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Há 90 anos: a esquadra imperial alemã

por Nuno Castelo-Branco, em 19.11.08

 

Há exactamente noventa anos, partia em direcção ao internamento na Grã-Bretanha, a maior parte da Hoch See Flotte imperial alemã. Composta por onze couraçados, cinco cruzadores de batalha, oito cruzadores e quarenta e oito contratorpedeiros, cumpria uma das cláusulas do Armistício de 11 de Novembro. Temendo o poder desta moderna esquadra que pretendia rivalizar com a Royal Navy, o governo de Londres exigiu o imediato internamento da mesma, decidindo-se o seu destino na assinatura do futuro tratado de paz.  Comandada pelo almirante Reuter, a poderosa armada chegou ao Firth of Forth, onde se fiscalizou o seu desarmamento, antes da prevista dispersão nos portos de internamento. Para grande furor dos alemães - que esperavam o seu internamento em portos neutrais -, a Inglaterra decidiu fundear a K.M. em Scapa Flow, numa clara e abusiva interpretação das cláusulas do Armistício.

 

Esta captura integral de navios modernos, bem armados e até então invencíveis na batalha, despertou de imediato a cobiça dos vencedores, entre os quais as pequenas potências almejavam  obter a título de reparação, uma parte considerável dos despojos. Entre estas, encontrava-se o Portugal da I república e sendo a Marinha considerada como o braço armado do regime, de imediato despoletou a febre pela pilhagem fácil. Tendo prometido ao país uma esquadra poderosa e moderna que ombreasse pelo menos com a sua congénere espanhola, a república falhara totalmente nos seus grandiosos propósitos, contentando-se com os navios herdados dos tempos da monarquia.

 

Tal como as reivindicações territoriais desmesuradas que a imprensa a soldo dos "democráticos" propalava como inevitáveis, a esquadra do Kaiser era agora o novo ponto de interesse da demagogia arruaceira que imperava nas ruas, tascas de vinhos e carvão e  no simulacro parlamentar que era o hemiciclo de S. Bento. Enquanto empurravam os caracóis fritos pela goela abaixo, emborcando o típico carrascão do Cartaxo, os sábios mestres escola da república lá iam dando as suas lições de estratégia naval aos papalvos, entrecortando a erudição com a necessária limpeza dos beiços, nas mangas das jaquetas. Já se imaginavam coloridos cenários tágicos, onde uns quantos reluzentes couraçados e cruzadores saqueados à boa maneira dos corsários do século XVII, justificariam aos olhos dos basbaques, as certezas e luminosas esperanças salvíficas daqueles  barbichosos heróis, que de toalha enrolada à cintura na húmida e quente sala de vapores dos Banhos de S. Paulo, tinham esperado o triunfo na Rotunda.

 

O almirantado britânico inquietava-se com uma insustentável situação dúbia da ameaçadora armada que tinha à sua guarda. Não podia apossar-se da mesma, nem destrui-la para consumar a vitória sobre a poderosa rival. Durante dois anos, as negociações arrastaram-se, algumas unidades menores foram prometidas ao Japão, Estados Unidos, Grã-Bretanha e França, para serem utilizadas como alvos em testes. Das unidades maiores - os couraçados e os cruzadores -, as potências não podiam facilmente dispor, sem desequilibrarem perigosamente a relação de forças entre as mesmas. Para os chefes militares, a posse destas unidades por países onde a instabilidade política, económica e social era regra - Portugal, Grécia, Jugoslávia ou aliados sul-americanos -, a hipótese da concessão de navios tão valiosos estava fora de qualquer cogitação.

 

O impasse  chegou ao fim, quando em 21 de Junho de 1921 e aproveitando a saída da Home Fleet para exercícios, o almirante Reuter deu o sinal "Parágrafo Onze. Confirmado", que era o código para o imediato afundamento da esquadra. Apesar do frenético esforço dos britânicos, todas as unidades mais importantes da Kaiserlische Marine desapareceram sob  as ondas, numa atitude de desafio aos seus captores. Para grande alívio da Royal Navy e profunda frustração do regime dos senhores Costa, Almeida e Bernardino, 400.000 toneladas deixavam de poder alimentar despropositadas megalomanias. Mais um auspicioso evento a comemorar pela Comissão regimental do centenário da república.

 

* Uma sugestão: seguindo o exemplo dos "pais da república", os ministros da defesa bem podem ir imaginando e torcendo pela queda da monarquia em Espanha e o consequente desmembramento do país em risonhas republiquetas de carnaval, com castanholadas, peinetas e boleros. E a consequente partilha da esquadra. Bem podiam lançar o gancho aos porta-aviões João Carlos I e Príncipe das Astúrias, rebaptizados respectivamente,  com os nomes de NRP Aníbal Cavaco e NRP Patrícia Cavaco. Isso é que era...

 

publicado às 19:43


3 comentários

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De Margarida Pereira a 20.11.2008 às 00:23

Nuno..., nem preciso chegar ao nome para saber' que o texto é seu...
Como já lhe fiz saber, é outro astro.
Às vezes não comento porque receio repetir-me enjoativamente.
Uma pessoa há-de cansar-se de aplausos, não?
Já sabe o que penso dos manos Castelo-Branco...
... need I say more?..
Beijinho...
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De Humberto Nuno de Oliveira a 20.11.2008 às 12:22

Parabéns Nuno,
Gosto sempre de te ler, particularmente quando falas de assuntos que nos são "gratos".
Um abraço
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De Nuno Castelo-Branco a 21.11.2008 às 23:02

Vielen danke fur alle (é assim que se escreve?)

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