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o Neo-Proletariado

por Nuno Castelo-Branco, em 12.10.08

 

Os  domingos são invariavelmente, dias reservados para almoçar em casa dos meus país. Existe sempre tema para longas conversas e estas prolongam-se normalmente até meio da tarde, quando normalmente se vão extinguindo pelo cansaço, ou muito infantilmente, pela vontade de fazer qualquer outra coisa.  O pretexto para um café, daqueles a que chamamos "verdadeiro", dá-nos como opção mais viável, uma visita ao centro comercial, local este absolutamente impróprio ao fim de semana, dado o enorme fluxo de passeantes que hoje em dia, pouco mais fazem que olhar para as montras, ou rapidamente comer uma sanduíche pressurosamente incluída num bem sonante menu.

 

A Livraria Bulhosa do Oeiras Parque, é um local agradável que inclui um serviço de café e pastelaria, onde podemos até degustar um chocolate razoavelmente sofisticado, ou uma especialidade regional. Quem queira ler um livro inteiro não encontrará qualquer constrangimento em fazê-lo, pois para isso existem cadeirões e um confortável sofá, sempre ocupados pelos curiosos das novidades publicadas.

 

Após a ritual bica, lá encontrei um  livrinho extremamente interessante e ao qual não resisti, pois trata-se de um catálogo de uma exposição realizada na Scottish National Portrait Gallery (2001), intitulada The King over the Water: The Life of James Francis Edward Stuart (1688-1766). As imagens são absolutamente encantadoras e muitas delas inéditas, pois os Stuart extinguiram-se apenas um século após a sua deposição durante a chamada Revolução Gloriosa (1688). O que me interessou, foi conhecer algumas das personagens incluídas nos numerosos retratos, assim como os decor das composições, a indumentária e umas poucas cenas maís íntimas de família, apresentadas em tela.

 

Dando uma primeira vista de olhos na aquisição, não pude deixar de ouvir uma conversa entre dois casais que animadamente discutiam a actual situação económica e as suas consequentes conclusões políticas. A gente de direita "sente-se" de forma quase instintiva, não sendo para isso necessárias, grandes conversas de cariz filosófico ou perscrutação de uma visão histórica. São naturalmente de direita e tal não obedece a qualquer código secreto na atitude de cumprimentar ou de se apresentar, pois existem muitas direitas.  Eles sabem acerca de  quem sabe o que eles são e disso não se importam minimamente, como é normal, até porque os imaginados oponentes de esquerda beneficiam da mesmíssima capacidade de avaliação relativa aos seus. 

 

Uma senhora loura, na casa de uns muito interessantes e bem conservados quarentas e tais, lia algumas passagens do Expresso, chamando a atenção do marido e do casal que os acompanhava. O tema, claro está, era a crise financeira e o que dela sairá para o futuro de todos. Após um ..."ainda bem que não devemos dinheiro ao banco"..., não pude deixar de me surpreender pelo tom que a discussão pareceu então tomar, avolumando-se em número e densidade, as críticas a todo o sistema que temos vindo a suportar já há mais de uma década. O ataque à função e aos estratagemas do capitalismo banqueiro, pareceram então ultrapassar os limites daquilo a que normalmente se concede a um discurso de gente de direita. As palavras eram duras, utilizadas a propósito e com perfeito conhecimento de causa, até porque a argumentação foi beber nas águas do antigo lago autárcico que afinal deixou algumas saudades. Desta forma, os bancos são hoje acusados de fautores da acelerada desindustrialização do país e do seu progressivo atrofiar como entidade criadora de riqueza. Uma parte da direita portuguesa considera o banco, como um local próprio para negociatas obscuras, onde réplicas cibernéticas de Howard Carter vivem da manipulação  de xaradas quase hieroglíficas - lembram-se de um post que publiquei a a propósito há umas semanas? -, criando uma virtualidade que descambou no desastre da ficção de uma certa economia que afinal não existe. Esta direita crê sinceramente que os bancos são agências de angariação do dinheiro dos seus clientes-depositantes, servindo de correias de transmissão do complicado, impiedoso e desleal sistema governamental de arrecadação de impostos abusivos. Mais, estes revoltados e coagidos clientes, perderam a confiança naquilo a que durante muito tempo, se considerou ser a única alternativa ao tradicionalmente inseguro colchão caseiro. 

