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(Mural datado de 1975. Fotografia de Henrique Matos picada daqui)
Por estes dias, foi-me dito que o Estado Sentido é por algumas pessoas visto como um blog de "fássistas". Já não é a primeira nem a segunda vez que me dizem que por aí se diz à boca cheia que somos "fássistas". Não que eu tenha quaisquer problemas com o epíteto, já estou habituado a que me chamem "fássista", mas há qualquer coisa de muito errado na sociedade portuguesa no que diz respeito à ciência política, mesmo naqueles que deveriam perceber alguma coisa dessa. É que, logo para começar, nunca houve fascismo em Portugal - façam lá favor de se despir de preconceitos, toda a gente sabe que há por aí muitos "anti-fascistas" porque assim lhes convém para continuar nas graças do regime cuja legitimidade ainda em grande parte se baseia na luta "anti-fascista" (não se preocupem em arranjar algo melhor e depois admirem-se se isto cair de podre) e procurem ser intelectualmente honestos e academicamente rigorosos, é ler as obras do Professor Jaime Nogueira Pinto, ou para aqueles que preferem os estrangeiros, é ler The Anatomy of Fascism de Robert Paxton. Nunca poderei é sequer pegar numa obra que para aí anda sob o título de O nosso século é fascista porque o seu autor não saberá sequer o que é o fascismo.
No que à minha pessoa diz respeito, e porque falar de fascismo em Portugal é falar de Salazar, permitam-me uma breve nota esclarecedora. Nunca escondi a minha admiração por Salazar, muito pelo contrário, é pública e tem-me muitas vezes granjeado o tal epíteto de “fássista”, o que, tendo em consideração o meu sentido de humor e gosto pela ironia, tem uma certa piada e dá-me um certo gozo em muitas situações, até porque quem me lê e/ou conhece bem, sabe que sou um ferrenho adepto da liberdade de expressão, logo nunca poderia ser fascista. Sendo um estudante de Relações Internacionais e tendo como uma das minhas áreas de estudo preferenciais a Política Externa, julgo, ter algum sentido de Estado (daí o trocadilho do nome do blog, que inicialmente era para se chamar mesmo Sentido de Estado), coisa que vai faltando a grande parte das elites políticas cancerosas do actual regime e que Salazar tinha para dar e vender. Aliando-se esse sentido de estado de Salazar a um tremendo pragmatismo, cálculo realista e execução eficaz em matéria de Política Externa, bem como a um génio financeiro que permitiu sanear e colocar ordem nas finanças públicas e restante aparelho estatal português, parece-me apenas normal considerar Salazar como um grande estadista.
Agora, Salazar era tudo menos fascista, era um tradicionalista, conservador, integrista que pretendia manter a população calma, contrariamente à excitação que o fascismo advoga se provoque nas massas, e ainda que tenha utilizado instrumentos emprestados de regimes fascistas, como a censura e a repressão que, obviamente, porque sou um humanista, um liberal e politicamente incorrecto, me repugnam e repudio veementemente, foi o próprio Salazar quem reprimiu os que realmente eram fascistas, os nacionais-sindicalistas de Rolão Preto.
Basta atentar em dois breves parágrafos da obra de Paxton (Penguin Books, 2005) para perceber o que aqui escrevo:
The Estado Novo of Portugal differed from fascism even more profoundly than Franco’s Spain. Salazar was, in effect, the dictator of Portugal, but he preferred a passive public and a limited state where social power remained in the hands of the Church, the army, and the big landowners. Dr. Salazar actually suppressed an indigenous Portuguese fascist movement, National Syndicalism, accusing it of “exaltation” of youth, the cult of force through so-called direct action, the principle of superiority of state political power in social life, the propensity for organizing the masses behind a political leader” – not a bad description of fascism.” (p. 217)
Fascism may be defined as a form of political behavior marked by obsessive preoccupation with community decline, humiliation, or victim-hood and by compensatory cults of unity, energy, and purity, in which a mass-based party of committed nationalist militants, working in uneasy but effective collaboration with traditional elites, abandons democratic liberties and pursues with redemptive violence and without ethical or legal restraints goals of internal cleansing and external expansion. (p. 218)
Apenas admiro Salazar por aquilo que teve de bom, assim como o repudio por aquilo que teve de mau, ou seja, a repressão, a censura, a PIDE e o tal resistir aos ventos da história, portanto, praticamente tudo aquilo que se passou no pós-II Guerra Mundial. E não deixa de ser curioso o culto a Salazar nos últimos anos, os imensos livros que utilizam o seu nome para vender, livros como um recente em que até se diz que Salazar afinal era maçon.
Ora, na sociedade portuguesa criou-se o mito de que qualquer coisa que mexa à direita é automaticamente fascista. Seria o mesmo que eu ser intelectualmente desonesto e achar que tudo aquilo que mexe à esquerda é comunista, que é precisamente o outro totalitarismo do século XX que a par com o fascismo e nazismo vitimou milhões de pessoas, ideologias essas completamente incompatíveis com a prática da democracia liberal, da qual sou acérrimo defensor e simultaneamente crítico para com as imperfeições desta. E como há tempos me disse um professor meu, o espírito lusitano não é compatível nem com a prática do fascismo nem com a prática do comunismo real. Tentem implementar um regime assente em qualquer uma dessas ideologias e logo verão a reacção dos portugueses.
No que a este blog diz respeito, não se pratica a censura (moderação de comentários), não temos uma linha editorial, sempre fomos um projecto despretensioso e em que cada qual está à vontade para falar do que bem lhe aprouver, apenas sendo responsável pelas suas opiniões aquele que as expressa, temos pessoas de esquerda, de direita, monárquicos, republicanos, católicos, agnósticos, liberais, conservadores, liberais-conservadores e pessoas que não se revêem sequer em qualquer destes rótulos. Digam-me, haverá blog mais plural na blogosfera lusa?
O Estado Sentido tem vindo a crescer em número de visitas e consequentemente em termos de âmbito de intervenção, o que muito temos a agradecer aos nossos amigos, leitores e comentadores. Parece que isso anda a chatear muita gente, uns que nos devem achar muito liberais, outros que nos devem achar muito conservadores, e à maior parte dos quais deverá fazer uma confusão tremenda a maior parte das coisas que escrevemos por aqui com pontos de vista tão diferentes, mas será que não encontram nada mais original para nos denegrir? Até porque, bad publicity is always good publicity, mas "fássistas" já está um pouco ultrapassado. Dou prémio a quem conseguir propor o epíteto mais original!
É pena que muita gente só consiga ver o mundo a preto e branco, um mundo em que aqueles que não se enquadram nos rótulos vigentes causam confusão nessas pessoas, um mundo em que os que são acérrimos defensores da liberdade de expressão e preferem caminhar no seu próprio caminho individual são vistos com desconfiança, um mundo em que há uma crescente falta de correspondência entre o conteúdo dos conceitos e os contextos em que são aplicados, para além de uma total falta de autenticidade e honestidade intelectual. Perdoai-lhes Senhor que eles não sabem o que dizem.