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90 anos da Monarquia do Norte

por Nuno Castelo-Branco, em 26.01.09

 

Muito a propósito da lembrança aqui deixada pelo João Pedro, seria interessante um estudo acerca da evolução da história portuguesa no século XX, no caso de ter vingado a restauração da monarquia em 1919. 

 

A  proclamação da monarquia no Porto (23-1-1919),  consistiu no epílogo dos acontecimentos despoletados pelo período dito sidonista, no qual a esmagadora maioria da população se revia, na sua profunda ânsia de paz, progresso e segurança. Ainda hoje a época surge como um factor de apaixonada discussão que é mais própria do âmbito da luta e da propaganda política, que da imparcial análise histórica dos eventos ocorridos e dos inerentes pressupostos ideológicos. O que foi o sidonismo? Torna-se difícil uma plena explicação que dirima toda a controvérsia que o tema implica. Não tendo um programa de acção que não fosse a ordem e a acalmia após o avassalador vendaval "democrático" do costismo, a chamada República Nova concitou o apoio conservador e pela primeira vez desde João Franco, o supremo dirigente do Estado colheu a quase unanimidade dos poderes de facto - a indústria, o comércio, as profissões liberais -, e simultaneamente surgia diante das massas, como a espada redentora de um país esmagado e humilhado pela prepotência demagógica do regime do 5 de Outubro de 1910. Sidónio foi popular e tanto os monárquicos - força poderosa onde se susteve -, como o próprio rei D. Manuel II, compreenderam as imensas possibilidades que a situação propiciava para uma natural evolução do regime em direcção a uma nova monarquia. 

 

Paradas, banquetes, inaugurações, conferências e actos de claro cariz populista, consistiram afinal, no cerne  do período em causa e durante um ano, Portugal considerou a república velha como coisa exautorada, morta e passada. Foi o tempo de todas as ilusões.

 

O assassinato de Sidónio criou uma situação insustentável de indefinição, pois o regime era o próprio homem, como os factos viriam a comprovar. A única força verdadeiramente influente sobre o qual assentava, era, para além do exército, a causa monárquica no seu sentido mais lato.  O grave problema consistiu nas clivagens internas que na altura já ruidosamente se verificavam, dada a visível cisão legitimista em torno do Integralismo, exactamente no momento em que decorrida meia década desde o consócio do rei com Augusta Vitória de Hohenzollern, o ramo liberal parecia condenado a entender-se com os seus primos banidos em 1834. De facto, os Integralistas não souberam nem quiseram aguardar a natural evolução dos acontecimentos e os prejuízos causados  às fortes hipóteses da instauração da monarquia, foram sem dúvida fatais. De nada serviu o precedente histórico do chambordismo que aconselhava a concentração de esforços e sobretudo, o saber esperar. O rei via-se desautorizado, quando as próprias forças armadas pareciam dispostas a essa aguardada outra monarquia, com uma Constituição que adequasse o poderes real aos novos tempos, garantindo-lhe a dispensa de envolvimento na organização do jogo político, indesmentível facto que originara o descalabro dos últimos anos do reinado de D. Carlos. A Carta Constitucional obrigava o monarca a essa activa participação na organização de governos e maiorias parlamentares, levando a que a frágil e volátil opinião pública, frequentemente o acusasse de comprometimento com o partido rotativo então no exercício do Conselho de Ministros. Curiosamente, muitos são os testemunhos acerca dessa disponibilidade das forças armadas em "engolir" - na saborosa expressão da condessa de Mangualde - a nova monarquia de D. Manuel II, mas a empresa era inequivocamente difícil. Difícil, porque tal pressupunha em primeiro lugar, a disciplina dentro da causa monárquica, dirimindo-se as divergências, em prol do interesse primeiro: evitar o regresso do costismo e da "república velha". Trabalho de Hércules, este, pois os sectores radicais estavam seguros do seu porvir como força hegemónica, tanto em Portugal, como noutros países europeus saídos da Grande Guerra. O conflito aniquilara a antiga Europa da Belle Époque e no continente apavorado com a bestialidade leninista profusamente relatada por refugiados e pela imprensa, parecia chegada a hora de novos condottieri. Os Freikorps na Alemanha, os Arditi italianos e os ímpetos totalitários apregoados por d'Annunzio, pressagiavam essa nova ordem emergente. Horthy esmagava a ditadura bolchevista de Bela Khun e na Baviera Kurt Eisner desaparecia de cena, tendo o mesmo fatal destino de Liebknecht e Rosa Luxemburgo. 

 

Os Integralistas não cederam e pressionaram, ao mesmo tempo que desta forma se evidenciava aos olhos da ansiosa opinião pública nacional, a profunda divisão dos monárquicos. O desrespeito pela figura do monarca que se vira apoiado e reconhecido pelo seu próprio primo D. Miguel (II), foi sem qualquer sofisma, um claro indício do fracasso ou dificuldade de uma breve restauração da bandeira azul-branca, ela própria contestada por uma parte dos defensores do realismo. Foi esta a tragédia que fez perder a Restauração.  As Forças Armadas e os seus comandos, pretendiam antes de tudo, a necessária ordem que possibilitasse a calma interna, a reorganização da economia, a preservação do Império e a normalidade do dia a dia. Eram, tal como hoje, uma força  conservadora, decorridos os anos de conflituosidade interna devido à participação de muitos dos seus elementos na guerrilha partidária e ao desastroso desempenho na Grande Guerra. Os militares quiseram apresentar-se como a reserva da nação e é neste momento que se inicia a marcha que conduziria anos depois, ao 28 de Maio de 1926.  Como poderiam então apoiar decisivamente um movimento já por si dividido? É certo que o próprio Chefe de Estado de recurso, o almirante Canto e Castro, era um reconhecido monárquico, fiel a D. Manuel II. O problema residia então, na impossibilidade de uma acção concertada iniciada pelas forças civis e logo secundadas pelo impaciente exército. 

 

Conhecem-se os consecutivos eventos que tendo início na feliz restauração no Porto - com grande regozijo popular -, foram evoluindo ao longo das semanas de duração do movimento, para a fragilização do mesmo e insucesso final. Falta de organização, descoordenação entre os Centros Monárquicos e as forças armadas, lutas intestinas, a ausência de um atractivo programa de saneamento da vida pública e sobretudo, a constante improvisação de medidas que pretendiam consolidar a nova situação, eis as causas do desastre.

 

Para grande desespero do rei que bem aconselhara a uma plena organização e conjugação de esforços, adiou-se sine die qualquer hipótese de regresso de Portugal às suas instituições históricas e naturais. Pior que tudo, a derrota dos sublevados implicou para cúmulo da infelicidade, o retorno da "república velha", facto cujas funestas consequências Portugal ainda hoje sofre. Desdita ainda evidente nas mentalidades e na hodierna total ausência do sentido do dever e do interesse colectivo. Aprendamos com a História. Para que não se repita.

publicado às 22:17


3 comentários

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De Cristina Ribeiro a 26.01.2009 às 23:29

Não, não se aprendeu nada: as divergências entre monárquicos aí estão...
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De Nuno Castelo-Branco a 26.01.2009 às 23:54

Nada de impossível de resolver. Há 90 anos foi bem pior. Hoje, as divergências são aparentes e sem grande base conflituosa. Digo, dos monárquicos que nada têm que ver com maluquices relativas a toponímias algarvias ou pior ainda, à máfia calabresa/siciliana.
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De Margarida Pereira a 27.01.2009 às 00:23

O Nuno a arrasar...
Eu sempre amei História, mas aqui é... de entontecer...
Beijos, amigos!

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