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Aprendizes de Houdini: a II república fantasma

por Nuno Castelo-Branco, em 07.01.09

 Hoje foi uma das cíclicas noites em que o Dr. Mário Soares nos deu a conhecer os seus pontos de vista acerca deste mundo em permanente evolução. Não nos manifestando acerca das suas respeitáveis visões quanto á política internacional, sempre volátil, registámos com agrado  o recurso á prestidigitação de que é reconhecido perito nacional. Desta vez, o tema foi aparentemente casual, digamos quase um encarte que chega muito a propósito. As últimas certezas do rápido processo de liquefação do solo presidencial que prenuncia violento terramoto institucional, suscita urgentes manobras de distracção de uma opinião pública mais atenta que nunca. Assim, o Dr. Mário Soares, homem com reconhecidos méritos no jogo político de marcação de posições, decidiu trilhar o conhecido caminho do reescrever da História que paradoxalmente foi apanágio daqueles seus feros inimigos que em caso de desgraçado sucesso de intenções, provavelmente lhe teriam reservado a inglória sorte de ser o "Masaryk português".

 

A república do Estado Novo, conseguiu  incomodar opositores - os náufragos da demagogia de 1910-26 - e apoiantes que não queriam ser conotados, sob o epíteto generalizador de república, aos predecessores que abominavam. Desta forma, o Estado Novo surge numa espécie de limbo capaz de criar todo o tipo de ilusões e espectativas. No entanto, um simples retirar da máscara de conveniência, descobre  um conhecido busto semi-desnudo ao gosto da nossa tardia art nouveau das duas primeiras dácadas do século XX: a república.

 

Desengane-se o Sr. Dr. Mário Soares. Hoje em dia, o citado reescrever da História, os retoques nas fotografias oficiais ou a simples sonegação ou queima de documentos, pouco valem. Há um saber adquirido e transmitido através de gerações e essas mesmas fotos, resmas de Diários da República, feriados do regime republicano (5 de Outubro, 28 de Maio e finalmente, o 25 de Abril) e símbolos, muito símbolos, comprovam a verdade que aí está, incómoda para alguns, mas inabalável: o Estado Novo foi de jure e de facto a 2ª república.

 

Podemos mesmo dizer que o regime implantado pela minoria que a tiro de canhão e coacção física e moral se alçou ao poder, foi iniludivelmente consolidado por esse Estado Novo, essa 2ª república hoje tão negregada por quem muito lhe deve: os republicanos.

 

O grande sonho da burguesia fare niente e frequentadora dos clubes da época, sonhava com uma república "à francesa", burguesamente ciosa dos privilégios e inamovível nos seus convictos preconceitos. Uma república ordeira, com as contas em dia, o império garantido pela outrora odiada Albion e sobretudo, centralizando em Lisboa - a única verdadeira cidade do país de então -, a decisão sobre o conjunto nacional. Malbaratadas todas as hipóteses em aberto pela violência coerciva dos "revolucionários" de 10, Salazar acabou por oferecer essa redenção verde-escarlate. Nunca A Portuguesa foi tão exaustivamente tocada e cantada. Nunca o controverso pendão foi impingido até à saciedade a todos os lares, edifícios públicos, páginas de livros escolares e pasme-se, glorificado no verde da camisa da Mocidade Portuguesa. O presidente da república, na 1ª ferozmente chicoteado alternadamente por apoiantes e adversários de partido - as actas parlamentares são um delírio de baixezas de todos os tipos -, passou na 2ª república, a ser considerado como uma espécie de fetiche de acalmia de paixões, o avô venerando que todos guardava, enfarpelado numa farda que dera as provas (que se conhecem...) na longínqua rectaguarda da frente de combate da Flandres. Os generais promovidos a marechais d'honneur, muito à francesa como convinha e os almirantes a puxar os galões de duvidosos herdeiros de Gamas e Salvadores Correias, preencheram o cargo outrora ocupado por pobres pachiças sem panache, fossem eles o Bernardino das intrigas, ou o Almeida dos dichotes truculentos.  Salazar deu dignidade à coisa. O presidente era reverenciado, abriam-se alas à sua chegada e a Guarda Nacional Republicana tocava fanfarras. Era o Chefe do Estado, o Senhor Presidente da República, fulano ou sicrano de tal. 

