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A excelização da cultura

por João Pinto Bastos, em 16.01.14

O argumentário que tem por base a insuficiência do dinheiro tem, a miúdo,  uma larga precedência sobre os restantes argumentos utilizados no debate público, mais que não seja pelo facto de, como sói dizer-se, não se fazerem omeletas sem os indispensáveis ovos. Para que fique bem claro para o grosso dos leitores que me acompanham, não pertenço, como decerto já repararam, ao campo dos que preconizam o envolvimento do poder estadual em tudo o que gira em torno do sol, mas há, em certas circunstâncias e em certos contextos, excepções à regra. O caso dos 85 Miró em mãos do BPN é, a este respeito, um magnífico exemplo das sobreditas excepções à regra. Como foi extensamente noticiado nos media, o Estado português, representado pelo discretíssimo Jorge Barreto Xavier, entende que a colecção de Miró pertencente ao BPN, que irá brevemente a leilão, não é, sublinhe-se, uma prioridade. Reparem que não estou, propriamente, a advogar uma política global de subsidiação da arte ou do património artístico, mas a verdade é que a saída desta colecção para o estrangeiro, feita, como se sabe, com o objectivo de colmatar financeiramente as roubalheiras dos antigos patrões do BPN, é, atendo-me à mais pura das verdades, uma asneira de proporções diluvianas. A venda desta colecção é, no fundo, o resumo perfeito de uma gestão criminosa que, não obstante a indignação social que legitimamente gerou, permanece judicialmente intocada. Porém, o que verdadeiramente releva desta venda bêpêneira é o total descaso que os nossos governantes fazem da cultura artística. Hoje, a política quotidiana faz-se, as mais das vezes, com uma folha de excel mui polida, na qual as contas dos teres e haveres de cada um surgem assepticamente bem esgaravatas. Num universo deste calibre, não há, manifestamente, espaço para prioridades mais comezinhas. É certo que este problema não é um exclusivo de Portugal, pois em Espanha, para dar um pequeno exemplo, os responsáveis políticos governativos têm-se debatido, ultimamente, com problemas similares, devido ao facto de colecções artísticas de alto gabarito estarem, sem a menor oposição pública e privada, a "fugir" para cantos financeiramente mais desafogados. Há quem diga que isto é a globalização do mercado coleccionista, em que uns, inteligentemente, põem e dispõem, e outros, sobretudo os arruinados, comem e calam. A lógica é pungente, mas oblitera um aspecto fundamental: a saída destas colecções é, inegavelmente, um estupro na identidade cultural dos países afectados por esta contabilidade mecanicista. O que mais irrita no caso destes Miró é a leviandade com que se utiliza o argumento económico, deixando automaticamente de lado considerações de outra ordem. Se a secretaria de Estado da cultura servisse, realmente, para algo de útil, é óbvio que esta colecção, pertencente a uma instituição nacionalizada (logo, pública), estaria, neste preciso momento, a ser reconduzida para algum museu nacional. Mas não, Barreto Xavier, trazendo à liça, pela enésima vez, a sua crudelíssima irrelevância política, prefere dizer que o Estado português dispõe de outras prioridades. E assim se vai desfazendo o acervo cultural de um país.

publicado às 01:00

Assédio do Facebook

por John Wolf, em 09.01.14

Todos os dias somos inundados no Facebook com convites para gostar desta ou daquela página, seguir esta ou aquela "figura pública", fazer um like a este ou aquele produto, e se o fizermos às cegas, sem fundamentar a nossa decisão, a nossa aprovação, estaremos a contribuir para o desmoronamento do conceito de qualidade que deve assentar num critério de conhecimento de causa, cultura e ideoneidade. Ora, como eu mal sei o pouco que sei, como posso saber sobre o resto? A chantagem emocional/intelectual é algo destrutivamente poderoso porque corrói a objectividade racional e a profundidade do pretenso conhecimento humano. Só por ser amigo não significa que se tenha de gostar disto ou daquilo. O mesmo se aplica em sentido inverso, em relação à minha pessoa, ou àquilo que faço. Era só isto. Obrigado.

publicado às 11:49

CONTAGEM DESCRENTE - livro de John Wolf

por John Wolf, em 08.12.13

 

 

Quinta-feira, dia 12 de Dezembro pelas 18h30 no auditório 1 da Universidade Lusíada, Rua da Junqueira 188-196 Lisboa

  

 

 

 Entrevista bio transmitida na RTP

 

 

