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Traição contínua

por João Pedro, em 26.03.09
As linhas do Corgo (Régua a Vila Real) e do Tâmega (Livração a Amarante) estão encerradas "por tempo indeterminado" desde ontem à noite, numa ordem dada em cima da hora pela administração da Refer que, em segredo, acordou com a CP um serviço de substituição rodoviário. O motivo oficial é a reabilitação daquelas linhas, mas a empresa não tem qualquer calendarização para iniciar os trabalhos, não dispõe dos projectos para tal e não abriu qualquer concurso público.

Ontem à noite, o maquinista da automotora que costuma ficar na estação de Vila Real recebeu ordens para a trazer de volta à Régua antes da meia-noite, numa operação que faz recordar a forma como há 16 anos encerrou a linha do Tua (entre Mirandela e Bragança) com as composições a regressarem vazias durante a noite para evitar a contestação das populações.

O PÚBLICO apurou que a Refer e a CP preparavam esta operação há já alguns meses, mas decidiram não a divulgar, preferindo fazê-lo em cima da hora. Ontem, às 21h, os sites das duas empresas não traziam ainda qualquer informação sobre esta suspensão. A ordem apanhou de surpresa os ferroviários da estação da Régua e da Livração que, subitamente, ficaram a saber que hoje já não haveria comboios para Vila Real e Amarante. Para a CP, que também omitiu estas alterações aos seus clientes, esta situação é vantajosa visto que o serviço é deficitário e poupa agora no combustível e no desgaste das composições, com a vantagem de ser a Refer a pagar os autocarros de substituição
.
 
Mais uma prova da absoluto desrespeito da CP e da REFER pelos seus utentes, uma atitude que se está progressivamente a tornar rotineira. Depois de encerramentos contínuos de inúmeros troços de linha férrea, desde o fabuloso Sabor até vários percursos alentejanos, e quando se prepara, embora ainda não o admita, para eliminar a linha do Tua, um património único na Europa, a notícia da "suspensão" das linhas do Tâmega e do Corgo caiu que nem uma bomba entre os habituais utilizadores. Pela calada da noite, como quaisquer vulgares bandoleiros, aqueles que tinham obrigação de velar pelos caminhos de ferro acabaram com eles num ápice. A história da "suspensão indeterminada" é truque velho, demasiado datado para que alguém acredite, fora os desonestos.

 

 
 
Enquanto isso, discute-se o traçado do TGV, se entra em Lisboa pelo Norte ou pelo Sul, se passa ou não no aeroporto, se vai a Vigo ou a Ayamonte. O TGV é um dos Bezerros de Ouro do regime, tal como o EURO 2004 era "o desígnio nacional". Promete o futuro radioso à mão de semear por meros 40 Euros, depois de milhares de hectares expropriados, incontáveis discussões e projectos, milhões de Euros gastos nisto tudo e nas inevitáveis derrapagens.

 


 

E o ambiente, as energias renováveis, o cumprimento dos protocolos de redução das emissões de CO2, tudo alardeado com ar beatífico e de aluno cumpridor, quando o interior e o miolo das grandes cidades se esvazia inexoravelmente para os subúrbios dos blocos de betão de má qualidade decorados a marquises ensebadas no meio de campos semi-agrícolas. Para isso, constroem-se barragens concessionadas previamente à EDP, que podiam ser evitadas caso se aumentasse a potência de outras, destruindo-se património humano e natural, com a falsa promessa de que vão atrair turismo e emprego (isto é, construção civil), quando na realidade apenas "secam" tudo à sua volta, quais eucaliptais.


 

 As linhas férreas foram uma forma de vencer as barreiras entre o litoral e o interior, penetrar nas serranias e nos planaltos, quebrar o isolamento de populações desde tempos imemoriais confinados ao seu horizonte montanhoso. Um projecto ambicioso, levado a cabo desde o Fontismo até aos últimos anos da Monarquia, em que os Reis iam pessoalmente à inauguração destes novos troços que mudaram o país para melhor, fosse no Carregado ou nas Pedras Salgadas. Agora, a república em que vivemos resolve unilateralmente e por interposta empresa pública acabar com meios de transporte, que além de ligarem populações carentes de outros meios de comunicação, eram já um património histórico testemunhando a vontade intrépida de ultrapassar obstáculos, como o haviam sido os Descobrimentos e o Douro vinhateiro. A isto tudo a CP obedece sem pestanejar, traindo o compromisso com os seus utentes, continuando a prestar-lhes maus serviços pelos mesmos preços sem sequer ouvir-lhes as queixas (o Intercidades não tem serviço de bar há seis meses). É bem o exemplo do que não deve ser uma empresa pública. Infelizmente, é a regra, e não a excepção.

