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Uma manhã de Rainha D. Amélia

por Nuno Castelo-Branco, em 28.10.08

 Esta manhã tive de fazer uma visita aos escritórios da EDP, para tratar de assuntos de facturação da empresa de um amigo. Como os ditos serviços se encontram sediados na Camilo Castelo Branco (Mq. de Pombal), levei apenas alguns minutos para lá chegar, tirar a senha e dispor-me a esperar o tempo necessário para estas coisas da burocracia.  Ao meu lado estavam duas senhoras bastante idosas, que  habitualmente vejo nestas redondezas, seja no café da esquina ou no supermercado. 

 

Assim que me sentei, iniciaram de imediato um contacto, que segundo me disseram, já esperavam há muito. É que costumo usar num blusão, uma pequena bandeira nacional de esmalte e já estou habituado à curiosidade do olhar de alguns, ao fácies cúmplice de outros e também, ao evidente desagrado dos patetas  habituais.  As duas irmãs já a tinham visto e perguntaram-me se sabia o que aquilo significava, Não pude deixar de sorrir com esta questão que hoje dia, nesta época de gadgets meramente decorativos, não é assim tão extemporânea. Esclarecidas acerca das minhas razões, sentiram-se então muito à vontade para falar. Surpreenderam-me - ou talvez não -, com um diluviano discurso sobre a rainha D. Amélia ..."uma mulher excepcional, culta, moderna, avançadíssima para o seu tempo, de uma elegância e simplicidade extrema"...  Filhas de um pai que fora republicano até à morte de Sidónio, desde pequenas ouviam falar naquela, que neste país avesso a novidades, insistira em arrastar os portugueses para o século XX da ciência, protecção do património e mais importante que isto, das conquistas sociais. Estas duas senhoras conhecem de cor o papel pioneiro da rainha Orleães. Falaram-me das creches, dos lactários e das cozinhas económicas. Não quis estragar o seu entusiasmo e fingi surpresa por tudo aquilo que me contavam, onde a luta contra a tuberculose, o Instituto Câmara Pestana, os sanatórios e as campanhas de prevenção, encontravam-se no centro da frenética actividade da grande soberana. A minha surpresa deveu-se antes de tudo, à pujante memória de duas mulheres com quase nove décadas de existência e não pude deixar de escutar pequenos episódios relativos a essa paixão que desde novas cultivam. Quando da visita da rainha em 1945, o pai levou-as a todos os locais onde puderam contactar com D. Amélia e orgulhosamente disseram que lhes tinha chamado "minhas filhas", à saída de S. Vicente de Fora, ao mesmo tempo que o pai não se cansava de berrar a plenos pulmões  "viva a rainha!!"

 

Após uma meia hora de emotivas recordações, confidenciaram que ..."sabe, naquele tempo era difícil falar à vontade e o meu pai dizia que aquela senhora representava o último momento em que tinha existido liberdade em Portugal".  Assim que ouvi isto, o meu interesse avivou-se instantaneamente e descobri então com autêntica surpresa, estar diante duas senhoras daquilo a que durante o Estado Novo se chamou de "reviralho". Afinal existia uma oposição que não era PC, nem era exclusiva dos órfãos do Afonso Costa e dos seus bandos de caceteiros e caciques locais. Havia um reviralho azul e branco, discreto, mas de firmes convicções que se mantiveram para além do século mais infeliz da nossa História.

 

Antes de nos despedirmos, ainda tiveram tempo para me dizer ..."que o Sampaio bem podia deixar os preconceitos e prestar uma homenagem pública à rainha que foi a primeira a interessar-se pela luta que ele hoje diz que quer encabeçar!". Mas logo e bastante desanimadamente concluíram que ..."não, é impossível, eles são muito pequeninos, invejosos e mesquinhos. Falta-lhes grandeza"...

