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O ciclo da esquerda

por João Pedro, em 31.03.09

 

Entre as ligações que o Samuel faz saltou-me à vista o texto de João Marques de Almeida, com o título "O Mundo não vai virar à esquerda", como resposta a um artigo do Público de Domingo da outra semana, que perguntava precisamente se o mundo virara à esquerda.


 

Em princípio, assim parece. Na Casa Branca Obama promete uma nova relação do Estado com as pessoas e uma maior regulação das instituições financeiras – os recentes casos dos violentos sermões aos gestores da AIG são disso um bom exemplo. Na América do Sul, o Brasil, a Argentina, o Chile e o Uruguai têm governos de esquerda moderada, enquanto que a Bolívia, o Equador, a Nicarágua e agora o Paraguai são regidos por uma esquerda mais radical, com a Venezuela à frente. Também no El Salvador a esquerda acaba de derrubar a ARENA, que há vinte anos estava no poder. No México, o populista PRI (cuja classificação ideológica é ambígua, enquadrando-se mais no "extremo centro") ameaça voltar ao poder. Isto sem falar em Cuba.
Já na Europa, até os governos de direita de países como a França, a Alemanha, a Itália e a Grécia tiveram de intervir mais na economia.



 

As excepções contam-se pelos dedos, mas também as há. No Chile, por exemplo, a direita está à frente das intenções de voto, com o esvaziamento do estigma Pinochet. E mais casos haverá. Mas ainda não se percebeu bem se é um reflexo da crise financeira e económica que se abateu sobre o Mundo e a rejeição do liberalismo outrora triunfante ou se se trata de um novo ciclo para vários anos, mais estrutural que conjuntural.
 

É bem provável que a segunda hipótese esteja mais próxima da verdade. O momento lembra, e o artigo do Público também, o início dos anos oitenta, pela sua inversão, quando Tatcher e Reagan ascenderam ao poder por muitos anos, ao mesmo tempo que outras figuras tão diferentes de direita, como Khol ou mesmo a nossa "modesta" AD, ao passo que na América Latina predominavam os ditadores militares anti-comunistas, com o beneplácito dos EUA. E, tal como agora, a França ia em sentido contrário, dando uma forte maioria a uma coligação de socialistas e comunistas e elegendo Miterrand para a presidência.

 

 

As diferenças estruturais viam-se no modelo económico - mais estatista em fins dos anos setenta, mas liberal agora - e sociológico, aqui mais nos Estados Unidos. Mas Revolução Conservadora iniciada por Reagan, com a conquista do Midwest e das classes médias, parece ser um modelo esgotado. Os fracassos da Administração Bush e do seu Compassionate Conservatism e a crise assustaram os americanos e empurraram-nos para os braços dos liberals.


Não significa isto que os Estados Unidos virem "socialistas". Tal não aconteceu na presidência de Clinton e nem sequer nos tempos do New Deal. Há coisas que fazem parte do código genético americano e que jamais desaparecerão. Uma certa independência dos poderes federais e um característico Do it Yourself são parte constitutiva desses genes. Mas as loucuras de Wall Street e o optimismo do mercado levaram a uma mudança de atitude. E é preciso não esquecer que o Congresso já tinha maioria Democrata desde 2006. Mais do que uma mudança abrupta, há algo de simbólico na ascensão de Obama à Presidência, que é a marca do fim desses trinta anos de conservadorismo.

 

Mas é verdade que não havia um domínio direitista absoluto do mundo, nem sequer ocidental. Mais depressa se verificava uma derrota da esquerda mais radical, com a queda do Pacto de Varsóvia e da URSS e a conversão da China em potência capitalista, e a conversão da esquerda moderada sob a forma da Terceira Via, protagonizada pelo New Labour de Blair e o abandono de uma política de nacionalizações e de apoio nos sindicatos. O que se verifica agora é mais uma derrota de várias direitas (e mais um abandono do modelo liberal, para que volte dentro de anos) e o consequente predomínio da esquerda em sua substituição. Um ciclo definitivo? Só para os entusiasmados do momento, que quando as suas facções ganham adquirem ou reforçam uma visão determinista das coisas. Continuará a haver ciclos consoante as circunstâncias e os acontecimentos favoreçam esta ou aqueloutra ideologia. Mas não tenhamos dúvida de que nos próximos tempos será sobretudo a esquerda a mostrar-se triunfante.

 

publicado às 18:42


1 comentário

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De Nuno Castelo-Branco a 31.03.2009 às 21:38

Tudo isto é bastante bizarro. Por exemplo, o PS de hoje é inacreditavelmente parecido com o CDS dos tempos de Freitas do Amaral e de Adelino Amaro da Costa. Creio é que o mundo virou bastante à direita e até o próprio PC hoje fala de democracia, eleições, sector privado. Evoluções...

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