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Este é um daqueles casos em que está em causa a própria segurança do Estado como entidade soberana, independente. Disto têm andado as Forças Armadas distraídas, sendo incapazes de defender um sector que ao longo da nossa história foi capaz de ser determinante para a garantia da independência nacional. O que Portugal foi capaz de realizar em 1807-08, seria agora totalmente impossível. Não valerá a pena explicarmos porquê, pois é óbvio.
Oriunda de uma empresa fundada em 1944, a lista de navios construídos antes da apressada "nacionalização" de 1975 é impressionante. Os ENVC foram capazes de dotar o país de uma frota pesqueira que não foi renovada porque a gente do regime da 3ª república não quis. E esse não querer deveu-se a múltiplos factores, entre os quais avultam os desastrosos acordos assinados com a CEE - a Espanha também os assinou e a sua frota pesqueira é o que se sabe -, a mudança de paradigma dos tempos yuppeiros do sr. Cavaco Silva - até hoje prosseguida sem excepção por todos os governos subsequentes - e pior ainda, o acirrar da mentalidade pequeno-burgesa dos servicinhos ao telefone, naquela altura também por telex e hoje através de e-mail.
Portugal não possui cargueiros que nos tragam aquilo que importamos e que daqui façam partir o que produzimos. Portugal já não possui uma frota pesqueira que de longe sequer se possa comparar àquela que um dia se chamou de Frota Branca. Não temos paquetes que explorem as potencialidades do turismo que é um dos tais "desígnios" de recurso discursivo, nem embarcações, nem pescadores, nem unidades produtoras de conservas que levem o nosso nome ao resto do mundo, aquela imensidão de latas ben recheadas que durante a II Guerra Mundial mataram a fome a milhões de civis e militares de ambas as alianças em conflito. Encerra-se assim uma história com perto de oitocentos anos de actividade marítima.
Aqui está mais um dos furúnculos inoculados pela União Europeia. Destroem deliberadamente as nossas capacidades técnicas para que outros possam beneficiar de maiores quotas de mercado. É simples e inegável.
Portugal, reduzido à condição de uma Europe's West Coast teoricamente soberana sobre uma imensa parcela marítima cobiçada por estrangeiros - o Europe's West Sea -, não constrói os navios necessários ao controlo dessa "ZEE" e deitou a perder uma ainda recente oportunidade de redinamização da indústria naval militar. Portugal nem sequer olha para as ruínas da Lisnave e da Setenave, outrora polos de desenvolvimento, obtenção de conhecimento e concentração de emprego e riqueza. É certo que os acontecimentos despoletados após 1974 foram decisivos para o arruinar de um projecto nacional sumamente ambicioso, a isto acrescentando-se as dificuldades do mercado mundial, por sinal hoje com algumas perspectivas neste sector. Se já nem sequer podemos contar com uma siderurgia que forneça o metal, quanto mais...
* Nada disto invalida algumas das razões pelas quais se chegou a este estado: as greves políticas das corporações envolvidas neste sector, os atrasos deliberados ou não na entrega de embarcações e os consequentes prejuízos acumulados, a incompetência de sucessivas gestões encartadas pelo esquema vigente, a chantagem síndico-política oriunda dos mesmos círculos de sempre, eis o quadro geral que propicia epílogos deste tipo. É o sistema no seu todo que está em causa. Sem resolvermos o problema político - de nada interessando o que o PS, PSD, CDS ou PC tenham para dizer -, pouco ou nada poderá ser feito. Este é mais um caso que as Forças Armadas terão de considerar, agrade-lhes ou não o problema pelo qual, aliás, também são responsáveis.