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A nova censura

por Nuno Castelo-Branco, em 03.09.09

 

 

A liberdade de imprensa tem sido uma das pedras fundamentais da legitimidade do regime. A censura do famoso lápis azul, pareceu concitar a unanimidade de todos os sectores oposicionistas da 2ª república e nos anos subsequentes ao 25 de Novembro de 1975, existiu uma efectiva liberdade de imprensa, embora esta fosse reservada aos signatários do ameaçador pacto que o MFA obrigou a sociedade civil a aceitar como condição sine qua non.

 

Assumindo a verdade incontornável dos grupos económicos terem desempenhado a necessária função de investimento para a garantia da influência na opinião pública, assistiu-se a uma  apreciável pluralidade de publicações, desde A Rua de Manuel Maria Múrias, até aos abertamente comunistas O DiárioDiário de Lisboa. Embora o tom geral seguisse a quase obrigatória linha PS-PSD-PC-UDP conducente ao "socialismo da Constituição", assistia-se à influência que alguns jornalistas exerciam sobre os correspondentes sectores políticos. Por exemplo, seria hoje impensável a existência de uma Vera Lagoa que pelas arremetidas semanais em O Diabo trazia muitas dezenas de milhar de lisboetas à Avenida, manifestando-se no dia da Restauração de 1640. Um símbolo de resistência e de vitória sobre um PREC ainda bem presente na mente de todos, era olhada com o sobranceiro e auto-intelectualizado desdém pelos detentores da verdade daquele tempo, plasmada no eixo Expresso - O Jornal. Já o chamado centrão indicava a sua futura hegemonia nestes nossos dias, mas contemporizava fatalmente com os vencidos do pró-sovietismo que conquistara de assalto as redacções, editoras e casas de impressão. Quem não se recorda dos cortes ao subsídio do papel, ou da recusa da impressão, distribuição ou venda de alguns  periódicos? Estas operações silenciadoras consistiram numa outra forma de censura, contornando um preceituado constitucional tornado vazio de substância e pior ainda, transmitiam a mensagem da necessidade do silêncio de alguns para a consolidação da democracia emergente!

 

Agora e em véspera de eleições, deparamos quotidianamente com uma outra versão censória. Se a omissão do noticiário inconveniente é impossibilitada por este ou aquele agente com poder para impor o seu ponto de vista à audiência, procede-se a uma rápida mas cuidadosa cosmética que perpetue a opinião única, sintetizada nas duas facções daquele que afinal é o mesmo partido, o buraco negro PS-PSD. Os painéis de comentadores - surgem como politólogos - , apesar de apresentarem a priori nomes que formalmente chegam de díspares sectores "ideológicos", obedecem todos, muito estranhamente, a uma certa padronização no que respeita ao apontar da conveniência de certa política, ou melhor - e isto é o que está em causa -, dos homens a escolher para a sua aplicação. Julga-se inevitável a resignação ao mal menor. A contemporização para com o estado de coisas e a difícil escolha entre dois mesmos, obedece então à lógica que fará prevalecer aqueles que melhor posicionados estão para a outorga da necessária recompensa pela colaboração. É esta uma forma de censura como qualquer outra, embora embalada numa artificiosa diversidade que apenas serve para apontar um só caminho.  Torna-se este sonegar de notícias ainda mais grave, quando é evidente a absurda e acintosa intervenção que pretende coagir ou anular o princípio da separação de poderes, calendarizando o exercício daqueles, segundo a conveniência de uns tantos.

 

Consiste tudo isto,  na plena confirmação  dos velhos tiques autoritários herdados da república de 1910. Sendo impossível a destruição de jornais, o espancar de jornalistas e a censura prévia, o refinamento de processos confirma a adequação do modo ao tempo. Gente escolhida, perfeitamente industriada e paga. Nada de novo.

publicado às 18:43


4 comentários

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De Jorge a 04.09.2009 às 01:11

