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Há já algum tempo que se tem implementado no meio intelectual e político do país uma necessidade de redefinição dos partidos políticos e da sua ideologia. Tenho lido com especial atenção as crónicas do Professor Rosas, no jornal i, sobre a necessidade de a Direita reocupar o seu espaço conservador e abandonar o neo-liberalismo.
Não deixa de me ocorrer que um professor de Teoria Política possa ter teorias sobre política ideologicamente marcadas. O mesmo movimento definidor, desta vez vindo da Direita, também não me parece inocentemente feito. Há como que a construção de uma realidade sintética, desfasada da realidade política do país, a vontade de construir a oposição política que se queria. Em alguns escritos recentes, desenvolvi a teoria de que o CDS nunca será um partido conservador como o UK Conservative Party. Talvez porque o conservadorismo católico nunca conseguirá atingir os níveis de pluralismo que o conservadorismo protestante, ou simplesmente porque o conservadorismo anglo-saxónico é adepto de uma perspectiva pró – mercado e a faceta democrata – cristã do CDS, de influência alemã e estatizante, ainda esteja muito vincada no partido, a verdade é que mais depressa caminha o PS para o modelo de Terceira Via do Labour Party de Blair, apesar das várias resistências do velho socialismo do partido.
Assim, a má definição dos partidos e movimentos políticos portugueses deve-se, a meu ver, ao facto de procurarem justificar a sua agenda política (sempre a curto prazo) apropriando-se de uma doutrina, e depois usar os seus “cientistas” políticos para definir a doutrina seguida pelos outros.
No sentido contrário a esta tendência está o livro de Carlos Leone – “O Socialismo Nunca Existiu?” – que é um ensaio sobre a história das raízes do socialismo magnificamente bem conseguido. A pergunta que fica é a seguinte: Haverá um modelo a estudar e a seguir para expor o Liberalismo?
O Liberalismo é uma doutrina imanentista. A exaltação do princípio da liberdade transforma-o como opositor natural das teorias transcendentes do socialismo materialista e do sentido ultramontano de Estado da extrema-direita. Isto porque não versa nunca, nas suas várias obras e interpretações, sobre uma doutrina política per se. Groce define o Liberalismo como “concepção total do mundo e da realidade”, e centra-se na ideia de, através dos seus princípios – base, e “mercê da diversidade e da oposição das forças espirituais, aumentar e nobilitar continuamente a vida e lhe conferir o seu único e total significado”.
O Liberalismo, de tão denso, tão indefinido, tão promíscuo, chega a admitir a possibilidade de se negar a si próprio e Justificar as doutrinas que procuram o seu fim e aniquilação. De facto, o princípio da Liberdade, não raras vezes, degenera em situações de reacção contra essa mesma liberdade.
O Liberalismo aceita estes incidentes da vida da Sociedade. Ditaduras, Socialismo, Colectivização, na perspectiva de Groce, são caminhos para a Liberdade necessários, justificáveis pela mesma vontade de livre – arbítrio que o Liberalismo protege.
É claro que a doutrina Liberal de Groce é criticada por ser demasiado estática, por se limitar a ver ocorrer os acontecimentos do mundo, à espera de uma revolução Liberal que ocorra por uma qualquer boa – aventurança da dialéctica hegeliana. E que, ainda assim reinstalada na sociedade, aceite os perigos que outrora destruíram a Ordem Liberal.
Será isto uma definição de liberalismo prestável? É uma perspectiva filosófica, que é saudável de adoptar quando se estuda o Liberalismo. No entanto, não é a única.
Os Liberais não têm o Livro Único, o Livro Azul do Liberalismo. Nunca poderão ter. Haverá Liberalismo Político, Económico, haverá estudos sociológicos adeptos da visão liberal, haverá História que demonstre os benefícios da sociedade aberta e da economia de mercado, mas nunca o liberalismo será um modelo definido. Nunca se poderá dividi-lo, como Cardia dividiu o socialismo em socialismo de colectivização e de distribuição.
O Modelo Liberal, em cada Estado ou comunidade em que se aplique, terá sempre profundas raízes filosóficas que, ocasionalmente, anularão os seus efeitos ou a sua vontade. Porque a Ordem Liberal não tem vontade.
Não haverá um Liberalismo Português como houve o modelo do Socialismo Chileno de Allende, ou o Socialismo Cubano de Fidel. Todas estas soluções colectivistas partilham um background ideológico tão semelhante que só a ligeira diferença de métodos e resultados as diferencia. O Liberalismo preconizado em Portugal, ultimamente, tem vindo a clamar por uma alternativa liberal – conservadora, que preencha o fantasma ideológico do PSD. Nada impede que, no futuro, apareça em Portugal uma alternativa liberal – progressista (como parece ser o caso do Movimento Liberal – Social).
Hayek e Friedman discordam várias vezes. Herculano escarnece da suposta Ordem Liberal da sociedade à sua volta, mas, mantendo-se o único liberal e democrata português cuja ideologia está sedimentada filosoficamente, é também um defensor dos valores tradicionais e cristãos, que combateu duramente no seu passado.
Ayn Rand não tem na base da sua filosofia o mesmo egoísmo de Adam Smith. Thomas Paine não se sabe bem o que é, mas ele tem-se em conta de liberal. E se calhar, é porque o é.
Quando se perceber que é a realidade social que define, na sua quase totalidade, o modelo de Liberalismo a seguir, e não um grupo específico, haverá uma noção a seguir do Liberalismo por estas bandas. Entretanto, ficará o aviso de que essa noção, com o tempo, ficará desactualizada, tal como todas as noções que, dependentes da evolução da sociedade, se fiam demasiado na passividade dos tempos.