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Fim do ano de 2008

por Nuno Castelo-Branco, em 31.12.08

 

Em 1931, no preciso dia em que Afonso XIII abandonou o Palácio do Oriente e foi proclamada a 2ª república espanhola, as áreas circundantes da antiga sede do Estado e os próprios jardins, conheceram um outro tipo de utentes. Madrid obtinha assim, mais um polo de atracção para o exercício da mais velha profissão do mundo. Criara-se aquilo a que se chama um novo "estado de coisas", ou melhor, um "certo estado de espírito".  Uma área que fora ao longo de séculos interiorizada por todos os madrilenos, como pertencente ao domínio sacralizante próprio de um altar da pátria, tornara-se no perfeito símbolo de uma época onde o desvario propiciado pelo escamotear de toda e qualquer regra, pressagiava o fim de uma época. 1936 consistiu apenas no epílogo.

 

Vivemos um momento conturbado e poucos duvidarão da impossibilidade manifesta de um ridente futuro. Portugal há muito perdeu o Império, a antiga CEE reconvertida em UE é a desilusão que adivinhávamos e sem recursos naturais e uma indústria esmagada pela concorrência, não se vislumbram soluções possíveis para uma crise que antes de ser económica, é anímica. Portugal perdeu o fôlego e desta vez, é um facto cujo único precedente remonta a 1580. Ao contrário dos ribombantes Finis Patriae de há cem anos, hoje a situação apresenta-se  como praticamente insolúvel. A estrutura do próprio regime encontra-se minada pelas contradições decorrentes de um passado recente, onde se conciliou o inconciliável, pactuando-se uma partilha do poder que acabou na acefalia. O chamado consenso, que sempre significou a cedência naquilo que para cada um dos contraentes era essencial, arruinou a coerência da organização institucional, desordenou a economia e estiolou recursos, sempre em benefício de uma partição equitativa entre os detentores do exercício da soberania do Estado.

 

Dizem então que não existirá uma solução possível e nisto estamos em desacordo. Existe e depende apenas da vontade de querer. Simples revisões constitucionais, com um novo distribuir de funções e atribuições entre os órgãos, não são passíveis de consagrar um início do necessário processo de revitalização do corpo nacional. Os nomes serão decerto os mesmos e a simbologia inerente à existência da entidade Portugal, permaneceria imutável. Tornar-se-ia assim, num simples render da guarda, igual a tantos outros que conhecemos ao longo das últimas décadas. 

 

Para que algo indicie um outro tempo, a configuração do próprio poder teria que ser radicalmente alterada, transmitindo um claro sinal a todos os portugueses. A simples e por muitos desejada passagem da república para uma monarquia constitucional, não é por si, susceptível de resolver os imensos problemas que enfrentamos, desde aqueles que atingem a economia privada de cada um dos cidadãos, até à liquidação do património - em sentido lato - pelo desordenamento territorial, ausência de uma decidida política de promoção cultural dentro e fora de fronteiras, ou à inexistência de uma consistente política externa adaptada às verdadeiras necessidades de um país pequeno e de escassos recursos. Estes problemas teriam de ser estudados e ponderados, independentemente da correlação de forças políticas, económicas ou sociais, sobressaindo na hora das decisões inadiáveis, o interesse geral, o único que pode ser plasmado na garantia de continuidade de existência do próprio Estado português.  Haverá quem argumente com os obstáculos que advêm da presença portuguesa na UE, onde somos obrigados por acordos ou tratados, a prescindir de uma importante parcela da soberania.  No entanto, ninguém nega o facto de outros membros, como o Reino Unido, a Alemanha e a França, terem no exercício da sua política externa - e interna, dada a importância daquela na consecução de possibilidades de expansão de índole económica - , uma autonomia bastante dilatada e por vezes, contrária aos imaginados interesses comuns de uma UE em construção. Temos que agir consoante os nossos interesses, considerados estes como primordiais e em reflexo, benéficos para a própria ideia europeia.

 

Portugal possui um imenso património histórico além-mar, bastante mais vasto que aquele delineado pelas fronteiras coloniais que a partilha do mundo entre europeus, nos atribuiu. Ninguém nega a evidência da língua portuguesa como veículo de cultura enraizada em remotas paragens e que criou - com a religião e a velha economia colonial - realidades  permeáveis à nossa presença, ou melhor, a um possível regresso desta. A América do Sul (post de 26-12-2008), a África e alguns países asiáticos, constituem uma imensa oportunidade de expansão para uma indústria e serviços de reduzida dimensão internacional, como são os nossos, mas esta ofensiva deverá ser sempre acompanhada pelo tradicional suporte que o Estado significa. A aposta absoluta na miragem europeia, consiste num erro fatal e não se vislumbrando para breve o fim do capitalismo - económico ou financeiro -, parece abstrusa esta resistência à regra básica do sucesso de uma pequena economia como a portuguesa: a diversificação de parceiros e a rejeição da dependência exclusiva a um único espaço geográfico. 

 

O problema maior que enfrentamos, consiste na dificuldade ou quase impossibilidade da mudança, porque tal implica um radical corte com costumes ou práticas que formataram o quadro político que aparentemente condiciona todos os aspectos da vida nacional, sejam eles económicos ou sociais. 

 

A mudança de regime em democracia, deve ser encarada como uma verdadeira possibilidade mobilizadora da vontade dos portugueses. O corte dos laços de interdependência entre agentes políticos e forças exógenas ao constitucionalmente estabelecido poder soberano, poderá apenas ser viabilizado pela queda da representação republicana do Estado, onde o seu representante máximo é perfeitamente identificado com uma transitória maioria eleitoral que se esfuma à primeira vicissitude, obrigando o presidente a refugiar-se cada vez mais, entre os seus correligionários de partido e de interesses.

 

A mudança da simbologia, poderá impor uma inevitável alteração da forma como os portugueses se olham a si próprios, pois significará um apelo ao brio patriótico e à tranquilidade propiciada por instituições estáveis, independentes e imunes à usura do comprometimento escuso.  Esta nova forma de representação conduziria também, a uma outra e simplificada Constituição, assim como a uma clara atribuição de competências de um outro tipo de Parlamento, de duas câmaras (ver post "Que novo rumo", de 9-12-2008), mais reduzido no número de deputados, mas incomensuravelmente mais eficaz no exercício das suas atribuições. A eliminação de excrescências que hoje são representadas por Procuradorias e Supremos, será um factor não negligenciável para a clarificação do próprio poder, dada a actual situação de pulverização onde se refugiam os refractários à Lei e à ordem constitucional.

 

O factor orgulho e uma certa altanaria na forma dos portugueses se verem a si próprios no mundo, podem revelar-se como o essencial factor para o ressurgimento, dado que implicam o regresso de uma certa ideia de hierarquia, já há tanto tempo criminosamente vilipendiada ou distorcida no conceito. A Lei da democracia, estabelece-a como base fundamental de todos os direitos e deveres. 

 

É necessário dizer a verdade e todos esperamos por ela, por muito dolorosa que seja. Não podemos continuar a adiar os problemas que inevitavelmente se agravarão, arrastando Portugal a exiguidade que pressupõe o fim.  A questão da monarquia, não se trata de um mero capricho pretensamente elitista de uns quantos lunáticos, mais sim, numa áurea oportunidade de manifestar internamente uma vontade de mudar e externamente, o reafirmar de Portugal como nação secular e independente, apesar de integrada em espaços económicos, políticos e militares muito vastos. A monarquia é viável, porque é útil.

 

É este, o meu desejo para todos em 2009: um outro Portugal.

publicado às 13:55


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