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(imagem "roubada" ao João Gonçalves)
O João Gonçalves, que tenho o hábito de ler diariamente, apesar do estilo de análise demasiado personalista e pouco holística, estrutural e abstracta em relação ao estado de coisas a que chegámos, mas que pelo corajoso e livre espírito que detém e que o tornam num exemplo de combate e resistência contra a dormência em que vivemos merece a maior das considerações, julga poder aferir-se o primitivismo dos portugueses pelo facto de 40% destes concordarem com a tortura como método de combate ao terrorismo.
Não sendo, obviamente, a favor da tortura indiscriminada sobre indivíduos inocentes ou sobre os quais não existem provas das acusações de envolvimento em actividades terroristas, e sabendo-se da existência de diversas Convenções sobre o tratamento deste tipo de suspeitos, Convenções essas que pouco mais fazem do que propagandear os Direitos Humanos - sem correspondência prática (sempre a falta de autenticidade e de correspondência entre o discurso e a prática de que fala o Professor Adriano Moreira) pois não há acordo sobre o que esses são e a haver um eventual acordo corre-se o risco de incrementar o que Robert Kagan considera como a constante ingerência nos assuntos internos de estados soberanos (O Regresso da História e o Fim dos Sonhos), eventualmente fazendo perigar a ordem mundial tal como já escrevi aqui, não deixando no entretanto de nos providenciar anedotas como esta -, não posso deixar de considerar que em determinados casos, e comprovado o envolvimento dos indivíduos em actividades terroristas, a tortura pode acabar por ser um método justificável e inclusive necessário in extremis. Só quem não está por dentro dos segredos de estado e da realidade pura e dura das questões de terrorismo internacional - eu obviamente não estou, mas sou um realista e pessimista antropológico no que diz respeito às relaçoes internacionais - pode considerar o contrário.
Barack Obama e o seu director da CIA, Leon Panetta, são a evidência mais crua de que a realidade se sobrepõe aos moralismos e idealismos, wishful thinking de um punhado de militantes e alegados arautos da bondade, muitos deles manipulando factos históricos a seu bel-prazer para esconder o que eram as fomes, gulags e campos de concentração, outros tantos defendendo o multiculturalismo mas só no que lhes interessa (bem de acordo com os seus double standards), acabando por defender oprimidos terroristas que, a título de exemplo, só querem exterminar uma nação inteira - é só atentar nas louçanadas bloquistas e de outros que tais que passam a vida a defender os simpáticos senhores do Hezbollah ou do Hamas.
A questão central deveria recair sobre o ónus da prova, isto é, efectivamente considerar-se que todo e qualquer indivíduo é inocente até prova em contrário, e não partir da presunção de culpa que parece ter constituido o mote da detenção de muitos dos prisioneiros em Guantanamo. É ainda necessário não deixar ao livre arbítrio de meros soldados a decisão sobre o recurso a métodos de tortura - o que se passou em Abu Ghraib é execrável e inqualificável -, e utilizá-los apenas quando se encontrem reunidas e verificadas determinadas condições restritas que garantam o carácter de excepcionalidade do recurso a estes métodos.
A vida não é um mar de rosas e a sociedade internacional muito menos. O Estado ainda detém o weberiano monopólio da violência legítima e possui como atribuição fulcral o providenciar a segurança aos seus cidadãos. Se isso implica recorrer a métodos de tortura para desmantelar células terroristas e evitar atentados que matam centenas ou milhares de inocentes (em analogia poder-se-á considerar tal como uma legítima defesa preemptiva) - leia-se Fareed Zakaria em O Mundo Pós-Americano explanar sobre a eficácia das medidas de combate ao terrorismo internacional no pós 11 de Setembro -, então eu prefiro continuar a ser um primitivo de acordo com o padrão de julgamento moral do João Gonçalves. No dia em que todos os seres humanos forem naturalmente bondosos, em que cristãos, judeus, muçulmanos, ateus e todos os povos do mundo convivam pacificamente entre si e não se prestem a atentar contra a vida de outros através de actos terroristas, serei o primeiro a opor-me ao recurso à tortura. Até lá, primitivo, pessimista e realista continuarei. Eu e mais umas quantas centenas de milhões de pessoas no planeta, Barack Obama incluido.