 

Uma vez mais, aquelas duas mulheres que recebem duas reformas miseráveis e dependem totalmente dos filhos e netos, têm razão em não crer em milagres. É a nossa sina.

publicado às 17:23


16 comentários

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De Cristina Ribeiro a 28.10.2008 às 18:54

Gostei de ler, Nuno! E elas não leram o seu texto sobre a resistência monárquica...
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De Nuno Castelo-Branco a 28.10.2008 às 21:42

Como podia ser, Cristina? As senhoras andam pelos noventa. Palrador como sou, desta vez limitei-me a ouvir e não podia perder aquela vontade que tinham em manifestar o que pensavam e sentiam. Houve coisas que não transcrevi. Apesar de tudo ter sido dito com a máxima correcção, há frases impublicáveis, porque não estou para ser processado por valdevinos sequiosos por arredondar capitais à conta de terceiros. Era só o que me faltava!
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De Cristina Ribeiro a 28.10.2008 às 22:28

Mas olhe que é muito fácil imaginar :)
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De Nuno Castelo-Branco a 28.10.2008 às 22:43

ehehehehe, até envolve "mães de filhos incógnitos". Está a ver, não está? E tudo, sem um único palavrão!
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De zé Pikeno a 29.10.2008 às 00:02

Coitadas das senhoras...90 anos nesta merda...e mesmo assim arranjam força para continuar...
umas bravas...eu adoraria imenso um dia...ainda ter um testemunho desses...para me fazer acreditar que ainda há salvação.
Que ainda há portugueses.
Abraço.
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De zé Pikeno a 29.10.2008 às 00:03

É por essas senhoras e outros senhores...que eu faço os meus videos...
para os que não se lembram...
não tornem a esquecer!
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De Cristina Ribeiro a 29.10.2008 às 00:17

Vídeos maravilhosos, Zé Pikeno !!!
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De Nuno Castelo-Branco a 29.10.2008 às 01:47

Um dia deste ainda "anexamos" o Zé, apesar de ser do... Benfica :)
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De Joana a 29.10.2008 às 14:34

Magníficas memórias as dessas duas senhoras! E belíssima fotografia da Rainha...
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De Nuno Castelo-Branco a 31.10.2008 às 12:38

Segundo o Eduardo Nobre diz no livro de fotografias "Família Real Portuguesa", parece que esta foto causou celeuma. Aliás, naquele tempo, fizessem os Bragança o que fizessem, tal era logo motivo para controvérsia. Mas que a rainha era espectacular, lá isso era.
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De Joana a 31.10.2008 às 16:12

Eu faço ideia, caro Nuno! A pose da Rainha deve ter dado origem a ditos e mexericos de toda a espécie! D. Amélia tinha fotos incríveis! Também, com um porte daqueles, não era para menos...
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De zé Pikeno a 29.10.2008 às 14:45

Carissimo Nuno...
SOU DO BENFICCCAAAAAAAA COM MUITO ORGULHOOOOO
E MUIIITTTTOOOOO AAAMMOOOOORRRRRRRR!!!!

Uma musica cantada no estádio...por uma...das claques...

o mesmo referente ao meu país...tnho muito orgulho e muito amor...
aliás quando vejo estrangeiros a falar mal de Portugal digo-lhes logo...
"agradecia que se calassem...pois se for para falar mal do meu país...
estou cá eu e os portugueses...!"

PS:essa do "anexar"...cheira-me um pouco...a...
potência...engolir...estado menor...hummmm...
não sei se gosto!
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De Nuno Castelo-Branco a 30.10.2008 às 23:18

Bolas, nem se pode brincar contigo? Tomáramos nós que todos os benfiquistas se tornassem monárquicos. No referendo levávamos logo com 70% dos votos (tirando o Louçã...).
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De Ricardo Gomes Silva a 30.10.2008 às 10:09

Muito bem!

Excelente post, caro Nuno, muito bom mesmo

Estou neste momento a ouvir os "descontentamentos da classe militar" e os "alertas " dos generais do costume

Num pais onde duas senhoras com parcas reformas lembram a velha grandeza de uma Nação esquecida, na figura da sua última (mas não derradeira) Rainha todas estas noticias sabem a um Pais que perdeu a espinha e vive ao sabor das ganancias parasitárias de algumas classes

Falta grandeza...falta mesmo

bem haja
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De Nuno Castelo-Branco a 30.10.2008 às 23:20

E aconteceu mesmo, Ricardo. É claro que as senhoras aproveitaram logo para fazer comício e os assistentes pareceram muito interessados em ouvir a história.
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De Paulo Camelo a 03.04.2009 às 15:23

esse artigo esta interessante , nos monarquicos somos poucos ou mesmo olhados de lado e insultados , num pais que vive mergulhado num esquecimento total da historia faz sempre bem recordar D.Amelia , uma rainha vitima de uma Republica que hoje ve.se o estado dela.

carissimo Nuno , gostei do seu artigo que a causa da monarquia seja levada ate ao fim quer gostem quer nao gostem , essas duas senhoras demostram o profundo conhecimento da historia da noça nação

saudo-o cordialmente

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