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A comunicação do sr. primeiro-ministro ao país, trouxe uma novidade antiga de mais de um século. Durante muitas décadas, quem ousasse sugerir a existência de poderes ocultos que manobravam a seu bel-prazer a opinião pública e simultaneamente criassem factos políticos susceptíveis de perturbar a normalidade instituída, era de imediato remetido ao silêncio : "atrasado mental", lunático, tarado, troglodita, idiota chapado, obscurantista, "profundamente imbecil"..., eis alguns mimos reservados ao potencial denunciante. Forma dissuasora ou preventiva de conformação de consciências, inibe a manifestação pública da estranheza pela ocorrência de episódios suspeitos ou da visibilidade de indícios comprometedores.
O misteriosamente desaparecido processo do Regicídio, consiste num daqueles enigmas da História que ao invés do Triângulo das Bermudas, não encontra qualquer explicação plausível, a não ser a oportuna intervenção da misteriosa e poderosa "mão oculta" que furta à justiça os elementos necessários à formal acusação dos implicados no crime. Os conluios, as fugas aos juramentos pronunciados em sede própria, revelaram um rasto conducente a conhecidas figuras de então e que hoje, de forma bastante sintomática, têm os seus nomes exibidos em estátuas e placas toponímicas. A fuga da informação - as juras de nada valem diante da vaidade de alguns homúnculos -, possibilitaram senão a formal acusação, pelo menos um interiorizado sentimento de conhecimento dos responsáveis morais e materiais. A responsabilidade moral torna-se assim, tão pesada quanto aquela assumida - de forma infinitamente mais corajosa, diga-se - por aqueles que empunharam as armas. Os mandantes, os poderosos que compraram consciências, adquiriram as pistolas e as carabinas, organizaram as campanhas negras de difamação na imprensa e nos panfletos de rua, conceberam o crime até ao pormenor. Quem se indignou e manifestou a repulsa pelo crime lesa-pátria, foi remetido ao silêncio. O natural medo de perseguições, a fraqueza perante a prepotência dos bem instalados, a desonrosa e escandalosa indiferença de quem zelava pela ordem pública e legitimidade constitucional - polícia e forças armadas -, fizeram o resto.
Processo ainda em aberto, o do Regicídio poderia hoje ser trazido à barra do Tribunal da História, como uma catarse indicadora de novos tempos, onde a independência da justiça, o primado da Lei e a simples decência cidadã, se sobrepusessem ao egoísmo, desenfreada ambição ou a negregada e estrutural maldade de alguns homens. Há que vasculhar as gavetas de velhos armários ministeriais. Há que esperar um rebate da consciência de quem sabe onde se encontra pelo menos um dos exemplares do Processo. Mortos, enterrados e esquecidos os directos responsáveis pelo crime, a reabertura do Processo reconciliaria os portugueses com uma justiça que se quer sã e imparcial. Mas será isto possível?
Afinal existem, os inexistentes poderes ocultos...