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...vou-me dar ao luxo de escrever este post. Já estou um pouco cansado de dois tipos de programas na televisão portuguesa, aos quais evidentemente não assisto, mas cuja existência me exaspera. Em primeiro lugar, aquelas tertúlias de mal dizentes que integram os programas da manhã e da tarde onde se dedicam a perorar acerca da vida de terceiros, porque como bom liberal individualista acho completamente ridícula tamanha exposição pública dos alegados vips e, pior ainda, a desfaçatez com que outros se prestam a comentar de forma moralista e/ou insinuante sobre as vidas desses. É nojento, no mínimo.
Em segundo lugar, e o que ocupará o resto deste post, aquela novela terceiro mundista e de baixo nível intitulada Morangos com Açúcar, porque de cada vez que faço zapping, ou quando em casa de alguém que assiste a tal fenómeno de embrutecimento do espírito, entre as 7 e as 8 da noite, hora de refeição em muitos lares portugueses, normalmente deparo-me com alguma cena de sexo implícito, parecendo-me até que por ora grande parte do enredo, se é que se pode dizer que aquilo tenha algum enredo, roda à volta de sexo e da imagem social. Quando assisto por breves minutos aos diálogos e às mensagens que são passadas nesta série quase corro imediatamente a ler um livro para recuperar da abrupta estupidificação sofrida.
Chamem-me conservador, dentro do quadro maior liberal em que ainda julgo inserir-me, mas se alguns poderão arguir que cabe aos pais impedir que os filhos, especialmente crianças e adolescentes, assistam a este tipo de programas (refiro-me agora apenas aos Morangos com Açúcar), a mim parece-me que ao Estado português que frequentemente intervém em tantas áreas onde não devia, caberia a principal responsabilidade de definir o tipo de conteúdos adequados aos diversos horários no que aos canais de televisão de sinal aberto diz respeito, ainda que sejam de índole privada.
Estou longe de ser um moralista, muito pelo contrário, abomino moralismos que normalmente me soam a falsidade, mas acho que este tipo de programas passam uma mensagem completamente distorcida da realidade, para além de me parecer que os produtores padecem da falta de uma dose de bom senso, especialmente tendo em consideração a exposição a que as crianças estão sujeitas às horas de emissão da série.
É óbvio que nos dias que correm as crianças têm acesso a tudo e mais alguma coisa, seja pela televisão, revistas, livros, internet. Já há 10 anos atrás, quando eu tinha 11 anos, tinha acesso a imensa informação principalmente através da internet, que na altura ainda muito pouca gente tinha. Ainda para mais se tiverem acesso a algum serviço de tv por cabo ou satélite, facilmente acederão por exemplo a pornografia gratuitamente, tal como através da internet. Mas esses são serviços pagos, não são serviços públicos como as televisões de sinal aberto, repito, ainda que privadas, se prestam a ser, que desempenham um grande papel de influência em muitas mentes ainda em processo de formação pessoal e social.
É que para mim a democracia, especialmente se aliada ao conceito liberal como será normal nos países ditos Ocidentais, traz consigo um conceito muito mais importante, o da responsabilidade. E actualmente parece que muitos acham que podem fazer o que lhes apetece impunemente, ninguém se dá sequer como responsável pelos seus próprios actos, e muitos dos que deveriam dar exemplos de responsabilidade preferem demitir-se dessa, sem que sejam extraídas consequências das suas acções ou omissões.
A democracia e o liberalismo não implicam a selvajaria e a desresponsabilização, muito pelo contrário, implicam sim que cada qual seja responsável perante os outros e que haja um mínimo de regras básicas de coexistência em sociedade, os tais referenciais ou quadros de valores que muitos dizem que o liberalismo não tem, esquecendo-se da ética protestante ou daqueles para quem o catolicismo não tem qualquer incompatibilidade com o liberalismo, ou ainda os que preferem um conjunto de regras baseado em valores inscritos num qualquer contrato social que podem nem estar necessariamente relacionados com qualquer ética religiosa.
Infelizmente vivemos num regime dominado pela ditadura intelectual e cultural da esquerda, onde muitos ainda acham que o 25 de Abril foi feito para sermos todos absolutamente livres ao ponto de fazermos o que nos dá na real gana, numa espécie de analogia ao rousseauniano bom selvagem, ao passo que simultaneamente temos vindo a deixar na gaveta aquele príncipio geral do direito e do próprio liberalismo de que a nossa liberdade acaba onde começa a dos outros.
E felizmente eu ainda tenho a liberdade de não ter que assistir a cenas de sexo implícito ou afins quando estou a jantar. Já que uns se demitem da responsabilidade que naturalmente lhes cabe a montante, outros têm por obrigação que a assumir a jusante, depois de verem a sua liberdade devidamente violada pelo excesso de liberdade dos outros. Mas quantos, especialmente os que são pais, estão dispostos a fazê-lo, ou se preocupam sequer? Pensem agora nas gerações que aí vêm, a mim já me vão "preocupando", os que têm menos 2,3,4 anos que eu, uma imensidão de gente preocupada exclusivamente com a imagem e possuindo principalmente uma visão distorcida acerca das relações sexuais que este tipo de programas lhes tem vindo a transmitir.