A calma, pausada mas implacável catilinária contra "o sistema", atingiu proporções ciclópicas, quando a louro-veneziana senhora passou a referir-se secamente aos abusos de extorsão com que quase quotidianamente depara nos seus extractos de conta. Taxas pela utilização de serviços absolutamente irrisórios e a avalanche de correspondência desnecessária, não soiicitada, mas integralmente paga pelo contrariado receptor da mesma. O despudor com que se manipulam convenientes datas de entrada de numerário ou cheques na conta, para mais facilmente se aplicarem coimas de duvidosa legitimidade. Dizia a dita senhora, que ..."tinha a minha conta mais que coberta por um cheque de 4.000€, mas como este pertencia a outro banco, por apenas vinte e quatro horas não pagaram a prestação de pouco mais de 90€ do health-club, para me sacar uma multa e sujar o meu nome no Banco de Portugal. Isto é coacção e abuso e sou eu cliente desta gente há mais de vinte anos!"... (sic). Logicamente, a conversa enveredou para os bem noticiados e conhecidos casos de compadrio e cumplicidades no sector, os escândalos de favorecimento e esbulho, o alegado conluio com a classe política e o papel destruidor que a banca exerce e que se tornou num verdadeiro obstáculo à vitalidade de uma economia real. Como argumentos, lá se foram enumerando as entidades causadoras de todos os males, como as empresas financeiras que provocaram a galopante especulação imobiliária e que com o argumento da criação dos chamados serviços, acabaram por impedir os investimentos em verdadeiros sectores produtivos.  Esta revolta parece estar a transformar-se sem remédio e de forma irreversível, num profundo ódio que não deixará de surtir os efeitos que todos já adivinhamos. Esta direita compreende a crise financeira e económica - aqui está o busílis -  como um todo onde a política é a parte indissolúvel que afinal, conforma todas as outras. Julgo que descortinei aqui - é o regresso da ideologia em todo o seu esplendor na dicotomia na análise - a única, mas fundamental  clivagem com o habitual discurso da esquerda radical parlamentar.  Há quem já tenha percebido que o até agora festivo e ininterrupto bacanal de consumo pelo consumo - o apregoado e bestificante status - , está nas vascas da agonia. Esta direita conclui agora, talvez de forma desesperada e muito tardia, da futilidade de quinze anos de publicidade enganosa do crédito fácil, onde peelings, jacuzzis, spa's, resorts nas Caraíbas, jeeps e Club Mediterranée, acabaram por afundá-la no vórtice que inevitavelmente a conduzirá  a um patamar inferior daquilo que se considera ser a "sua" escala social. Esta direita usando mais ouro nos dedos, pulsos e pescoço, que possui vários cartões American Express, City Bank ou Barclays, está tão empobrecida e num tal aperto de perspectivas, que dificilmente encontra uma solução aceitável para a manutenção de um mínimo daquilo a que se habituou. Afinal, começa a dar valor ao tempo em que necessitando de um saquinho de pregos e de um martelo, se dirigia à estância mais próxima, adquirindo o que necessitava, com uma etiqueta comprovativa de Made in Portugal. Esta direita não parece estar a gostar da ausência de produtos nacionais nas prateleiras do supermercado. Esta direita está a execrar a perspectiva desta espada de Dâmocles, empunhada por uma empresa automobilística que por si só, representa 10% do PIB. É uma direita que quer voltar a ver fábricas portuguesas a produzir  em Portugal, a dar emprego e a proporcionar a paz social, necessária para a sua calma e segurança. Já não acredita nas bazófias complacentes da globalização padronizada pelos preços "loja dos trezentos". A esta direita repugna o controle dos circuitos de distribuição controlados ..."pelos estrangeiros..., um verdadeiro perigo que acabará por nos aniquilar de vez"... O discurso parece familiar, até para os mais desatentos.

 

Sabemos o que o isolacionismo económico pressupõe em termos políticos. Conhecemos bem as lições de uma história que afinal, pode muito bem voltar a repetir-se e desta vez, poderosamente alavancada com um certo unanimismo de toda uma civilização que teme o próprio estertor de tudo aquilo que concebe como Vida. Os homens são afinal os mesmos e os métodos também. No entanto, hoje colocam-se à disposição dos mais ousados, instrumentos de inimaginável poder conformador de um totalitarismo até hoje apenas presente na cinematografia fantástica de outras galáxias, onde a tecnologia  se encontra ao serviço de distantes, mas omnipresentes senhores de tudo e de todos. 

 

Quando a direita - um baluarte até hoje intransponível daquilo a que nos acostumámos considerar como liberdades e garantias democráticas -, se auto-exclui da classe média e assume desabridamente a condição de um bastante inédito neo-proletariado, podemos admitir estarem abertas todas e quaisquer possibilidades para a instauração de uma sociedade tão diversa desta dos nossos dias, que em poucos anos, tudo aquilo que a que desde o nascimento nos habituámos, será apenas uma longínqua utopia. Ou será apenas necessário reformular conceitos até hoje intocáveis?

 

 

publicado às 23:45


7 comentários

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De De Puta Madre a 13.10.2008 às 04:02

Hoje, tb à hora do café-verdadeiro, na aldeia vizinha da mais fina aristocracia portuguesa, os primos da Rainha Uk - Eu apanhei uma conversa sobre um Aristocrata que batia com a mão no peito - aonde se guarda a carteira - enquanto dizia " Quando era novo tive muito amor". Outra interlocutora completou " Andava de carteira cheia y os empregados cheios de fome."

