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Nos últimos quinze anos visitei a Áustria perto de vinte vezes. Não fui na qualidade de turista nem na condição de cidadão. Desloquei-me de acordo com o meu perfil híbrido, remexido pelo pulsar de múltiplas culturas e nações que residem no meu espírito. Pratico uma modalidade de abnegação patriótica - uma disciplina crítica que não coloca nenhum país num pedestal de superioridade. As idiossincrasias nacionais funcionam como uma impressão digital - não há forma de se lhes escapar. As coisas boas e más estão presentes nos quatro cantos cardinais, nas penínsulas e nas centralidades continentais. Nesta minha derradeira deslocação, viajei do reino da Austeridade para um país que já viveu essa experiência no pós-segunda Grande Guerra, mas, que por força do destino económico e social do presente, deixou cair o termo do seu léxico quotidiano, com todas as conotações nefastas a ela associada. A Áustria não tem noção do drama do sul da Europa. No desconcerto das nações europeias, a Áustria permanece na sua ilha de contentamento e esplendor. A sua taxa de desemprego ronda os 4% e a sua posição geo-económica significa que mantém intensas trocas comerciais com os países fronteiriços - uma boa meia dúzia de vizinhos. Como é natural nunca deixei de comparar realidades, com o intuito de tentar perceber as razões dos sucessos e descalabros. Em duas semanas de estadia em Graz (considerada a cidade do mundo com melhor qualidade de vida), vi menos Mercedes, Audis e BMWs por alcatrão quadrado do que em Portugal. Não escutei buzinas, e no centro da cidade 30km/h são 30km/h (poupa-se combustível, nervos e acidentes). Estacionar no centro da cidade implica preços proibitivos - paguei por um devaneio de 6 horas 40 euros! Mas tudo isto tem um custo. A Áustria por viver no auge do conforto e segurança económica e social (por exemplo, o subsídio por filho chega aos €400 mensais até aos quatro anos de idade para estimular a taxa de natalidade) desligou o motor de reflexão sobre os problemas dos outros. O extinto império Austríaco viu nascer tantas escolas de excelência, que facilmente o país vive a plenitude dessa falsa autosuficiência intelectual e cultural. A escola Austríaca de economia moldou tantas outras como a de Chicago ou a de Londres; a psicanalise fundada na persona de Freud e companhia também concedeu essa ilusão de vantagem. E não esqueçamos que a Áustria conseguiu convencer o mundo inteiro que Hitler era Alemão e Beethoven Austríaco, este último reunido com os grandes Haydn ou Mozart. Mas também não devemos omitir que Simon Wiesenthal - o caça nazis -, tinha a sua sede de operações em Viena. Ou seja, a noção de que há uma responsabilidade histórica paira no ar, e, condiciona, se não todos os cidadãos, pelos menos alguns pensadores maiores, incomodados pelas acções colectivas e os desígnios da nação. Thomas Bernard mais antigo e Robert Menasse do nosso tempo, para citar dois exemplos de pensadores irrequietos com a sua identidade. Todos os países vivem o movimento pendular das suas acções - um relógio que obedece a lógicas de paragens e continuidades que obriga os países a reverem a sua condição. Portugal, distante que está da Áustria, partilha algumas particularidades excêntricas. O domínio da língua falada e escrita parece obedecer a uma matriz semelhante de relacionamento ou paternidade. A Áustria está para a Alemanha como o Brasil está para Portugal. Partilham a mesma árvore linguística, mas os desvios no modo de expressar acontecem, num caso, de um modo natural, e noutro, de acordo com uma certa resistência nacionalista. A Alemanha não se sente ameaçada pelo vizinho do lado que usa uma palavra distinta para batata. São estes detalhes que ajudam a formar uma imagem incompleta das terras e das suas gentes. Ao fim de duas semanas, ou de uma vida, não podemos cair na tentação da redução simplista, do certo ou errado, do bom ou o mau. Os vinhos tintos da Áustria não aquecem a alma como os Portugueses, mas os brancos são excepcionais. Não menciono a qualidade do azeite - este vem da Grécia e não se compara ao trago nacional, profundo e perfumado. Faz bem sair para regressar e tornar a partir. Portugal dá luta e isso não deve ser menosprezado.
Não conheço a Áustria tão bem como o autor parece conhecer. Ainda assim já lá fui algumas vezes, e o fresco q o autor nos pinta cruza, sem dúvida, com algumas impressões com que eu próprio fiquei dos meu passeios. Mas confesso que, quer na Áustria quer na Alemanha, mais de uma vez me senti - como dizer - observado, por não ser "aparentemente germânico" . Mais de uma vez me chegaram aos ouvidos comentários do género "mas deixam entrar tantas cabeças negras", ou "tantas cabeças negras juntas" e coisas do género que apenas o meu desconhecimento do alemão me impediram de registar (estes foram traduzidos por amigos mais conhecedores da língua nativa). Tem o autor conhecimento de exemplos destes? Tem o autor conhecimento desses sentimentos austríacos, ou fui eu um azarado que teve a infelicidade de "dar de frente" com exceções que confirmam a regra?