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Já passou algum tempo, mas a notícia da morte de Thomas Harlan, em Outubro passado, num sanatório da Baviera onde já se encontrava há uns anos, só foi anunciada semanas depois e passou despercebida. O nome não será dos que mais facilmente virá à memória. Harlan era um realizador alemão, politicamente engajado na extrema-esquerda, que depois da 2º Guerra e de servir na Kriegsmarine, estudou em Paris e tornou-se amigo de Klaus Kinsky, mais tarde o actor fetiche de Werner Herzog. Viajou pela Polónia, atrás de nazis fugidos, por Itália e por inúmeros países, dentro e fora da Europa, onde colaborou com diversos movimentos de extrema-esquerda. Como tantos outros intelectuais esquerdistas, não perdeu a oportunidade de vir a Portugal em 1975 (na altura um destino turístico para activistas do gênero) para observar, estudar e filmar algumas acções mais simbólicas do PREC. Acabou por realizar um documentário sobre a ocupação das terras do Duque de Lafões, perto da Azambuja, por trabalhadores agrícolas, no processo de colectivização de latifúndios, documentário esse que ficou conhecido como Torre Bela, e que teve exibição comercial entre nós apenas em 2007. Na altura, algumas cenas de um realismo burlesco acabaram por ganhar alguma notoriedade, como a da "comprativa". A ocupação terminaria algum tempo depois, mas o filme tornar-se-ia um bom testemunho dos loucos meses do PREC. Porém, a notoriedade de Thomas Harlan não se fica pela sua obra ou militância. Esta será antes um complemento dos antecedentes familiares. O seu pai era também ele realizador de cinema. Mas ao passo que o filho era activista da extrema-esquerda, Veit Harlan terá sido o mais famoso cineasta do III Reich, a par de Leni Riefenstahl. A autora de O Triunfo da Vontade ficava com o quinhão onde se difundia a glória e superioridade da "raça ariana", enquanto Harlan se encarregava do cinema "negativo", ou seja, da propaganda contra as "raças inferiores", particularmente os judeus. Realizou o tristemente célebre Jud Süß, o expoente máximo do anti-semitismo filmado (todo esse processo foi narrado num filme alemão deste ano, que ignoro se terá distribuição comercial em Portugal, embora torça para que venha).
A família Harlan personifica os sentimentos radicais de duas gerações alemãs. A do pai aderiu ao Nacional-Socialismo e colocou-se à sua disposição, oferecendo os seus talentos na depuração anti-semita. O filho, que conviveu de perto com altas figuras nazis, escolheu a barricada do lado oposto, abraçou as causas de extrema-esquerda, como tantos outros da sua geração (e alguns da seguinte, que nos anos setenta revelavam "simpatia" pelo grupo terrorista de Baader-Meinhof), que combatiam os resquícios da ideologia dos pais, tentando desinfectar a Alemanha de qualquer rasto de nazismo, e faziam-no recorrendo por vezes à violência armada, ao crime e à traição. Não sei se antes algum avô combateu nas trincheiras da Iª Guerra, mas em todo o caso os Harlan, com uma geração de extrema-esquerda sucedendo a outra de extrema-direita, são a face trágica da Alemanha dos últimos oitenta anos. Um e outro corresponderam a respostas desesperadas às catástrofes sofridas pelo seu país por responsabilidade das gerações anteriores. Nenhum o conseguiu. Acabaram por se confundir com o que de mais violento e fanático havia nas respectivas épocas no seu país. A morte discreta de Thomas Harlan dá-se numa altura em que os excessos de violência urbana dos anos setenta contra a próspera República de Bona foram esquecidos, e em que a Alemanha volta a afirmar-se como potência política, para a qual todos se voltam, e não já só económica.
