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A entrevista de Júdice ao Correio da Manhã

por Nuno Castelo-Branco, em 19.10.08

 

José Miguel Júdice é um dos homens do regime e disso creio não existir qualquer dúvida, apesar da sua assumida e aparente independência face ao sistema partidário. Pode usar-se esta aparência como mero recurso de estilo, pois os factos demonstram que jamais se pode ser independente, quando durante décadas se exerceram os mais relevantes cargos  na estrutura do aparelho do Estado. O seu natural interesse pela corporação Justiça, indicia isto mesmo, pois é este sector que conforma a própria legalidade, erigindo-se até num Estado laico e republicano, em fazedora e garante da moral pública. Maior comprometimento com uma situação é assaz difícil de descortinar e J.M. Júdice disse se apercebe muito bem, pois ciente dos mecanismos de funcionamento da cúpula do areópago de entidades endeusadas que nos governam, jamais poderia almejar ao desempenho de qualquer cargo importante, se não tivesse previamente feito a sua profissão de fé, mesmo alijando o peso de um juvenil e português passado de contraditória militância. Homem inteligente e culto, conseguiu a síntese do impossível.

 

A entrevista ao Correio da Manhã, consiste num espectacular exercício de sageza política e numa primeira análise, visa  o previsível reordenamento das forças de influência - os tais poderes fácticos - no edifício de um Estado que inevitavelmente sofrerá ao longo dos próximos anos, modificações profundas e que para a sobrevivência de Portugal como entidade política de direito internacional, deverão ser radicais. No nosso país desde sempre existiu a vertigem de um começar de novo, procurando além-fronteiras, exemplos que nos ajudassem ao salto civilizacional - falamos de materialismo, como é óbvio -, de matriz norte europeia. Se no século XVII-XVIII prescindimos daquele esboço de Parlamento que durante séculos existiu como Cortes, enveredando pelo Absolutismo centralizador e anunciador da "república", os homens de oitocentos, vencedores de Bonaparte nas faldas do Buçaco, acabaram por sucumbir à conveniência do momento histórico, ajustando-se à sistematização teórica da trilogia de 1789-93.  Desta forma, o próprio Pombal aparece então, como um pioneiro, o farol balizador da navegação possível que conduz a humanidade ao estádio perfeito da república universal. Assim, não podemos sequer estranhar ou interrogar a razão da própria simbologia nascida da derrota da Europa em 1945, que escolheu como flâmula, uma variante daquela que ondulou em Filadélfia no já longínquo ano de 1776. É a tendência para a ilusão da fusão  do planeta num bloco monolítico, quimera de base ocidental com pouca ou nenhuma ressonância para lá dos montes Urais, pois poderemos considerar o Novo Mundo, como um prolongamento do espaço U.E/E.U.A., com o qual partilha o mesmo Deus, as línguas e a legítima reivindicação da História, considerada esta a partir do nascimento daquilo que hoje somos, nos pântanos mesopotâmicos ou no vale do Nilo.

 

