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Em tempos de aperto financeiro, todos os governos procuram oferecer a uma opinião pública naturalmente descontente, a possibilidade de encontrar bodes expiatórios que pela sua existência, justifiquem atitudes de força. Se há uns dois anos teve início o "ciclo ASAE", com todo o seu cortejo de parvoíces, abusos de julgamento, prepotência e exagero fiscalizador, hoje a parada subiu. Não se procura extorquir os dinheiritos amealhados pela venda de sandes, pastéis de nata ou de pataniscas mais ou menos gordurosas. Todos recordamos os idiotas argumentos invocados em prol da saúde pública - as tais pataniscas, bifanas, sandes de coirato e afins -, enquanto as cadeias de fast food, McDonald's, Pizzas Hutt's, Burger King's, Kentucky Fried Chicken's etc, proliferavam, envenenando avós, pais e filhos. É que estas empresas pertencem aos tais conglomerados adstritos a interesses financeiros com ramificações na indústria alimentar e até farmacêutica. Não convinha molestar quem mais podia e que até condicionava a acção dos Estados através dos grupos políticos, lobbies, etc.
As actividades de índole financeira sempre me foram absolutamente estranhas e delas tenho aquela desconfiança própria dos ignorantes e provincianos, que sempre preferiram traduzir os preços para o velho Escudo, pagar com moedas ou notas e jamais proceder a compras através da internet. Os canais Bloomberg, SIC Economia, CBS ou a leitura de jornais económicos, jamais auferiram da minha atenção por mais de dois aborrecidos minutos. Não me interessam, nem deles quero saber, pois bem sei para o que existem e quem servem. Prefiro ver pela enésima vez o conhecido filme de Scorsese.
O que julgo perfeitamente intrigante, é esta súbita raiva contra um certo produto do sistema que sustenta quem manda e que dá pelo nome de off-shores. Evidentemente, a fuga anual ao fisco de triliões de euros, dólares, ienes, yuans ou libras, consiste num grave atentado à segurança e paz interna de qualquer sociedade do mundo civilizado, pois cerceia fatalmente os recursos com que os Estados contam para garantir a escolaridade, saúde, cultura ou defesa. Desta forma e como princípio geral, sou contra a existência deste chamados paraísos fiscais, os ditos off-shores. No entanto, algumas questões devem ser colocadas, no que respeita à razão da existência dos mesmos. Os factores do seu surgimento deverão ser múltiplos, desde a simples ganância e egoísmo de alguns, até à lavagem de dinheiro sujo do narcotráfico, comércio ilegal de bens - sejam eles diamantes, armas, marfins e carne branca -, passando pelo natural desejo de eximir a um Estado tentacular, uma parte substancial de património familiar adquirido ao longo de gerações.
Após mais de uma década de finaceirismo político - e em Portugal este tem início nos tempos finais do governo de Soares e chegou até aos nossos dias -, eis agora o apelo ao neo-keynesianismo de recordação rooseveltiana, como convém. Tal como nos anos 30, estamos perante um caminho que foi trilhado pelos senhores FDR, Hitler, Mussolini e Salazar, procurando os governos substituir-se a uma iniciativa privada que mercê da inconsciência da manipulação de uma economia virtual, desabituou-se à sua natural função de criar riqueza material, visível e que aproveita aos povos e à civilização.
Os governos acicatam as gentes contra os imaginariamente fabulosos off-shores. Têm assim um meio ideal para acalmar a comunidade revoltada, prometendo moralizar no sentido de uma participação de todos no contributo necessário para a edificação de sociedades mais justas e equitativas. No entanto, deveremos interrogar-nos acerca de algumas daquelas causas que fizeram proliferar os ditos paraísos fiscais, situem-se eles na Madeira, Ilhas Caimão, Gibraltar, Ilha de Man, Jersey, Guernesey ou Principado do Liechstenstein.
O Estado arroga-se ao direito de suceder aos seus próprios súbditos, ultrapassando quinhão dos herdeiros directos de um falecido. Quantas pequenas propriedades, quantos despojos de jóias, quadros, móveis e até pequenas colecções não tiveram que ir a leilão, pela impossibilidade dos herdeiros - por vezes numerosos - pagarem a taxa de talião imposta pelo Estado? Com que direito? Quem compra uma casa, sabe bem que jamais será completamente sua, pois às taxas inerentes à aquisição, deverá juntar impostos anuais camarários e de património, para chegada a hora da morte, o mesmo Estado ainda ser o maior herdeiro do pobre espólio que deixa aos filhos. Incrível e verdadeiro. Um roubo descarado, uma revoltante vergonha para todos nós que com ela condescendemos.