 

publicado às 18:15

A descalçada portuguesa

por John Wolf, em 27.11.13

A calçada portuguesa é a impressão digital (pedonal?) do país. Basta travar um estrangeiro na Baixa lisboeta e pedir que partilhe o perfume da cidade, e da sua boca saem a correr pastéis de nata, azulejos e a maravilhosa calçada da cidade - wonderful! marvelous! A operação plástica que António Costa quer levar a cabo através do Plano de Acessibilidade Pedonal colide com o traçado idiossincrático de Portugal, apunhala a tradição e a saudade com uma mesma navalhada. Pelos vistos o chão de uns é o tecto de outros - ou vice-versa. Depois dos atentados ao património que se conhecem e aqueles que estão para breve, como a transexualização do Odeon em centro comercial, começamos a ter um certo receio - o medo residente que acompanha a certeza de mais violações. E não será apenas o desenho na pedra a ir pela sarjeta. Os mestre-calceteiros que não estão munidos de um Arménio Carlos para se defenderem, assistem ao varrimento da sua arte. Venha de lá essa pedra lisa convertida em lioz para gaudio de burgueses ignorantes e destruam a assinatura de um povo com um simples escarro municipal. A calçada portuguesa não é apenas encosto de sola gasta, conta várias histórias em simultâneo. Lembra o desgaste, assinala humor e arranca aplausos. Mas é sobretudo um exercício de participação democrática - primeira pedra, pedra a pedra. A pedrinha da calçada passa da mão para o pé, na construção das paisagens urbanas e marca o compasso, ora mais lento ora mais veloz. Atrasa os transeuntes distraídos e fá-los olhar de alto a baixo do magistério da sua alegada superioridade, assinala com pontos negros ou brancos onde tudo aconteceu, romance ou quebra de tensão. A calçada molda-se, retoca-se e apresenta-se como uma desdentada a precisar de cuidados. Está viva, respira e encanta como puzzle lusitano. A seguir a este trespasse o que nos espera? Serão os azulejos que devem ser estilhaçados porque levam a luz para longe? Ou serão as telhas que devem partir para calar o cio felino? E ficaremos ao relento da nossa ignomínia, descalços sobre um tapete mágico sem mácula de tropeços - andar apressado.

publicado às 14:45

A cultura sexy da integração europeia

por John Wolf, em 26.11.13

No auge do entusiasmo das Comunidades Europeias, os programadores culturais tudo fizeram para demonstrar a fraternidade dos povos. As televisões foram os canais privilegiados para mostrar as verdadeiras provas da alegria de uma Europa a caminho da abertura de fronteiras, do mercado comum e das políticas gizadas na grande capital comunitária. Finalmente Bruxelas passava a ter alguma utilidade, mesmo não tendo o carisma de outras metrópoles - o poder efectivo e o glamour de outras coutadas. O estudo cultural que aqui apresento pretende relembrar alguns dos pilares de sustentabilidade da aproximação dos povos do norte e do sul da Europa. O primeiro pilar que refiro é o Festival da Canção da Eurovisão, a festa-maravilha que, em nome da solidariedade e da igualdade de tratamento, lá foi dando prémios políticos a cantores de países necessitados de um abraço, uma palavra de estímulo para se aproximarem do norte trabalhador e inventor da excelência. Depois vem-me à memória mais um icone da baboseira lúdica - os Jogos sem Fronteiras. Uma espécie de instituto de integração dos desajeitados e trapalhões (Eládio Clímaco foi o terapeuta de serviço). Neste belo programa já se notava um certo tratamento discriminatório das equipas a concurso. Os países do norte mais hábeis e os do sul queimados pela vida airosa do mediterrâneo pontuavam quase sempre menos (mas eram muito esforçados). As diferenças entre as equipas mal formadas e as exemplares passavam em horário nobre como se nada fosse, para ajudar nessa lenta conversão à norma, ao modelo salutar de desenvolvimento e progresso - vocês são um atraso de vida, mas podem ser como nós. Foram belos tempos de ilusão televisiva apresentados em forma de cavalhadas e quedas na piscina de águas límpidas. Mas no clímax da excitação, do entretenimento televisivo, houve quem quisesse ir mais longe. Uns quantos especuladores precoces quiseram verter as suas considerações para um patamar ainda mais rebuscado, próximo da sexualidade que faz mover o homem na busca da perfeição estética ou laboral. Os alemães não quiseram deixar que a coisa descambasse por completo e resolveram demonstrar a sua aproximação aos estilos de vida do sul. O programa Tutti-Frutti tinha logo à partida todos os ingredientes para se tornar num sucesso de bilheteira, como se fosse um estímulo para combater o problema de envelhecimento que já se fazia sentir na Europa - ide e reproduzai-vos - foi o mote. Sim, podemos entender esta iniciativa como uma forma de miscigenação pré-Schengen - o desenvolvimento de relações íntimas entre os parceiros europeus. Os italianos, indignados pelo assalto alemão à libertinagem, pertença exclusiva dos sulistas, não foram de meias-medidas e avançaram com o seu formato de uma Europa ainda mais sexy. Quem não se recorda do famoso Colpo Grosso? O programa internacional, proposto pela direcção de informação da SIC, deixou a RTP a morder a poeira das cantigas do festival ou a chover no molhado daqueles joguinhos. Pois é. E eis que nos encontramos aqui sem concorrente à altura. Um programa que espelhe o grande entusiasmo, a esperança e a vibração que se fazem sentir no seio da União Europeia. 