 


 

Ainda me posso dar por feliz por ter conhecido a linha do Corgo, mesmo que amputada da sua metade até Chaves. Tinha planos para conhecer as do Tâmega e do Tua, mas infelizmente essas esperanças goram-se agora. Já não poderei conhecer essas velhas composições, as paisagens únicas que atravessam, nem os rostos das pessoas traídas pelos seus governantes, para quem não passam de pormenores do seu feudo de "progresso" e inimputabilidade.

 
PS: ver igualmente na Origem das Espécies
 

(Publicado em simultâneo n ´ A Ágora)

publicado às 14:31


12 comentários

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De john a 26.03.2009 às 15:15

Caro João,

não sei em que Intercidades viaja, mas no percurso Faro - Lisboa-Oriente, continua a existir serviço de bar. Aliás, mais de metade das viagens que faço são no bar, por falta de lugares, portanto sou cliente (no Domingo passado foi a última vez).

Quanto ao resto, concordo praticamente com tudo (também tenho um texto na calha sobre o assunto). Nunca viajei de comboio pelo Norte - tenho bastante pena, acredite - mas é sempre triste ver linhas de comboio a encerrar. É uma machadada no progresso do país, esse país que no Alentejo encerrou o ramal de Pias mas quer dar-nos um TGV até Madrid, como se o TGV alguma vez fosse competitivo com as companhias low-cost que da Portela a Barajas fazem viagens (ida e volta) por 70 euros, ou menos. Ao menos assim teremos mais uma forma de fugirmos daqui.

O único detalhe que me suscita algumas reservas é o da monarquia. Tem razão no que diz a respeito dos projectos e das inaugurações reais, mas não acho que o problema seja, em si, da república enquanto regime político. O problema está mesmo nos dirigentes desta república, nas elites, e nos portugueses em geral.

Saudações.
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De João Pedro a 26.03.2009 às 16:00

Caro John , confesso que me referia ao Intercidades Porto-Lisboa (que também se estende a Braga e a Guimarães), que há seis meses não tem esse serviço, e não tomei em conta o do Algarve , onde só viajei uma vez; agradeço-lhe o esclarecimento.

A comparação entre a monarquia e a república deve-se à sensação de que esta última não só não tem uma visão de conjunto para o futuro do país, limitando-se às obras ou encerramentos do momento, (exceptuando os elefantes brancos cujos erros anteriores bem deviam servir de lição), como não tem o enor respeito pelo património e as heranças do passado, que além do mais ainda conservam toda a sua utilidade prática, como as linhas de comboio. Neste ponto, reconheço que o monarquia constitucional também teve os seus desrespeitos patrimoniais.

Esqueci-me de referir outra autêntica sacanice: é o argumento de que há poucos utentes quando criam horários absolutamente estapafúrdios, que não servem À maior parte das pessoas. E depois há todo o desleixo voluntário com as linhas para virem com a eterna "falta de segurança". Lembra aqueles que se roubam a si mesmos para receber o valor do seguro.
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De john a 26.03.2009 às 16:37

Esqueci-me de referir outra autêntica sacanice: é o argumento de que há poucos utentes quando criam horários absolutamente estapafúrdios, que não servem À maior parte das pessoas. E depois há todo o desleixo voluntário com as linhas para virem com a eterna "falta de segurança". Lembra aqueles que se roubam a si mesmos para receber o valor do seguro.

Esse é o truque lá do Alentejo: lixam-se os horários (perdoe a expressão) até que ninguém use o comboio, para depois se encerrar o serviço argumentando falta de utilização.


A comparação entre a monarquia e a república deve-se à sensação de que esta última não só não tem uma visão de conjunto para o futuro do país, limitando-se às obras ou encerramentos do momento, (exceptuando os elefantes brancos cujos erros anteriores bem deviam servir de lição), como não tem o enor respeito pelo património e as heranças do passado, que além do mais ainda conservam toda a sua utilidade prática, como as linhas de comboio. Neste ponto, reconheço que o monarquia constitucional também teve os seus desrespeitos patrimoniais.


Concedo que a Monarquia, pelas suas características naturais, tenha maior consideração pelo património, digamos assim. Pessoalmente, não me considero nem monárquico nem republicano, na medida em que conheço bons (e maus) exemplos dos dois regimes. O importante é a democracia. O problema português não está tanto no regime, mas nas pessoas. Em quem nos tem (des)governado. Se o João quiser, naqueles que nós temos deixado que nos (des)governem.

