Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Aviso à navegação: não percebo nada de economia. Tudo o que eu escrever a seguir estará provavelmente errado ou terá pelo menos algumas incoerências ou incorrecções.
Feliz ou infelizmente nasci nesse país que está à beira da falência. Não os EUA, mas sim a Islândia. Regressámos a Portugal definitivamente quando eu tinha cerca de 9 ou 10 meses, portanto em finais de 1987. (Nota de tentativa humorística: é uma pena porque com o meu ar tipicamente português e mediterrânico seria um exótico e bem sucedido junto das beldades islandesas...).
Tudo o que sei sobre esse país sei-o pelos meus pais e pelos e-mails trocados com o meu padrinho islandês. Daí o meu choque quando me apercebo que o país está na bancarrota. É simplesmente um dos países mais ricos e desenvolvidos do mundo, o 1.º em termos de Índice de Desenvolvimento Humano. Ninguém diria há uns anos que isto seria possível.
Um pouco mais abaixo no globo, o Reino Unido começa também a nacionalizar bancos, seguindo a tendência da Bélgica e Holanda. A União Europeia, mais uma vez, não tem uma voz única e a reunião do G-4 apenas veio trazer mais insegurança aos mercados. O PM assegura que os depósitos dos portugueses estão garantidos, mas vamos aguardar para ver o que vai acontecer.
Pelo meio disto tudo surgem mil e uma explicações, cada qual com as suas virtudes, para explicar o que se passa. Apesar de, tal como referi, não perceber nada de economia, vou aqui tentar recorrer aos meus parcos conhecimentos de leigo para tentar perceber o que se está a passar e o que poderemos esperar para o futuro.
Isto começa então com a chamada crise do subprime nos Estados Unidos. Os bancos emprestaram dinheiro a milhões de clientes considerados de alto risco, que a dada altura começam a ter dificuldade em pagar os créditos para aquisição de casa própria. Esta crise foi-se arrastando ao longo do último ano até que se começou a reflectir determinantemente nos mercados financeiros, levando às acentuadas quebras em bolsa e falências de bancos, com as consequentes nacionalizações como forma de evitar a bancarrota, assegurando portanto as poupanças dos clientes (que felizmente não entraram em histeria colectiva como em 29/30 ao tentar levantar o seu dinheiro).
Teoricamente a coisa acabaria aqui, o capitalismo não morreu e os Estados voltarão a ter maior influência no campo económico, por oposição a uma diminuição da influência da chamada mão invisível.
Mas ninguém sabe muito bem qual a profundidade da crise nos EUA. Imaginemos portanto um cenário de colapso, com milhões de despejados e desempregados nos EUA. Nessa altura a Europa estará também numa espiral descendente, com o BCE a aumentar as taxas de juro (como aconteceu na Islândia), com efeitos em termos da economia real a atingirem desesperadamente os cidadãos, nomeadamente através da incapacidade para pagar os créditos. Sem esquecer que os Bancos Centrais e os Estados também não têm capacidade para continuar indefinidamente a injectar dinheiro nos mercados para assegurar a liquidez. Este será provavelmente o cenário mais terrífico que poderemos enfrentar, o que naturalmente espero não aconteça.
Mas continuando, por alguma razão fez-se crer em muita gente que todos deveriam adquirir casa própria, o que levou construtores civis e bancos a esfregar as mãos de contentamento durante grande parte das últimas décadas, enquanto o deslumbramento na mente dos próprios indivíduos leva(va) ao seu próprio "enforcamento" às mãos de uma qualquer entidade financeira. Eu tenho uma "teoria" que carece de fundamentação que é a de que o arrendamento será um mercado muito mais sustentável e proveitoso. Porque as pessoas não se "enforcarão" durante 20, 30 ou 40 anos, porque têm muito mais flexibilidade para mudar de casa em qualquer circunstância (mudança de emprego, desemprego, saída do país) e, principalmente, porque em vez de pagarem ao banco, que por sua vez paga à banca na qual se endividou, o dinheiro mantém-se entre os consumidores, ou seja, com efeitos mais práticos a nível do desenvolvimento da economia real. Mas como eu não percebo nada de economia, isto até pode estar errado.
O que interessa de facto é ilustrar que a ganância e ambição materialista dos ocidentais é a causa da própria decadência, porque o mercado e a "mão invisível" endeusada por muitos não são garantia de uma noção muito simples cujo contrário está na origem desta crise: a sustentabilidade. Não é sustentável que um sistema financeiro e económico se financie quase de forma infinita e virtual em hipotéticos créditos e "bolhas", endividando-se as instituições entre si como forma de dar resposta aos ímpetos consumistas e desregrados dos consumidores, enquanto o crescimento económico não atinge vertical e horizontalmente a sociedade como forma de garantir um desenvolvimento sustentável que diminua a hipótese de colapso do sistema.
Uns milhões ficam muito contentes por terem casa própria embora essa só seja sua quando já estão com os pés para a cova, e uns poucos enriquecem desmesuradamente, como aconteceu por exemplo no caso da Lehman Brothers em que o seu administrador recebeu 350 milhões de dólares em salários nos últimos 7 anos, e com o banco já na falência prestou-se a actos de gestão irresponsáveis. Tal como costumo dizer, os gestores não são perfeitos, mesmo que o mercado e a mão invisível o sejam. Não sou capaz de acreditar numa qualquer entidade transcendente que regule os mercados, quando os seres humanos que de facto os regulam não são perfeitos, isto é, nem sempre efectuam as melhores decisões, aliás, para assistirmos ao que estamos a assistir é porque muitas decisões foram desastradas.
Parece-me ridícula esta crença em que os inputs no mercado resultam em outputs ou feedbacks necessariamente positivos, sem tentar perceber o que acontece pelo meio, como se a black box servisse para satisfazer intelectualmente os académicos e demais, que nem sequer tentam perceber o que se passa pois a crença na mão invisível inculcou-lhes um preconceito que os leva a a uma aguda preguiça intelectual.
Sendo agora um pouco menos pessimista, e na linha mais ultra-neo-liberal, acho que estamos por outro lado a assistir a uma gigantesca reestruturação do sistema financeiro e económico internacional. Provavelmente esta poderá ser a última grande crise a que se assistirá nas próximas décadas. O problema é mesmo o inferno em que viveremos enquanto não for superada. Indo de encontro à teoria d'O Mundo Pós-Americano de Fareed Zakaria, que logo no primeiro capítulo demonstra o crescimento e desenvolvimento do resto do mundo (América Latina, África, Ásia) da forma mais capitalista possível (portanto o capitalismo não morreu, o que estará provavelmente à beira da estocada final é a desregulação e a mão invisível), parece-me que assistiremos ao declinío da influência dos EUA no mundo, teremos verdadeiramente um sistema multi-polar, onde o risco de colapso financeiro estará muito mais difundido do que actualmente, pois a importância de Wall Street será dispersa por todas os outros grandes centros financeiros e, em última instância, ocorrerá, tal como escrevi há dias, uma reajustamento da hierarquia das potências e uma transformação, falta saber até que ponto, do próprio sistema internacional em todas as suas vertentes.
É portanto o fim do mundo como o conhecemos, vamos ver é se será um admirável mundo novo o que nos espera.