publicado às 10:37

Existem muitas e variadas razões que servem para explicar a demise de Portugal, mas a falência de lideranças e da governabilidade de um país tem relação íntima com a capacidade que os membros de uma sociedade têm de interpretar o mundo. A falta de ingestão de ingredientes culturais conduziu a uma espécie de consanguinidade intelectual - anemia crítica. Os parcos conhecimentos que circulam são os mesmos de sempre e não foram refrescados através do acto contínuo e interminável de leitura. A taxa de analfabetismo regrediu nos últimos 40 anos e até houve um concurso televisivo para apurar o uso da língua portuguesa (Sim, foi a Bárbara Guimarães que apresentou o programa, coadjuvada com trabalhos de casa administrados pelo Prof. Carrilho), mas isso não chega. Foi entretenimento de prime-time - mais nada. Por mais torres editoriais de marfim e escritores que nasçam, para gaudio de revistas literárias de elite, a verdade é que se a disseminação maciça da sabedoria não acontece, o futuro de um país torna-se refém da sua insuficiência intelectual. Para acompanhar as bancarrotas financeiras, a verdade vem agora ao de cima para revelar aquilo que muitos já sabiam - o estado da insolvência literária de um país. O Marcelo Rebelo de Sousa que passa os olhos sobre mais de 100 livros por semana, não é exemplo para ninguém. Não existe tal coisa como ler a correr (que é o que ele faz). A leitura é um processo que deve "atrasar" os processos mentais, que deve condicionar o leitor e obrigá-lo a paragens e retornos a diferentes análises em função do mesmo texto, idêntico parágrafo afinal distinto. Houve ao longo das últimas décadas uma festa incessante dos "produtores" de cultura. Tivemos festivais para aqui, capitais da cultura para acolá, mas tudo isso foi desenvolvido para os círculos de "iluminados", amigos e privilegiados que receberam convites para as vernissages. Os eventos mediáticos e cheios de glamour não serviram para apontar a luz da cultura na direcção do espectro alargado da população, daqueles que mais necessitavam. À semelhança de grupos de interesse económico e instituições financeiras que tomaram conta dos meios, houve apostas especulativas e operações de troca, um verdadeiro swap da missão cultural do país. E pode parecer que não há ligação entre tudo isto, mas desenganem-se. Um povo que não detém ferramentas de avaliação e interpretação da realidade, faz más escolhas. Por exemplo, elege representantes do poder político que são o espelho da sua precariedade, da sua ignorância - porque esses não lêem muito mais. Não têm tempo para isso. Estão nas comissões disto e daquilo e a passar os olhos na revista de imprensa para ver se ficaram bem na fotografia.

publicado às 09:58

Não pactuarás com o Mal

por Regina da Cruz, em 05.10.13
Moral da história: há sempre lúcidos no meio da escuridão e que se recusam a pactuar com o que está errado.
(também aqui)


publicado às 13:09

125.º aniversário do nascimento de T. S. Eliot

por Samuel de Paiva Pires, em 26.09.13

 