 

Nos bolsos, o Bilhete de Identidade, comprovando a cidadania da República Portuguesa. Nos mastros, a flâmula da Carbonária, sem qualquer alteração visível. No timbre, o mesmo escudo com a "bola mais as quinas e castelos", cercadas pelo mesmo matagal imitando louro ou folhas de oliveira (?). Na sede da PIDE, lá esvoaçava o verde e vermelho e  lá estava a foto dos dois Senhores Presidentes - o do Conselho e o da República - e no prolixo articulado normativo em que os juristas portugueses e seus apêndices beneditinos são especialistas,  continuou proscrita até aos dias de hoje, a apresentação pública da bandeira azul e branca à sombra da qual se desenharam as fronteiras da nossa razão de ser: os países dos PALOP e da CPLP. Proibida durante a 1ª república dos caceteiros do Costa e proibida durante a 2ª república, dos mesmos trauliteiros formigas brancas, pressurosamente recauchutados como perfeitos sucedâneos.

 

O período de vigência da Monarquia, conheceu as fases que coincidiram sempre com a evolução dos tempos no espaço europeu e nem por isso, os historiadores alguma vez diferenciaram a denominação genérica do regime, fosse aquele que entre nós construiu a pátria na Idade Média, aquele que a alargou nos Descobrimentos, ou que restaurou Portugal em 1640 e em 1808-10, estendendo-se no tempo até ao século, o vigésimo da era cristã,  que a quase todos portugueses dos nossos dias viu nascer: era a Monarquia. Ninguém contesta esta verdade.

 

O Dr. Mário Soares sente-se incomodado com a própria palavra república que entre nós tem vários significados e entre estes, o mais relevante é certamente o mais desprestigiante.  Homem inteligente como é, o Dr. Mário Soares, devia cair de joelhos e agradecer aos céus aquela 2ª república que publicamente parece enxotar como varejeira danada. Foi essa dita 2º que consolidou o seu regime, ou melhor, forma de representação do Estado que o guindou à suprema magistratura. Sem a estabilização da instituição propiciada pela forçada calma imposta por Salazar, a Monarquia teria regressado mais cedo ou mais tarde, pois era o único lembrete de abertura de espírito e de liberdade que gerações de portugueses tinham conhecido. A Monarquia significava a paz e a representatividade erguida como Lei. O Dr. Mário Soares sabe-o tão bem como nós. Se o Estado Novo não tivesse existido - essa repudiada mas verdadeira 2ª república - o Senhor Doutor teria provavelmente sido primeiro-ministro de um neto de D. Carlos e de D. Amélia. E isso ter-lhe-ia facilitado a tarefa, pois o país seria em 1974, muito diferente daquele que conheceu. Não tenhamos dúvidas. É a verdade, clara, inequívoca e implacável. Esta é a 3ª república. Esperemos poder dizer, a última.

 

 

publicado às 01:43


3 comentários

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De Cristina Ribeiro a 07.01.2009 às 07:18

Profícua, a leitura deste excelente texto, Nuno; mais uma vez se prova: o regime nascido com o 28 de Maio teria feito um bom serviço aos portugueses se, reposta a ordem, desfeito o lamaçal que a todos enlameava,tivesse restituído as coisas à normalidade, podendo assim retomar-se a senda ordeira mas democrática delineada por D. Carlos,coadjuvado por ministros como a " pessoa de bem "- como foi chamado por Fontes de Melo- que foi João Franco.
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De Ricardo Gomes Silva a 07.01.2009 às 08:54

Este recurso constante ao "mestre carbonário" par fundador da 3º versão da anarquia verde-rubro é lamentável

Ao fim de 100 anos a República ainda precisa de vir ao público explicar o que é ou não a Republica, como se a História das Nações tivesse dogmas ou o regime fosse uma religião e o Dr. Soares um "ex-Papa"

bem haja
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De editor69 a 07.01.2009 às 16:30

Viva o Grande Timoneiro...
Pai dos Povos...
Grande Lider...
Pai Fundador...
e mais titulos que o homem merece!

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