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A proximidade física e afectiva dos militantes em campanha é uma coisa assustadora. Os afectos levados a este extremo são uma hipocrisia. Findo o período de propaganda acaba-se a intimidade, a possibilidade de esfregar na cara do proponente reclamações ou considerações de outra ordem. Deixa de haver a mercearia de esquina onde tal possa acontecer, para incómodo ou não do candidato. O político sai à rua, distribui panfletos, beijinhos e abraços, e passadas algumas semanas deixa cair por terra o papel representado com tanta arte. Mas convém analisar outros contornos da relação hierárquica em Portugal. Passemos às empresas, que à semelhança da sociedade, se organizam em torno da hierarquia de comando. Não conheço estórias de meros operários que tiveram a possibilidade de partilhar o que lhes ia na alma com o CEO ou o presidente do conselho de administração. Experimente, à laia de curioso, bater à porta de dirigentes de empresas. Na maior parte dos casos nem sequer lhe abrem a porta ou respondem a um pedido especial entregue pelo carteiro. Esta ilusão de amor pelo próximo que emana do sovaco autarqueiro colide com a prática quotidiana durante o resto do mandato. A excessiva estratificação profissional de Portugal, que seguiu o modelo da ordem social, também é um dos anticorpos do crescimento económico e social do país. Enquanto o pequeno laboreiro não puder dialogar com o patrão e oferecer soluções ou reclamações o país ficará preso à formalidade fechada e retrógrada. A alteração do quadro mental e do sistema operativo das empresas tem de acontecer com urgência. A excessiva verticalidade do poder em Portugal tem minado o fluxo de propostas e respostas. Os portugueses ora olham para cima ora olham para baixo, mas raramente para os lados, para o companheiro de missão. O espírito de equivalência ainda não eclodiu no organigrama político, económico e social do país. Enquanto não se incutir na sociedade um sentido de apreço pelo próximo, na prossecução das suas tarefas maiores ou menores, Portugal eternizará noções corporativas que tanto mal fazem à nação. Os eleitores, decisivamente não são elefantes. As promessas feitas no calor da campanha são esquecidas rapidamente. Tomara que todos eles, que correm pelas estradas de Portugal, fossem tão promíscuos e compreensivos nas horas difíceis. Quando o alcatrão novo assentar, já eles estarão na pré-reforma ou a caminho de um outro freguês carente, disponível.