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O Papa Bento XVI e o discurso contra a plutocracia

por Nuno Castelo-Branco, em 15.09.08

 

Desde que deixei de pertencer ao grupo coral da igreja de Santo António da Polana (Lourenço Marques, Moçambique), raras foram as vezes em que presenciei à celebração de uma missa. Respeitando a Igreja e as suas tradições como é normal em qualquer português consciente do importantíssimo papel por ela desempenhado durante os séculos da formação da nossa nacionalidade, confesso não ter sido bafejado pelo sopro redentor da Fé. Talvez por ignorância ou atávica preguiça, os textos sagrados foram lidos como curiosidades filosóficas, histórias exemplares para a formação da conduta da res publica, ou no pior dos casos, como frutos da superstição necessária que consolidou gentes esparsas num mundo que já foi muito maior.

 

O discurso pronunciado por Bento XVI em França, carece de cuidadosa atenção. No país de todos os laicismos e de todas as superstições iluministas, o Papa procedeu a um violento e implacável ataque a este novo capitalismo dos nossos dias que parece ameaçar a própria existência da até agora vitoriosa civilização ocidental liberal. Este chamado capitalismo que desde os anos oitenta do século XX foi sendo crismado consoante o surgimento deste ou daquele grupo de manipuladores do sistema, é um perfeito mas odiado desconhecido. Não se lhe reconhecem quaisquer regras nem limites. Não é um capitalismo quantificável em obras, nem materializável em metal sonante. É uma simples e quimérica abstracção de números e de equações ou teoremas, quantas vezes imaginários, mas  que controlam efectivamente a vida de todos, desde o mais ignoto habitante da Matabelalândia, até ao refastelado accionista do NASDAQ novaiorquino.  Longe vão os tempos dos empreendedores florentinos que se alçaram à categoria principesca pelo patrocínio do Renascimento, pela criação material que fez o mundo ocidental saltar etapas e libertar-se da tacanhez territorial de uma Europa fria, pobre, suja, feudal e sem reminiscências daquele luxo oriental que auferira durante dois milénios. Já não existem Médicis, nem Függers e no horizonte, erguem-se os guindastes que possibilitam a construção de novos polos económicos que nada têm que ver com a produção de novidades, a promoção de postos de trabalho que tranquilizam a sociedade, ou pelo menos, que se destinem a embelezar a vida dos centros urbanos. Estas provisórias torres de aço, gigantescos Meccano que parodiam aquele famoso guindaste medieval que durante séculos foi erguendo a Catedral de Colónia, servem apenas a mera especulação. Constroem casas de minguada dimensão, sem real valor de investimento e que se inserem naquilo que o medo incutido pela insegurança, habilmente designa por condomínio. É este mundo de medo e de condomínios que arruina a segurança física e mental de todos. Medo do vizinho que menos pode, medo do estrangeiro que connosco se cruza na rua sem em nós sequer reparar, medo do continente mais a sul, mais a leste ou a  ocidente, onde se trabalha para uma improvável perdição dos nossos. 

 

O simples exercício de um quarto de hora de zapping televisivo, demonstra-nos a fragilidade de todo um sistema perfeitamente virtual e logicamente dispensável. Uma breve visita ao canal Bloomberg ou à CNBC,  consiste num quase paranóico exercício de masoquismo, pois a linguagem cifrada da especulação mais chã e despudorada, evidencia-se na interminável passagem de cifras, siglas, onde uma multiplicidade de termos ininteligíveis procuram conformar aquilo que para a quase totalidade dos cidadãos é absolutamente inexplicável. Consiste num mundo de fantasia alicerçada no éter das suposições de uma economia que não encontra correspondência material na realidade visível. Os serviços - ou aquilo que se imagina existir como tal -, ocupam plenamente o espaço outrora reservado aos golpes de génio de cientistas e estudiosos que mediante aturado labor, nos deram mais tempo de vida, conforto e democracia no consumo acessível para aqueles que jamais conheceram algo mais que a miserável farpela que os protegia do frio, ou a malga de sopa e o bocado de pão que enganava a fome. Longe vão os tempos dos titãs da indústria e da finança. Onde estão os Krupp, os Thyssen, os Vanderbilt, Hearst ou Citroën? Onde param as portentosas realizações sociais daquelas empresas que dentro dos seus muros incluiam creches, hospitais, escolas técnicas, primárias e laboratórios de pesquisa onde o mais humilde podia ambicionar a glória da ascensão pela simples manifestação do talento? Onde estão os herdeiros dos Luíses XIV ou Joões V que  imortalizaram na pedra os sonhos de grandeza e nos proporcionam aquilo que orgulhosamente exibimos como a nossa cultura? Onde estão aqueles Alfredos da Silva que construíram impérios, arrancaram milhares à gleba ancestral e impeliram ao estudo várias gerações que nos deram o mundo moderno de que desfrutamos despreocupadamente e de forma tão ingrata?

 

Este capitalismo dos nossos dias, não é o capitalismo do conceito que aprendemos e que muitos até reprovaram de forma violenta, acabando-o até por copiá-lo travestido de estatismo. É algo de profundamente nefasto, mesquinho e brutal no seu apetite de exploração. Trata-se de uma manipulação iconoclasta que não conhece nações nem fronteiras, que não respeita homens ou locais de trabalho e que para cúmulo da nossa previsível infelicidade, abre de par em par as até agora bem aferrolhadas portas do nosso mundo, possibilitando o ímpeto oportunista de novos comunismos ou aventureiros de ocasião, desta vez providos do ensinamento da História e dos impiedosos recursos tecnológicos que farão sentir o esmagador peso de uma inaudita opressão. É isto o que o futuro parece reservar à totalidade das nações e países, mas teremos ainda a possibilidade de o esconjurar?

publicado às 16:28


4 comentários

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De João Mattos e Silva a 15.09.2008 às 17:27

Oh! Nuno, que bem que escreves! Até me faz inveja...
E concordo cem por cento contigo nesta excelente análise.
Um abraço
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De JNAS a 16.09.2008 às 12:10

...
Fiquei impressionadíssimo com este acutilante e lúcido raio X dos tempos que correm. Só faltou derivar para o absurdo capitalismo à Chinesa que enquanto faz chop suey das mais elementares liberdades vai produzindo em massa os tennis trendy da estação com o logo da Nike. Escreve quase tão bem quanto o seu irmão Miguel...o que atento o termo de comparação com uma das melhores penas de Portugal é um portentoso elogio.
João Nuno Almeida e Sousa
www.ilhas.blogspot.com
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De Nuno Castelo-Branco a 16.09.2008 às 14:10

Obrigado, mas até o quase peca por excesso. Não há comparação possível e digo-o sem falsa modéstia.
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De Pedro Oliveira a 17.09.2008 às 17:01

Segui o seu conselho e ainda bem.
É como escreve e o pior é que não vemos solução para esta situação.Faz-me muita confusão de onde vêm tantos mil milhões de euros para tapar buracos negros de empresas mal geridas e que ninguém detecta a tempo(empréstimo à AIG de 85 mil milhões!!!)e depois,siga para bingo para mais uma rodada. As "injecções" de capital sucessivas dá a entender que é tudo é virtula.Será?

Obrigado pela visita e elogio, se pretender ver o nosso histórico, ir ao histórico na coluna da direita ou ir a vilaforte.blog.com . Mudámos de "casa" ontem.
abr

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