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Esta nossa política nacional é sempre servida com o efeito de duche escocês. Se os órgãos de comunicação empanturram a opinião pública com notícias de cariz genericamente escandaloso, o ministério público, os bastonários das mais diversas ordens ou tagarelas procuradores que melhor fariam em permanecer calados, contradizem-se, causam a confusão, desmentem, confirmam ou mentem. Dir-se-ia existir um secreto conluio para o lançamento do bambúrrio e caos que inibam a análise dos factos. Ainda os casos não subiram à barra dos tribunais e o almejado descrédito conseguiu-se no meio de grande barulheira, desacreditando todo o sistema. Fazem-nos invariavelmente recordar a história do mentiroso que pedia socorro sem razão haver para tal e que de tanto gritar, um dia viu-se em apuros sem que vivalma o acudisse. É esta a situação destes dias onde a indiferença conquistou o país. Dias de perigo iminente.
A política nacional é desinteressante e mesquinha, sem sequer merecer a chancela de corriqueira, coisa que confirmaria a normalidade dos organismos bem enraizados e que vivem da gestão corrente. Pelo contrário, vivemos segundo padrões estabelecidos por um nivelamento por baixo e tão chão, que os telejornais se tornaram numa montra de notícias de rodapé de folha informativa de âmbito aldeão. As evidentes mentiras assumidas diante de todos - que afinal são mesmo dez milhões de parvos - , o reescrever de factos antigos e bem conhecidos, o arrogante desperdício e exercício da inveja mais vergonhosa - leiam o post do Miguel -, a pobreza de espírito, o não saber dizer nem fazer, enfim, o Estado que temos, levam muitos portugueses a entreter-se com outras coisas.
Estive umas longas horas em agradável conversa com o João, um amigo de Moçambique e que lá voltou a residir. Questionei-o acerca de aspectos da cidade e embora conhecendo de antemão as respostas, não me canso de as ouvir repetidas, num exercício que talvez se aproxime daqueles que na primária éramos obrigados a praticar no quadro de ardósia, devido a um qualquer castigo. É sempre um prazer confirmar coisas que não mudaram nem são de previsível alteração. De forma um tanto egoísta, com alguma satisfação reconheço que a escassez de meios financeiros de certos países, proporciona a involuntária e inconsciente - deles, os que lá ficaram - preservação de um passado do qual um dia fizemos parte.
Falou-me demoradamente acerca da grande bairro da Polana, a zona onde sempre residimos em Lourenço Marques. A nossa casa, na antiga Avenida Princesa Patrícia 1208, lá está, tal e qual como nos anos sessenta. Pelo que me disse, miraculosamente intacta e bem conservada. Fiquei a pensar na gente que hoje habitará o local que ainda agora conseguiria percorrer de olhos vendados. Sei que periodicamente ainda repinta de verde o portão de entrada do jardim que mantém a plantação de orelhas de elefante e cactos, como no nosso tempo. Nada mudou no pátio das traseiras onde desajeitadamente batíamos bolas contra uma alta parede, imitando os nossos pais no squash para adultos. Ainda lá está e espantosamente, há hoje quem continue a fazer exactamente o mesmo, sendo bem visíveis as marcas naquele muro já sem cor. É a única explicação que encontro para aquelas manchas, porque não é possível que ao fim de quase quatro décadas, ainda sejam o mudo testemunho de quem um dia deu alguma importância àquela alvenaria. O único aspecto descuidado é o quintal das traseiras, hoje transformado num pequeno baldio coberto com uma mata de altas ervas, sendo mesmo impossível a ele aceder pelo portão das traseiras. No entanto, os locatários salvam as aparências, cuidando do acesso principal, aquele que recebe as visitas.
Os passeios continuam naquele resistente cimento riscado em quadrados perfeitamente simétricos que a Câmara Municipal de Lourenço Marques tão bem sabia manter. As acácias de flor vermelha naturalmente seguem o ciclo do atapetamento decorativo da rua e não será difícil imaginar os miúdos de hoje a brincar, tal como nós fizemos, com aquela espécie de catanas vegetais que destas árvores caiem e que alternam as funções de espadas ou instrumentos musicais, pois as sementes no interior chocalham à vontade ou talento rítmico dos habilidosos.
Há coisas que não mudam porque obedecem às leis da natureza ou aos sempre iguais caprichos do bicho homem. Surgem apenas outros rostos e diferentes nomes. Alguns que durante tanto tempo conhecemos e se familiarizaram, esfumaram-se involuntariamente, separados por uma história na qual não tiveram qualquer influência. Ficam as fotos e isso já é alguma coisa. Em certos momentos, são muito mais importantes que a crise dos nossos bolsos e da política deles.
* Na foto: em primeiro plano, o Miguel. No segundo plano, eu, o João e a Tiki (a Angela estava para nascer). Afagando o grupo, o cozinheiro, protector e dedicado amigo Bernardo. O que lhe terá sucedido?
Acácia