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O possível derradeiro "presidente da república" fez ontem uma realista análise do país em que ainda vivemos e segundo a generalidade da imprensa, a palavra mais utilizada pelos assessores que prepararam a ora, foi a Verdade. Finalmente. Após quase três décadas de íntimo e recíproco conhecimento, decidiu brindar o eleitorado/contribuinte com aquilo que dele esperávamos há muito.
Quando foi primeiro-ministro, bastante daquilo que ontem apontou no seu discurso de Ano Novo, foi habilidosamente esquecido, desprezado ou pior ainda, escamoteado por uma ambiciosa política eleitoralista. Introduziu o conceito betoneiro que hoje a generalidade dos portugueses tem do sistema político. Foi a áurea época do malbaratar de fundos com autoestradas de e para nenhures. Foi o forte investimento no futuro dos salões de manicuras, massagens e tingimento capilar. Consistiu também na descoberta das delícias caseiras do jacuzzi, jeeps e três ou quatro telemóveis por cabeça. O "crédito fácil" que hoje é tão criticado, nasceu auspiciosamente há duas décadas.
O gravíssimo problema para alguns, consiste no desagradável e inultrapassável pormenor técnico, da boa memória de substancial parte da população. Há vinte e poucos anos, poucos se preocupavam com a competitividade das empresas, cientes do eterno recurso à desvalorização da moeda. Mantinha-se assim o vício da exportação barata, de má qualidade e sem valor acrescentado que era suficiente para a gestão dos negócios correntes. Isto diz-lhe alguma coisa, senhor professor?
Há vinte e poucos anos, iniciou-se a desregrada espiral de forte endividamento - para o consumo -, concertado com a banca estrangeira. Tem disto notícia, senhor professor?
Há vinte e pouco anos, deu-se um forte impulso á venda do património imobiliário, industrial e de serviços aos estrangeiros. Lembra-se do ano de 1989, em que um estudo dava a própria Av. da Liberdade como propriedade quase exclusiva de estrangeiros? Quem governava então o país, senhor professor?
Há vinte e poucos anos, acelerou-se a louca depredação das áreas metropolitanas do continente, com a construção de infectos subúrbios de betão, sem valor e esquecendo a qualidade de vida e que são hoje, meros cenários para a marginalidade. O saudar de 2009 com tiros de armas automáticas, irmana Chelas (Lisboa leste) a Jenin, Beirute ou Kirkuk. Ouviu o tiroteio, senhor professor? O país ouviu e registou com supremo enfado essa similitude.
Há vinte e poucos anos, o Estado - que como bem sabe sempre foi fundamental apoio às sucessivas tentativas de industrialização -, não parecia muito preocupado em proceder a uma decidida política de atracção de capitais e investimentos que modernizassem a nossa indústria, agricultura, comércio e transportes marítimos. Nada se fez, vivendo-se sob o esmagador peso do El Dorado propiciado pelos fundos estruturais europeus. Tem uma ideia destes problemas, senhor professor?
Agora, algumas perguntas de cariz construtivo e que por si apontam um caminho possível:
1. Como pode V. Exa. esperar uma estratégia política portuguesa extra-fronteiras, com o actual e absoluto investimento na ideia fátua da UE a todo o transe, esquecendo o enorme potencial dos nossos mercados tradicionais no ultramar?
2. Como pode V. Exa. esperar agilizar a coordenação entre os órgãos de soberania, quando estes mesmos sobrevivem mercê da inter-conflitualidade? Quando V. Exa. pede para se deixarem de lado as querelas, não é isto um autêntico ataque suicida ao V. próprio cargo?
3. Como pode V. Exa. esperar um bom exemplo pela exigência, quando a instituição que titula é um verdadeiro poço de estéril despesismo, onde a proliferação de parques automóveis, mordomias a título de "ajudas de custo", assessores boys & girls, emula o que se passa nos outros sectores da governação que tanto critica? Tem uma ideia da diferença de "lista civil" entre aquela que o Palácio de Belém aufere e a que se destina à Zarzuela, por exemplo? Para não falar mesmo de Buckingham? Diz bem, quando apela ao exemplo a dar.
Muito mais há para questionar e continuaremos a fazê-lo. Contudo, a ambicionada saída desta crise que não é apenas económica ou financeira, tornou-se para muitos óbvia.
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Os tiranos abominam os reis, que lhes lembram a sua insignificância passageira, mas raramente se atrevem tocar-lhes. Só nós, portugueses - ou antes, "eles", os tais que tinham 5% em 1910 - quiseram resolver o destino do país matando o Rei na praça pública. Ou seja, neste particular, os republicanos portugueses excederam largamente o atrevimento homicida da Junta Militar birmanesa.