração Interna e Ambiente estão sob os comandos de militantes do maior partido da coligação. Ademais, Pedro Passos Coelho é o primeiro-ministro do Governo de Portugal. Bem sei que há por aí muita gente que, com o habitual engraçadismo, insinua que a chefia do Governo pertence ao líder do CDS, mas, até prova em contrário, Passos continua a liderar o executivo. Em segundo lugar, como já tive o ensejo de frisar noutros textos, a conduta de Paulo Portas, durante o espoletar e o subsequente desenrolar desta crise, não é de todo isenta de críticas, bem pelo contrário. Interna e externamente, permanecem algumas dúvidas sobre os verdadeiros motivos que levaram Portas a agir do modo como agiu. Porém, é relativamente simples de divisar as razões que levaram Portas a encostar Passos à parede. O contínuo e repetido desprezo do CDS pelo parceiro sénior da coligação, e a decepção com uma governação que, no essencial, foi totalmente inoperante na concretização das reformas com que o Estado português se comprometeu na feitura do programa de resgate, foram, em grande medida, os motivos que levaram Paulo Portas a agitar as águas mornas do consenso podre que vegetava em torno do Governo. Sem embargo, é difícil, ou quase impossível, negar o triste facto do calculismo partidário ter tido uma influência bastante ponderosa no desfecho desta crise. Ainda assim, o resultado final não é, a meu ver, criticável. Mais: parece-me um pouco excessivo falar-se em golpe de Estado constitucional. O CDS ganhou em lugares, posições e influência política, mas o PSD não saiu muito beliscado. Aliás, Passos, ao contrário do que muitos têm propalado, obteve uma grande vitória política: involucrou o parceiro político da coligação nas áreas-chave da governação, obstruindo, desse modo, a hipotética oposição que o CDS poderia protagonizar à efectivação de mais austeridade. Se isto é perder voz e apoios, bem, estamos absolutamente conversados. Paulo Portas terá, é certo, um papel reforçado no seio do Governo, coordenando a área económica. Para alguns, isto representa uma clara despromoção do PSD no seio da coligação. A interpretação é, em si, legítima, e justificada até, contudo, é forçoso ver que Paulo Portas tem um peso político próprio que lhe permitirá, se o desejar, levar a bom porto o programa de reformas negociado com a troika. Se será capaz ou não de concretizar a reforma do Estado, e a flexibilização das metas acordadas com os nossos credores, só o futuro o dirá. O exercício é de alto risco. Se Portas acertar, o CDS triunfará e capitalizará eleitoralmente os frutos da boa governação. Se Portas falhar, as perdas serão incomensuráveis. O que importa assegurar a breve trecho é que a estabilidade política, fortemente abalada nas últimas semanas, seja de novo uma realidade tangível. Com ou sem discordâncias, é imperioso que o programa de resgate seja integralmente cumprido, e que a reforma do Estado seja, finalmente, concretizada. Paulo Portas terá um papel essencial nesse processo. Basta que o queira. A história registará devidamente o seu empenho nestes sucessos.