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Muitos fervorosos ideólogos seguidores de um qualquer livro de princípios doutrinários que se lhes afiguram quase redentores, ou seja, socorrendo-me de Oakeshott, gente desprovida de educação para o exercício do poder e de intelecto e subtileza para entender a política como uma conversação, afinando pelo diapasão do dogmatismo ideológico, têm, naturalmente, dificuldade - chamemos-lhe assim, para sermos simpáticos - em lidar com a diferença e com opiniões divergentes. Isto tanto ocorre à esquerda, como à direita. Não admira, por isso, que o mais das vezes procurem contrariar opiniões e posições contrárias às suas quase exclusivamente por meio de ataques ad hominem, ou que, quando falamos de grupos, procurem realizar purgas e saneamentos.
Parece-me que, na base deste tipo de atitude, está também uma certa preguiça mental e intelectual, que nem cura de ser coerente. Por isso, em vez de se atacar Mário Soares pelas suas ideias, ataca-se pela sua idade, ao mesmo tempo que se enaltece a idade de Adriano Moreira, mesmo quando este toma posições mais próximas de Soares do que dos seus partidários; em vez de se criticar as ideias liberais, ataca-se os liberais apenas porque são liberais - e, como se sabe, o mesmo é dizer neoliberais e, logo, fascistas, plutocratas e afins epítetos -, da mesma forma que em vez de se criticar as ideias comunistas, ataca-se os comunistas apenas porque são comunistas ou os conservadores apenas porque são conservadores; ou, numa modalidade que é cada vez mais um desporto nacional, ataca-se Pacheco Pereira apenas porque é Pacheco, não curando sequer de procurar refutar as suas opiniões.
Acresce ainda a este fanatismo a crendice nas ideias do sector ideológico a que se pertence, encaradas como se fossem os Dez Mandamentos que conduzirão à salvação ou à felicidade eterna. No fundo, temos um espaço público composto por barricadas ideológicas e/ou sociológicas de ardentes militantes que nao só não conseguem discutir com aqueles de quem discordam, como não conseguem sequer sair da sua zona de conforto ideológico ou doutrinário. O mesmo é dizer que a política se assemelha cada vez mais ao futebol. E é por isso que, como escrevi há tempos, cada vez menos creio naquela muy liberal ideia de que a razão nasce da discussão. Do debate num espaço público caracterizado pela cacofonia, onde a discussão é quase sempre dominada por surdos que sofrem de hemiplegia moral, nas palavras de Ortega y Gasset, aos gritos uns com os outros, não pode surgir razão alguma.