O cinema documental português está de boa saúde e recomenda-se. Depois de Ruínas chegou agora às salas Pare, Escute, Olhe, de Jorge Pelicano, que realizou anteriormente outra-longa metragem, Ainda Há Pastores, entre as serranias e as ovelhas da Serra da Estrela. Mas enquanto Ruínas era estático, este tem uma dinâmica muito própria. O filme, que ganhou o prémio de melhor documentário em longa metragem no DocLisboa de 2009, volta ao interior profundo, desta vez para revelar a morte lenta da Linha do Tua, desde o fecho do troço entre Mirandela e Bragança, em 1990, as atribulações e desesperos da população e as vacuidades do discurso político e das suas promessas. Faz-se uma cronologia desde os anos oitenta, em que o problema do fecho da linha se colocou, vê-se o habitual ardil das "suspensões nocturnas" sem aviso, ao ponto de se roubar as locomotivas. Passa-se em revista as promessas de desenvolvimento com barragens, os diálogos entre governantes e altos quadros de empresas públicas, discutindo betão, as contradições, a incúria e as tragédias ferroviárias, quando não as havia antes, os estratagemas para se diminuir o número de utentes do comboio, servindo assim de pretexto ao seu encerramento, a submissão dos representantes eleitos que se submetem aos interesses partidários em lugar de defender os locais. Pelo meio, o testemunho de um rio, de uma paisagem única, a junção de um património humano e natural únicos, ameaçados pela albufeira de uma barragem que não dará nem empregos nem desenvolvimento à região. E vê-se um povo entre o conformismo e a revolta. Nas conversas de café (como no surreal Lucky Luck), nas viagens na automotora, ou nas reuniões com os seus representantes, o trasmontano está lá bem plasmado: rude, directo, frontal, com alguma comicidade à mistura. Personagem transversal ao filme é o Sr. Abílio, antigo funcionário da CP, que goza os dias de velhice à sombra do apeadeiro de Ribeirinha, testemunha do caminho de ferro, do rio e do que se passa pela linha fora, não se fazendo de rogado a dizer o que pensa, por gestos ou palavras. Também a fotografia e os cenários naturais são magníficos, e há algumas cenas de antologia, como o discurso de Sócrates, falando no "desenvolvimento", quando atrás da sua imagem desfocada e rebaixada se vêm as escavadoras em movimento. contrapondo ao progresso do betão, usa-se mesmo a arma preferida dos seus apologistas: mostra-se o que se passa "lá fora", nos "países civilizados", em que o comboio é usado como meio de transporte e turístico, e faz-se a terrível comparação com o que se passa no Tua. O contraste é coisa para deixar todos os portugueses corados de vergonha. As minhas expectativas antes de ver Pare, Escute, Olhe eram razoáveis, mas fiquei agradavelmente surpreendido com esta obra melancólica, séria e irónica, tudo ao mesmo tempo. Além de ser um autêntico serviço público e de mostrar mais uma vez a tendência dos portugueses para abandonarem o que é seu em detrimento do que é "novo". Ainda está em exibição. É bom que o apanhem. Mais difícil será apanhar um comboio da linha do Tua. Mas quem sabe...
Há nas salas de cinema um ou outro filme que vale a pena ver. Mas o que diz mais à nossa memória colectiva é sem dúvida Ruínas, de Manuel Mozos, vencedor do último festival Doc Lisboa (infelizmente só em exibição no King, em Lisboa, e no Teatro do Campo alegre, no Porto). Talvez ganhasse alguma coisa se identificasse os lugares por onde passa, mas mesmo assim é precioso. Do Cemitério do Prado do Repouso até ao enorme sanatório das Penhas da Saúde, passando por estalagens abandonadas, pelo Douro e pelo restaurante panorâmico do alto de Monsanto, são os restos, outrora prestigiados, de um país que abandona as suas memórias e o seu património e troca o velho, ainda que mais interessante, pelo novo. Uma fatalidade que desde sempre percorreu este país, na sua ânsia de querer parecer moderno e igual ao que vinha "lá de fora". É o Portugal esquecido e ultrapassado, mas com traços físicos que fica para trás, ultrapassado por novos elementos passageiros, que se transformarão um dia, também eles, em ruínas.