Estamos todos de acordo - já o governo de João Franco o propunha - na taxação progressiva, desde que isso não signifique o desencorajamento dos agentes económicos. Sem economia onde o lucro seja uma realidade, não existirá vontade de criar, inovar ou vencer dificuldades. É a base essencial sobre a qual assenta a democracia, tal como a concebemos. Mas os Estados vêm agora anunciar a necessidade de terminar com os paraísos fiscais. Estamos todos de acordo, até porque o terrorismo, a infecção social da tóxico-dependência, o mercenarismo, o tráfico de influências, o contrabando e roubo de arte, ou o desvio de fundos, são males que prejudicam a credibilidade de todas as sociedades onde se verifica ou não, a existência de graves disparidades sociais. Em compensação e pela exigência de equidade, o Estado deverá ser o primeiro a dar o exemplo, eximindo-se de vez à infernal tentação controleira sobre tudo e todos. O Estado é um péssimo pagador - há mesmo quem lhe chame vulgar caloteiro e vigarista sem escrúpulos -, sonega colossais somas em impostos directos e indirectos, exime a vontade de investir, criar e de arriscar. O Estado usa e abusa dos recursos que são de todos, premiando muitos que beneficiam do confortável lugar obtido através dos mesmos interesses, tráfico de influências, cunhas e compadrios que são atribuídos aos ditos off-shores. O dinheiro público é normalmente desperdiçado em megalómanas "obras de prestígio" e de duvidosa racionalidade e em sumptuária que apenas bafeja alguns. As empresas são forçadas a pagar em avanço - por conta, diz-se...-, sendo descapitalizadas, passadas a pente fino e tudo isto, sem qualquer nítida intenção moralizadora ou conforme as regras da boa gestão. Os policias a quem cabe a manutenção da segurança e ordem públicas, são reduzidos a serventuários em part-time das repartições de finanças, usando da imaginação mais rebuscada para autuar na estrada ou pior ainda, proceder às desagradáveis e brutais penhoras que esvaziam casas e liquidam negócios de subsistência familiar. O que interessa é a colecta, seja ela feita através de todas as ASAE, polícias camarárias, de trânsito ou guardas fiscais a que se possa recorrer para a escabrosa tarefa. Importa manter o Leviatã estatal e as frotas de limusinas blindadas, as contas de telemóveis a 7.000 Euros/por pessoa ministerial, os cartões de crédito para as despesas de representação, a infinidade de comissões de estudos e de instalação, etc.
Quem fez bons negócios, quem obteve grandes mais valias através da colocação no mercado de produtos de qualidade que prestigiam um país e ajudam no crescimento do PIB e na balança de pagamentos, deve poder usar o seu dinheiro como bem lhe aprouver. Se por aí ainda existirem uns liliputianos Alfredos da Silva, todos teremos a ganhar. Se pelo contrário, o novo-rico pretender instalar na sua miamisada vivenda, dez jaccuzzis, duas piscinas e ter 4 Jeep's na sua garagem, paciência, não passa de um possidónio. O dinheiro é dele e terá apenas que pagar a respectiva taxa de luxo no acto da compra. Não pode é ser perseguido por isso, como se de um assassino se tratasse, até porque quando paga as citadas taxas na aquisição, está a contribuir directamente para o tesouro público. Desta forma, o novo-rico poderá ter então o mesmíssimo direito de questionar o Estado, acerca das frotas automóveis de luxo - que os ministros ou administradores de empresas públicas compram depois por valores irrisórios ao fim de pouco tempo de uso -, os cartões de crédito de representação, as viagens em primeira classe, estadias em hotéis de cinco estrelas, assessorias, os autocarros pagos com dinheiros públicos para o "comício ou congresso do partido", as poltronas de 5.000 euros para os gabinetes do Estado, o recebimento de comissões e outras habilidades mais.
Finalizando, colocar a descoberto os off-shores, criará uma nova visão mundo, onde as actividades de algumas dúzias de vigaristas e criminosos de delito comum - quantas surpresas teremos! -, não serão decerto suficientes para ocultar à estupefacção da maioria, as contas de homens públicos "de bem", de partidos, fundações beneméritas, governos de respeitadíssimos países e tudo isto, a par de umas pequenas vivendas, ou de dois ou três andares na periferia, pequeno património a deixar aos filhos. Agora, os Estados assumem demagogicamente o jogo perigoso e um recurso político que como fatal boomerang, acabará por atingir quem de forma oportunista o arremessa quando lhe é conveniente.