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O Tiago Moreira Ramalho, a respeito do que escrevi aqui e aqui, considera a lógica por mim utilizada como derivada do utilitarismo de Stuart Mill em que a acção moralmente certa é aquela que maximiza a felicidade para o maior número. E eu que nem sou adepto do utilitarismo, pelo contrário, até porque como mostrou Berlin a respeito de Helvétius, levado a um extremo lá caimos nós nos totalitarismos.
Começo pela noção de que a minha liberdade acaba onde começa a dos outros. Eu tenho o direito a viver e para tal performo diversas acções biológicas que garantem a minha sobrevivência, condição que me permite agir dentro da minha liberdade até ao limite da liberdade dos outros. Por outro lado, não tenho o direito a matar seja quem for em condições que Ayn Rand descreveria como "normais" para a existência do homem (vide "The Ethics of Emergencies" in The Virtue of Selfishness, New York, Signet, 1964, pp. 49-56 ). No entanto, consideremos condições que não normalmente não acontecem na vida de um indivíduo, uma ameaça explícita e directa à sua vida, que no nosso Código Civil se encontra plasmada no princípio da legítima defesa (Art.º 337.º), ou que ao nível do Direito Internacional Público se poderia considerar nos princípios de força maior (Art.º 23.º), perigo extremo (Art.º 24.º), ou estado de necessidade (Art.º 25.º) que constam do Projecto de Artigos sobre Responsabilidade dos Estados por Actos Ilícitos Internacionais - claro que se pode argumentar que as redes terroristas são descentralizadas e os actos terroristas não são promovidos por Estados, o que é obviamente resultado da complexa realidade internacional e multiplicidade de actores que agem na arena internacional.
O simples acto de eu viver não implica a maximização da minha felicidade mas tão simplesmente o garante da minha existência. Já entre as condições anormais que podem atentar contra a minha existência encontram-se os atentados terroristas, pelo que de acordo com Rand, sabendo que na minha escala hierárquica de valores se encontra a minha existência no topo dessa, não poderei sacrificar um interesse superior (a minha vida) por um interesse de valor menor (os interesses dos terroristas). E tal como eu enquanto indivíduo não o posso fazer, os indivíduos que agem enquanto representantes de um Estado também não o podem fazer mesmo que o acto seja imoral à luz daquilo que seriam as condições "normais", já que compete ao Estado garantir a segurança daqueles que lhe são confiados. Se um indivíduo ou grupo de indivíduos invade a esfera da minha liberdade e do meu direito à vida, não terei eu que forçosamente agir para evitar a minha morte ou de terceiros inocentes e também ameaçados?
E deixando de fora as questões sobre a origem do terrorismo ou como pode ser prevenido através de um maior diálogo, porque prefiro manter o foco da análise na questão da tortura, aqui fica uma aplicação prática enunciada por Seumas Miller, o argumento da Ticking Bomb:
1. There is a ticking time bomb that cannot be found or disarmed without information from the leader of the terrorist group
2. The bomb will cause catastrophic and long-term loss of life and damage to the city
3. The captured suspect is, in fact, the leader of the group
4. The captured suspect has vital information about the location of the bomb, but will not volunteer it
5. Torture is generally morally and legally prohibited
6. The captured suspect will surrender the information about the location of the bomb, in time to stop it, IF AND ONLY IF he is tortured
7. Therefore, the police are justified, morally (and legally?), if they choose to torture the terrorist to obtain the location of the ticking bomb.
É que podemos ficar pelo plano da teoria mas a dada altura poderemos ter que enfrentar uma situação prática. Não tenho a miníma dúvida que em caso de uma gravíssima ameaça terrorista ao nosso país, os agentes da autoridade fizessem tudo ao seu alcance para garantir a segurança dos cidadãos. Porque se eu não tenho direito de matar alguém, que direito têm os terroristas de nos matar? É o pressuposto de que a primeira acção imoral é protagonizada pelos terroristas e nos coloca num estado de emergência e necessidade que legitima a nossa acção normalmente imoral.
Tudo isto porque como assinala Robert Kagan em O Regresso da História e o Fim dos Sonhos (Lisboa, Casa das Letras, 2009, p.85), já Reinhold Niebuhr e muitos "outros realistas se debateram com a questão de que os fins morais muitas vezes não podem ser conseguidos sem recurso a acções que por si próprias poderiam ser consideradas de moralidade dúbia", e citando Niebuhr "Praticamos e devemos continuar a praticar acções moralmente arriscadas para preservar a nossa civilização" já que "ser virtuoso não é ser inocente".