Um impressionante texto da 3.ª parte da trilogia Matrix:
Porque não vi o filme, mas me arrisco a desgastar o CD, de tanto o ouvir.
(imagem picada daqui)
Depois de ter lido várias críticas - a que não ligo peva -, lá fui ver Avatar. Deixando de parte as interpretações filosóficas, antropológicas, politológicas ou de qualquer outra índole, diga-se apenas que é uma magnífica película. Argumento, interpretação, realização, efeitos, fotografia, banda sonora. Tudo, mesmo tudo, simplesmente soberbo.
Entre Fevereiro e Março passou discretamente pelas salas de cinema o filme de Maradona, do realizador/músico sérvio Emir Kusturica. O género estaria oficialmente dentro do documentário, mas na prática trata-se de um filme de propaganda, um pouco ao estilo de Michael Moore.
Kusturica, nacionalista sérvio, activista anti-independência do Kosovo e realizador de filmes memoráveis (particularmente nos anos noventa), tem-se dedicado mais nos últimos tempos à sua carreira com os No Smoking Orchestra, com a qual tem visitado Portugal regularmente. Não deixou contudo de desenvolver um projecto antigo, o de homenagear o ídolo dos argentinos e napolitanos, vencedor quase a solo do Mundial de futebol 1986 e tristemente caído nas malhas da cocaína, Diego Maradona. Para isso, deslocou-se várias vezes à Argentina, onde o esperava um ex-craque com o volume de um tonel, assistiu a ritos da igreja maradoniana, levou-o a Belgrado e não cessou de focar a sua "mensagem revolucionária". Um dos pontos altos do filme é aliás um comício de Hugo Chavez, com el pibe ao lado, como sempre meio louco, em que o presidente venezuelano brindou os assistentes com as suas habituais pantominices.
Já tenho resposta ao meu post de ontem: Andie McDowell apareceu mesmo em Vila Real, na homenagem do Douro Harvest Film, ainda que com uma hora de atraso. Disse-se "honrada pelo prémio" , que tinha "aprendido muito sobre Vinho do Porto" e que "havia muito que descobrir em Portugal". Generalidades, é certo, mas que não deixam de ser um forte impulso à região e aos eventos nela realizados. Deixo-lhe as minhas sinceras desculpas por duvidar da sua presença, esperando poder apresentá-las pessoalmente da próxima vez que Andie vier a Portugal
Não ia com grandes expectativas, por isso talvez tenha gostado bastante do filme, dá uma visão equilibrada e mais terra a terra da personagem de George W. Bush, o que é admirável vindo de Oliver Stone, normalmente conotado com a esquerda norte-americana. Desconhecia a faceta da permanente tentativa de Bush de demonstrar o seu valor ao pai, numa relação um pouco conflituosa, tendo ainda uma certa competição, com o próprio irmão, pelo reconhecimento do pai. Pelo meio lá vai mandando umas gaffes, nada de muito exagerado, e fica no ar uma certa ideia suspeita em relação a Karl Rove (personagem bem estranha), Cheney e Rumsfeld, enquanto Powell é retratado como o herói americano e Condi por outro lado aparece como uma personagem secundária, como uma espécie de carpideira, parecendo que está sempre pronta a chorar. Não deixem de ver, se puderem.
Um início fantástico que vai descendo a pique para uma película terrível. Extremamente mal conseguido, uma espécie de Guerra dos Mundos em que o inimigo é uma toxina espalhada pelo ar que leva as pessoas a suicidarem-se. Inicialmente pensa-se em ataque terrorista, depois acaba por se dar a entender que é um fenómeno proveniente da própria natureza, as plantas que se viram contra a humanidade e emitem as referidas toxinas. Enfim, 5 euros muito mal gastos, sem dúvida.