T. S. Eliot, Notas para um definição de cultura:


«Quando cada termo é tomado no seu justo contexto, a concepção de cultura e religião, como sendo aspectos diferentes da mesma coisa, é uma concepção que requer ser devidamente explicada. Desejo sugerir, porém, em primeiro lugar, que ela nos fornece os meios de combater dois erros complementares, o mais comum dos quais é pensar que a cultura pode ser conservada, ampliada e desenvolvida na ausência de religião. Este erro é mantido tanto pelo cristão como pelo descrente e a sua refutação exige uma análise histórica muito pormenorizada, visto que a verdade não é facilmente aparente e pode até parecer desmentida pelas aparências; uma cultura pode continuar, sim, e mesmo produzir algumas das suas mais brilhantes obras artísticas e de outros géneros depois de a fé religiosa ter caído na decadência. O outro erro é acreditar que a conservação e a continuação da religião não têm de contar com a conservação e a continuação da cultura, uma convicção que pode até conduzir à rejeição dos produtos da cultura como sendo obstruções frívolas à vida espiritual. Para nos encontrarmos na posição de rejeitar este erro, e também o primeiro, é necessário que olhemos bem longe e recusemos aceitar a conclusão, quando a cultura que temos ante nós é uma cultura sem declínio, de que a cultura é algo que podemos considerar com indiferença. Devo acrescentar que ver a unidade de cultura e religião dessa forma não implica que todos os produtos da arte possam ser aceites sem críticas, nem que essa perspectiva nos ofereça um critério pelo qual toda a gente possa distinguir imediatamente a diferença entre eles. A sensibilidade estética deve ser elevada à percepção espiritual e a percepção espiritual à sensibilidade estética e ao gosto disciplinado, antes de nos qualificarmos para julgar a decadência, o diabolismo ou o niilismo na arte. Julgar uma obra de arte por padrões artísticos ou padrões religiosos, julgar uma religião por padrões religiosos ou padrões artísticos, no fim de contas, deveria ser exactamente o mesmo., embora se trate de um objectivo que nenhum indivíduo pode alcançar.»

publicado às 17:46

Os cavalos da Cinemateca

por John Wolf, em 05.09.13

Como tantas outras instituições deste país desgovernado, a Cinemateca também faz parte da idiossincrasia nacional de falências e reis na barriga. A instituição que se encontra com a corda no pescoço tem a obrigação de analisar os fundamentos da sua demise. Muitas das razões que explicam a aflição destes poisos de intelectualidade são endémicas, fazem parte da casa, dos seus modos e do costume enraízado na cultura portuguesa que determina que estas instituições devem ser dirigidas por pensadores e letrados que não percebem patavina de gestão das artes, e que por essa razão se fecham em copas. Vem a propósito este post porque em 2007 estabeleci uma ligação fugaz e infrutífera com a Cinemateca e pude confirmar a sua fraca receptividade a parcerias e novas abordagens. Na qualidade de membro da direcção da Sociedade Hípica Portuguesa, entrei em contacto com Bénard da Costa no sentido de se organizar um ciclo (ia dizer festival, mas eles não gostam do termo, faz lembrar feira) dedicado ao tema "o cavalo e o cinema". Na minha proposta enviada por e-mail concedia toda a superioridade à pessoa de João Bénard da Costa. Seria a Cinemateca a única instituição capaz de definir um conceito profundo alusivo a essa relação especial entre o cinema e o equino. Aliás, o cinema - a captação do movimento -, quase que nasce com o cavalo. Desde a infância do cinema o cavalo tem sido uma constante na malha de narrativas, dramas e comédias. Francis Ford Coppola produziu esse filme estético que serve de referência ao simbolismo clássico vertido para os tempos modernos, para uma nova linguagem - "o Cavalo Negro". Enfim, poderia discorrer sobre outros diaporamos que envolvem Bucéfalo, Alexandre o Grande, My Friend Flicka ou o lendário Secretariat, mas penso que já perceberam a riqueza da minha proposta temática. Refiro-me também a épicos literários que antecedem em muitos casos o próprio advento do cinema, e, nessa medida, o projecto seria uma síntese de distintas disciplinas. O ciclo de cinema que propunha aconteceria nos campos do Jockey Clube, no Campo Grande, ao ar livre com o amparo de um anfiteatro, uma bela bancada a lembrar a Belle Époque. Os filmes seriam sempre antecedidos por uma curta exposição sobre as implicações estéticas ou culturais do visionamento, e seguidos por um período de debate aberto ao público. O casamento entre as duas modalidades não poderia ser mais perfeito. A Sociedade Hípica Portuguesa também tem a sua história de glória e lendas (medalhas olímpicas entre outras) e conta com mais de 100 anos de existência, e foi sempre receptiva a tantas iniciativas excêntricas. No entanto, e apesar do meu entusiasmo, a resposta não tardou em chegar. Bénard da Costa foi categórico:"não cedemos material a terceiros". Para meu espanto, sempre o havia tido como um homem de cultura, capaz de se aventurar em novos ângulos de apreciação de um mesmo espólio de natureza eminentemente dinâmica. Mas não foi esse o caso. A resposta foi intencionalmente concebida para afastar, de uma vez e por todas, quaisquer incursões que pudessem colidir com a missão conservadora da Cinemateca, ou melhor, a sua mentalidade conservadora. Este episódio, sem grande utilidade, serve apenas para demonstrar que uma nova atitude (cultura) deve ser desenvolvida para tirar as elites do atavismo que as define, da sobranceria que não serve o interesse cultural nacional. Tenho imensa pena que não se tenha feito lumiere na cabeça do então director da casa magnânima do cinema. Perdemos todos; os leigos, o cinema e os cavalos.