Júdice alerta para o risco da falência de Portugal como Estado, entendido este - segundo depreendemos das suas palavras - como poder soberano autónomo. É uma velha visão de quatrocentos anos, conjecturada já na época do desvanecer dos fumos da Índia e que nos conduziu à fugaz e desastrosa experiência iberista. J.M. Júdice tem razão, quando afirma ..."que há uma ideia errada, que as civilizações não são mortais, que os países não são mortais, que os regimes políticos não são mortais. É mentira. Os regimes políticos morrem, os países morrem e as civilizações morrem. A história está cheia de cadáveres desse tipo". Este analista atento, decerto conhecerá perfeitamente a razão do actual estado de coisas, que deriva exactamente da abertura das janelas da Europa aos conhecidos ventos da história que envenenaram, talvez de forma irreparável, o porvir da nossa Civilização que de cedência em cedência, se descaracteriza, perdendo a força anímica, afastando aqueles que desejariam colocar-se  dentro da nossa esfera de influência e pior que tudo, encorajando aqueles que para a Europa sempre olharam como um alvo primordial de expansão, encarada esta não apenas na sua vertente territorial, mas também como organização social que impôs as doutrinas políticas que regeram o mundo nos últimos cem anos. Naquele momento, teve início a verdadeira globalização, ou seja a conformidade sistematizadora dos sistema políticos.  A China vive hoje sob um regime político engendrado na Alemanha, o mesmo acontecendo com a Índia relativamente à antiga potência suserana, o Reino Unido. Em África, assistimos à tentativa inglória da criação de entidades nacionais, num continente por nós retalhado á medida dos interesses e poder de uma Europa obcecada por um Drang nach Sud pós-Conferência de Berlim. E tudo isto, adoptando as nossas ideologias e consequentes formas de organização política e jurídica. O desastre que é evidente e quotidianamente noticiado, é atribuído, pasme-se, à falta de conformação daquelas sociedades com os princípios fundamentais que regem as sociedades ocidentais! 

 

Júdice fala na necessidade de uma maior federalização da Europa, talvez - segundo se depreende - o primeiro passo para um governo mundial, fantasma que tem perseguido todos os grandes homens, desde os imperadores chineses, a Alexandre Magno, César, Filipe II ou Bonaparte. É uma ideia ou vontade que se eterniza num constante reformular de projecto viabilizador e que na verdade, apenas trouxe o constante declínio da civilização ocidental, a permissividade e a cedência constante a forças exógenas à nossa maneira de pensar e viver. A Europa tem uma ideia perfeitamente estabelecida, daquilo que o Homem é ou deve ser e do seu lugar na sociedade, com os seus direitos, obrigações e forma de organização social que se estende à totalidade das nações erigidas em países.  Os analistas que como J.M.Júdice insistem muito numa globalização que inexplicavelmente parece ter fracassado, deviam aperceber-se da razão primordial do desaire: a impossibilidade do fim proposto, pois as rivalidades económicas, políticas e territoriais  continuarão a existir ad eternum, separando até vizinhos que numa primeira análise, algo têm em comum. JMJ fala do constante recurso dos políticos à mentira e à omissão quanto à informação da realidade do estado de coisas. Ele sabe que de outro modo, o sistema já há muito teria implodido, deitando por terra todos os sofismas habilidosamente urdidos nos salons dos seus antepassados, nos cartéis industriais ou financeiros. Afinal, o que se pretende salvar, é uma certa forma de estar no mundo, da ínfima minoria de dirigentes político-económicos que nos conduziu a uma situação que talvez ainda seja possível remediar. Quanto a Portugal, o regime afunda-se no autismo das conveniências dos grupos económicos que o patrocinam e a classe política insiste nos erros de edificações de fachada modernizadora que significam a ruína a curto prazo. Portugal apostou tudo - e mal, já a Nova Monarquia o dizia há vinte e cinco anos! - numa Europa que em nós apenas viu uma oportunidade de alargamento do mercado interno, controle de recursos de uma ZEE atlântica e argumento basilar para a inevitabilidade do continentalismo, miragem esta prosseguida desde há mais de dois milénios.  O regime rejeitou o passado em África, na Ásia e na América, como um absurdo fardo, descurando interesses vitais e a própria solvência da economia, que qualquer manual aponta a diversificação como condição base para o progresso.

 

O que poderá acontecer dentro de semanas ou meses, disso Júdice poderá ter uma ideia, pois decerto conhece a História. O problema é nosso, é de todos, pois não teremos qualquer outro lugar para onde ir, permitindo-nos escapar  a uma escravidão de contonos ainda difusos, mas facilmente identificável na panóplia de modelos colocados à disposição pelo nosso próprio passado. Mas isto não preocupa os fautores deste nosso contemporâneo fracasso, pois eles ter-se-ão conformado à nova situação, passando mesmo a dirigi-la, como pesada canga sacrificial em prol do bem comum.

publicado às 14:31







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