...........
Nuno não percbo naa da crise, dos bancos-rotos, das Esquerdas-direitinhas y blocos y ...istas.
Mas essa direita que escutou conversa I-RRRRRRRR-ita-me. What? Não é?
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De Nuno Castelo-Branco a 13.10.2008 às 09:23

É, até porque a experiência devia ter-lhe ditado a mais elementar prudência!
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De LUIS BARATA a 13.10.2008 às 13:23

Boa e certeira prosa, como já nos habituaste. Deixando de lado a crise, os bancos e as bancarrotas, o que mais me entusiasmou foi o catálogo sobre o Old Prtender, se bem me lembro pai desse herói romântico que foi Carlos Eduardo Stuart, mais conhecido como Bonnie Prince Charlie e que ainda pregou uns sustos aos aburguesados Hanover. Sempre me fascinaram esses Stuarts destronados, errantes pela Europa mas sempre com o coração na sua Escócia natal.
Vou ver se encontro o dito catálogo.
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De Margarida Pereira a 14.10.2008 às 14:26

A floresta:

De que se fala quando se fala ‘da banca’?
De desconhecimento. De medo. Do desconhecido.
Porque há o ‘front office’ (a fachada) e o ‘back office’ (os bastidores).
E um desmesurado ‘edifício’ de seres e produtos, que vai da sub-cave à ‘penthouse’.
Os grandes e os pequenos.
Os estrangeiros e os nacionais.
Os puramente especulativos e os associados à produção.
As generalizações são arriscadas.

Cautelas...

A árvore:

A história que a dama tagarelou não é credível.
Se é cliente (e há mais de duas décadas!), o balcão ‘conhece-a’ e nunca recusaria um pagamento havendo uma expectativa de crédito. Chama-se trabalhar em ‘descoberto’.
Assim, o que ela alega é pura e simplesmente absurdo e denota um bocadinho de maus fígados…; o Nuno apenas nos conta o que ouviu.
Mas nem sempre o que se ouve é real…

… e caldos de galinha…

( :) já sabe que desembainho sempre a espada em honra da minha dama...)


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De Nuno Castelo-Branco a 14.10.2008 às 14:32

Huummmm, não sei não, Maggie, a coisa parecia estar mesmo feia. Não sei se reparou, mas TODOS os balcões que conhecemos durante anos, foram "refrescados" para pior, está claro. deixou de existir aquele contacto pessoal a que nos habituáramos. E creio que esta opinião é quase unânime. Quanto à autêntica "chulice" - não passe a expressão, pois é mesmo assim - a que assistimos e nos toca a carteira, com a miríade de taxas por tudo e por nada, enfim, é a triste realidade de quem apresenta lucros colossais todos os anos, mesmo que o resto da sociedade esteja de rastos. Já agora, porque razão são os bancos beneficiados com impostos ridiculamente baixos? Ainda se fossem activos no mecenato! Nem isso, pois quando tal acontece, tal se deve a certos "carolas" como o Teixeira Pinto. O resto, é o que se sabe: Porsches, mercedes, Audis, bentleys, etc.
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De Margarida Pereira a 14.10.2008 às 18:32

Nuno, sei que não o 'converto', mas um certo apelo à razão é importante. Misturam-se demasiadas coisas no mesmo debate. Bem sei que interligadas, mas a ânsia da 'punição' é tanta que se cega um pouco...
As redes de balcões modernizaram-se. Acompanharam (e, em casos, anteciparam) os tempos).
Cobram-se demasiadas 'custas'? Facto.
Mas importa salientar o investimento brutal no desenvolvimento informático.
Na expansão da rede comercial. Nos postos de trabalho (muitos mais do que aqueles que exercem publicamente).
Há exageros? Alguns.
Há desvario? Viu-se.
Mas o sucedido tem de provocar. além do caos que se vive - e viverá -, mudança. Melhorias.
Estamos todos interligados: governos, finanças, economia, povos.
É um mundo só, não esqueçamos.
Apontar erros, sim. Indicar soluções, melhor ainda.
'Desancar' feramente? Hum..., não?...
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De Nuno Castelo-Branco a 14.10.2008 às 19:30

Desculpe-me, mas não sou só eu a "desancar", até porque os responsáveis da banca dão péssimos exemplos. Até na esfera política! Fala um 1º ministro em aumentar um bocado os impostos ao sector - e ainda ficando este muitíssimo atrás dos vulgares contribuintes - e logo se arranja uma embaixada até Belém, "sacando-se" uma dissolução parlamentar. Curiosamente, quem vai para ministro das Finanças? Um dos tais "embaixadores"! Ora, ora...

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