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David Cameron tem dito que a livre circulação de pessoas na União Europeia tem de ter mais restrições. Esta coisa das pessoas poderem ir procurar trabalho onde bem quiserem é uma chatice, e na verdade, esconde um desejo de social benefits shopping. Ainda por cima!, diz Cameron, dia 1 de Janeiro é a data em que as restrições à liberdade de movimento de romenos e búlgaros acabam! Vai ser um desastre para a Grã-Bretanha, com milhões dessa gente de Leste a vir só para obter benefícios sociais! O que vale é que as eleições não estão muito longínquas e uma boa dose de populismo ao estilo do The Sun nunca magoou ninguém, não é? E de desinformação também. É pura e simplesmente mentira que i) uma pessoa tenha automaticamente direitos a prestações sociais só por estar noutro Estado Membro, existem condições muito estritas para evitar que a pessoa se torne um fardo na segurança social do país de acolhimento (é mesmo esse o termo usado na Directiva); ii) que as que têm, é porque já trabalharam e perderam o emprego, e seria um bocado chato que, simplesmente por se perder um emprego, ser-se deportado automaticamente (aliás, porque vivendo no país, a pessoa paga impostos, pelo trabalho, IVA, etc.), e mesmo essas estão sujeitas a condições que as impedem de ficar indefinitivamente a chupar recursos. A isto há que fazer considerações de duas ordens - moral e económica.
- As fronteiras são limites artificiais que não devem impedir ou dificultar as pessoas de se movimentarem e se eu quero ir trabalhar para outro sítio, qual o moral ground para me rejeitarem? É isso uma das coisas que mais admiro na União Europeia e bem sei que é cliché, mas o simples facto de se abolirem estas barreiras artificiais é notável e um achievement político sem precedentes.
- A economia do Reino Unido beneficia grandemente da livre circulação de pessoas (e também de bens, capitais e serviços, liberdades das quais o RU sempre foi grande defensor) e poucos jornais são lúcidos o suficiente para perceber isso (Financial Times e The Guardian, compare-se os standards de jornalismo com o The Sun). Eu não sou economista, mas estimo que, se o Reino Unido saísse da União Europeia, a curto e a médio prazo, a economia britânica perderia imenso.
É triste ver a Grã-Bretanha, um país historicamente aberto ao comércio, um chamariz para as pessoas virem trabalhar e escaparem a sistemas mais opressivos e burocráticos noutros países da Europa, um país cuja grandeza residiu sempre na sua abertura e relativa tolerância, vá por este caminho populista. Já não é Grã-Bretanha, é uma Pequena Bretanha, que ameaça isolar-se da Europa, o seu maior mercado de exportações de bens e serviços e uma fonte de trabalhadores, nomeadamente altamente qualificados. Um país multicultural, mas que cada vez tem mais medo doutras culturas. É triste que o modelo histórico de democracia parlamentar para o resto da Europa recorra a este tipo de discurso, é triste que os Liberais, parceiros de coligação, se submetam aos Conservadores neste aspecto, e é triste que os Conservadores, antes dos maiores defensores da participação do RU na então Comunidade Europeia (em contraste com os Trabalhistas, com um discurso proteccionista de 'os empregos dos operários britânicos vão ser roubados por trabalhadores do resto da Europa' e as 'empresas britâncias vão ter concorrentes fortes'), recorram a esta via populista e proteccionista enquanto se vêem como defensores do comércio livre e sem fronteiras. É triste. Infelizmente, a imprensa continua a desinformar a população, dizendo que, por exemplo, basta uma pessoa mudar-se para o Reino Unido para ter logo subsídio de desemprego, o que é mentira, pura e simples. Se calhar o cenário duma saída até se vai concretizar, mas vai ser um desastre, tanto para o Reino Unido como para o resto da Europa.
A comissária luxemburguesa Viviane Reding sumariza muito bem isto num belo vídeo.