Caro Nuno, subscrevo na integra o que acima foi descrito e de facto hoje em dia a saudosa Vera Lagoa dificilmente sobreviveria editorialmente durante muito tempo. Em relação a este assunto queria apenas acrescentar uma outra dimensão, para além da questão da Liberdade. É a questão da influencia transnacional na politica interna, ou seja, o contornar do principio da não ingerência nos assuntos internos dos Estados. É agoraclaropara todos que a Prisa é um instrumento do governo socialista espanhol que está a fazer um "jeito" na lógica da internacional socialista ao nosso PS; é ainda claro que a negociata em que a PT/Zon há uns tempos s queria meter, tinha a anuencia de alguém. Em minha opiniaão estamos perante uma nova forma de branquear soluções e resolver problemas politicos de uma forma suja a tentar fazer das pessoas ignorantes, isto é, passar estas matérias para o sector privado e justifica-las no âmbito de "linhas editoriais" ou "opções estratégicas empresarias" escondendo o verdadeiro móbil politico... Estamos perante um novo ramo de estudo nas relações internacionais: os objectivos colaterais das organizações internacionais e as suas interacções com o novo sujeito do sistema internacional - as organizações transnacionais. O que me preocupa nao sao ests movimentos óbvios, mas sim aqueles que podem surgir quando os Estados mais ricos/poderosos perceberem que podem escolher governos e comandar paises mais pequenos à distância fazendo uso destes mecanismos e ainda para mais de forma legitima e legal. Vale a pena pensar nisto e analisar aos olhos do mundo em que vivemos...
Abraço
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De Ricardo Gomes Silva a 04.09.2009 às 02:02

Caro Nuno,

Discordo...desculpe mas discordo.
O jornal da sexta na TVI era um tipo de jornalismo que não constroi qualquer democracia...antes destroi-as

Eu lembro-me...talvez a maioria nem por isso dos livros e revistas que circulavam na década de 70....muitas seriam censuradas na melhor das Democracias!
Democracia não é vomitar palavras é falar e assumir a responsabilidade do que se diz...isso sim é jornalismo a sério.

A Manuela foi corrida porque hoje de manhã teve a lata de dizer que a Administração da TVI eram "um bando de estupidos"....e o resto fica para a revista que sai dentro do DN amanhã (sexta).
A mulher esqueceu-se de um facto essencial....que depende de um ordenado passado pelos tais "estupidos".

Um acto de reflexão seria suficiente para nada ter acontecido já que o cancelamento do programa foi na quinta de manhã (quando nada o fazia prever).

Mas como é vulgar, normal e curriqueiro nesta republica, ganha o debate quem mais palavrões e ofensas enviar oralmente ao adversário .A Manuela Moura Guedes não passava do produto mais puro de uma republica decadente, uma vulgar ordinária com direito a opinar sobre a integridade moral alheia.
D. Carlos teve de suportar legiões de "manuelas" em versão masculina (com bigode e cartola) e foi mesmo por não suportar o caminho que se estava a vislumbrar que veio mais tarde a ser classificado como anti-democrata.

A democracia não é palavrões, insultos, acusações sem fundamento, carnaval mediático e jornalismo de cordel

Voltaire afirmou certa vez que só é verdadeiramente livre que é dono do seu tempo...a Manuela não era e esqueceu-se, outros eram donos do seu tempo...e se calhar do que dizia.


bem haja
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De Joana a 04.09.2009 às 10:34

Concordo com o caro Ricardo. Sejam quais forem as investigações jornalísticas, sejam quais forem os visados, nada justifica o circo que se vivia na TVI. E não venham cá com conversas de que o Jornal da Moura Guedes era líder de audiências e blá, blá, blá, até porque, de um modo geral, programas campeões de audiências não têm qualidade. "Big Brothers" e afins são um bom exemplo de elevada audiência e qualidade nula. Estou, portanto, muito satisfeita que tenham dado um chega para lá na desbocada, petulante e mal-educada da Manela, assim como o estão muitos dos seus colegas jornalistas a quem essa senhora só tem envergonhado!
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De Nuno Castelo-Branco a 04.09.2009 às 15:07

Como devem ter reparado, nem sequer mencionei o caso da Manuela Moura Guedes. É claro que todos sabemos não existir a completa independência de uma comunicação social, aliás impossível devido ao próprio alinhamento político dos jornalistas. O que se torna deveras esquisito, é a evidente promiscuidade entre o poder, o poder económico, o poder judicial e a informação a veicular. A Manuela Moura Guedes fazia um tipo de jornalismo que como o Ricardo diz e bem, já é um velho conhecido de há mais de cem anos. No entanto, torna-se inegável a inconveniência do seu saneamento - porque é disso que se trata hoje -, quando tal coisa surge ligada a certos processos pendentes com a justiça. se em vez de uma personalidade pertencente à área política em questão, fosse, por exemplo, um Santana Lopes, Barroso ou Portas, teria existido a tal limpeza profissional? duvido muito.

O que agora se coloca, como o primeiro comentário oportunamente foca, é a intervenção dos espanhóis. Merece um curto post para hoje, sexta-feira. Nada é por acaso, não é?

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