(...)confesso que me referia ao Intercidades Porto-Lisboa (que também se estende a Braga e a Guimarães), que há seis meses não tem esse serviço(...)

O João, pela sua rica saúde, não me diga uma coisa dessas, que eu amanhã vou para Aveiro. Intercidades sem serviço de bar? Acho que o meu jantar à beira da ria vai ser passado a fazer o rascunho da reclamação à CP...

Abraço.
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De Nuno Castelo-Branco a 26.03.2009 às 16:45

Para não ser o "chato do costume", apenas digo que urge criar um certo estado de espírito. Para que algo mude, vão ao fundo da questão. É preciso que as pessoas notem!
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De john a 26.03.2009 às 17:36

"O chato do costume"? Não diga uma coisa dessas, caro Nuno.

Concordo consigo: é necessário "ir ao fundo da questão". De muitas questões. Sim, é necessário que "as pessoas notem". Elas até notam, creio. Estão é a tornar-se indiferentes, o que me parece ser ainda pior. Tem toda a razão: "urge criar um certo estado de espírito". Parece-me a mim é que esse "estado de espírito" está como o bar do Intercidades Lisboa-Porto: temporariamente suspenso.

Desviando-me um pouco dos carris deste belo texto do João: pessoalmente, não seria de todo desfavorável a uma mudança para monarquia. Não sei se isso resolveria todos os problemas do país (duvido), mas seria sempre uma mudança. Por esse motivo, se a questão fosse a referendo, muito provavelmente votaria favoravelmente. O que não falta na Europa são monarquias constitucionais prósperas (para não gastar mais o exemplo do Reino Unido, fico-me pela Dinamarca, país que muito estimo).

Mas uma dúvida: tenho ideia de ter apanhado há tempos, na televisão, alguém a dizer que, caso fosse restaurada a monarquia em Portugal, D. Duarte de Bragança não poderia ser rei - creio que o motivo para isso estava relacionado ainda com as divisões entre D. Miguel e D. Pedro, e os resultados da guerra civil. Não tenho, todavia, isto muito presente, dado que não prestei ao programa a atenção devida. Consegue esclarecer-me um pouco mais sobre o assunto?

Cumprimentos.
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De Nuno Castelo-Branco a 26.03.2009 às 18:33

Acho que consigo e é muito fácil. Antigamente, os hospitais para malucos estavam cheios de Napoleões. Hoje há quem se julgue isto e aquilo, mais nada. Não existe qualquer divisão D. Pedro/D. Miguel, porque o próprio D. Duarte, ao descender dos dois, resolveu a questão. Há coisas que não podem oferecer dúvidas, como por exemplo, a questão da sucessão que é tão clara e conforme as normas vigentes na monarquia, que nem sequer me dou ao trabalho de ler outros argumentos. Seria o mesmo de no momento da morte de um primo seu, do qual o John fosse o parente mais próximo, surgisse um primo em quinquagésimo grau a reivindicar a "herança". para não falar de fulanos que se dizem "aclamáveis" por terem COMPRADO o "direito" a uma criatura que pretendeu ser a Anna Anderson portuguesa. maluquices...
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De john a 26.03.2009 às 20:27

Hehe. Obrigado pelo esclarecimento.

Continue(m) a boa bloga por aqui. Dá gosto passar por cá :)
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De João Pedro a 26.03.2009 às 16:59

Nesse caso, só digo que mais vale ir preprando a reclamação. Ah, sabe o que é que os serviços dizem à laia de desculpa? A mesma expressão utilizada para o fecho das linhas: "o serviço de bar está temporariamente suspenso".
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De john a 26.03.2009 às 17:38

Estou bem arranjado... enfim, que se há-de fazer? Se acontecer amanhã, a ver se faço a reclamação, e a divulgo lá no meu jardim.

Cumprimentos, caro "homónimo" :)
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De Silvia Vermelho a 26.03.2009 às 17:52

João Pedro, ainda não tinha tido oportunidade de lhe desejar as boas-vindas, de modo que aqui o faço agora : )
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De João Pedro a 26.03.2009 às 22:07

Agradecimentos para o Venetto, Sílva.
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De Cristina Ribeiro a 26.03.2009 às 21:41

Esta é uma daquelas alturas em que gostaria- muito - de saber dizer " Vergonha " em todas as línguas...
Esses comboios tão nosso património...

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