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A política internacional, desde sempre obedeceu a critérios que podem por vezes ser considerados como estranhos à conveniência de um certo momento. Ontem, o presidente Shimon Peres proferiu um desastroso discurso que ao invés daquilo que aparenta pretender, vem ajudar a causa de Khamenei e do seu títere Ahmadinejad.
Liberdade, democracia, fim da violência e direitos das mulheres, eis alguns dos pontos fundamentais da comunicação do presidente israelita, exactamente no momento em que o periclitante regime dos aiatolás aponta o dedo a claras "interferências externas" no incitamento a "terroristas, agentes desestabilizadores e traidores" infiltrados nas manifestações na capital iraniana. Peres não podia prestar um melhor serviço a Ahmadinejad, tornando-se simplesmente inacreditável que um discurso deste teor não fosse previamente analisado e avaliado quanto às possíveis consequências internas no Irão. Aparentemente, a Israel interessa a manutenção deste regime radical e odioso para um Ocidente sempre timorato face a ameaças proferidas por extremistas.
Israel desde sempre pretendeu ser o exclusivo peão de confiança do Ocidente naquela conturbada região. Na derradeira década do reformista reinado do Xá Mohamed Reza Pahlevi, a perspectiva de um Irão hegemónico e desfrutando da categoria de mais forte aliado dos EUA, fez com que Telavive temesse uma gradual perda de influência na política externa de Washington. As entrevistas do imperador a respeito da excessiva preponderância do lóbi pró-israelita nos EUA, a progressiva manifestação de autonomia persa na zona do Golfo, as reformas internas e uma acção mais activa e exigente no seio da OPEP, levaram a administração Carter a condescender quanto à hipótese da queda do regime, despoletando uma série de acontecimentos que os EUA não puderam controlar.
Não considerando ser credível uma iniciativa israelita que se furte à habitual e cuidadosa análise das conveniências e do simples bom sendo, é bem provável que este discurso de Peres sirva como um excelente argumento, ao crispar da reacção dos aiatolás face às manifestações de rua. Aos olhos dos seus pouco quantificáveis apoiantes, Ahmadinejad está carregado de razão. O Irão não é Portugal e o nacionalismo é ali cultivado como a razão de ser do próprio país, surgindo sempre o ameaçador espectro da teoria do cerco e da conspiração dos inimigos ansiosos por espoliar o velho império.