publicado às 11:01

Piropotecnia

por John Wolf, em 01.09.13

Deve ter sido num dos corredores da sede do Bloco de Esquerda (BE) que a coisa aconteceu. Estavam para lá uns andaimes montados, um dos pintores com o rolo já mergulhado na bandeja de tinta de água para dar uma segunda demão à parede quando zás - sai um piropo. Por azar do destino, o pintor nem sequer imaginava que a garota a quem ele mirava o decote, a quem dirigia a boca, era, nem mais nem menos, a Catarina Martins. A co-dirigente, embora quisesse responder à letra (estava raivosa, a espumar pelos cantos da boca), lembrou-se do sentido de Estado e aproveitou a deixa, a sugestão - "marchava já" -, e pensou: "porque não tornar o piropo num dossier político?". E assim, sem mais nem menos, e à falta de assuntos políticos por tratar, a agenda ficou preenchida. Para Catarina Martins o debate sobre piropos deveria ser aberto e não engolido pela conveniência machista. Acontece que as feministas não detêm a licença de exclusividade sobre os limites da graça ou a fronteira do assédio. Ao restringirem o debate ao género feminino, demonstram um sectarismo típico de regimes fundamentalistas, de tudo ou nada. O BE que se apresenta como intérprete das pulsações humanas, parece ter tido a sua génese num país não latino, pouco mediterrânico. O piropo que nasce com o olhar e evoluiu para o assobio, para a frase fei(t)a, tem origem na arte dos trovadores - eu sei, perdeu-se a guitarra e apenas ficou o sado-fado. A cultura do galanteio que roça o explícito faz parte da matriz dos países de sol, da bandeira do suor e das garotas de clima ameno, estilo Ipanema; Itália, Espanha, Grécia e Portugal. Ao pretender levar para a conferência académica o que decorre no passeio, na pausa de almoço dos pedreiros e serventes, os intelectuais do bloco demonstram que não entendem que a boca lançada à rapariga funciona como um pequeno orgasmo virtual, uma picada para aliviar a amargura da solidão. Os praticantes da modalidade espontânea não sabem fazê-lo de outro modo, e infelizmente acreditam que nunca terão acesso a esse escalão de beleza passageira, à dama perfumada pelo olhar altivo - o desdém pela classe inferior. Se calhar a luta feminista do BE é mais uma luta de classes, mas parece que se serviram do manual de insinuações errado, o código do assédio sexual. A mulher, alvitrada em mau Português, é uma intocável ao alcance de muitos-poucos trolhas. O país também se define nessa estratificação sócio-sexual. Esta é uma das dimensões da análise, mas há outras que nao foram arrastadas para a mesa pelas sociólogas de Semedo. As bocas mandadas aos homossexuais e aos negros não contam nessa contabilidade? A linguagem suja deitada ao cigano também não? Ou seja, gostaria de saber se o conceito de assédio que o Bloco de Esquerda refere tem um sentido restritivo. Gostaria de saber se para além de desejarem a reforma do Estado, pretendem corrigir a cultura de rua dos Portugueses? Quando se levanta uma lebre desta natureza é melhor tornar a questão mais abrangente. Se é a piropotecnia que está em causa, não me parece que seja um sector que possa ser regulado.

publicado às 13:04

Cultura, sociedade e política

por Samuel de Paiva Pires, em 28.08.13

 

T. S. Eliot, Notas para uma Definição de Cultura:

 

«Se deste ensaio algumas conclusões emergirem, por certo que uma delas será a seguinte: cultura é coisa que nunca poderemos atingir deliberadamente, tratando-se, como se trata, do produto de uma variedade de actividades mais ou menos harmoniosas, cada uma delas realizada em virtude do seu próprio mérito, que obriga o artista a concentrar-se na sua tela, o poeta na sua máquina de escrever, o funcionário público na resolução equitativa de problemas específicos à medida em que lhe vão aparecendo sobre a mesa. Mesmo que essas condições que me preocupam pareçam ao leitor representar objectivos sociais desejáveis, ele não deverá concluir que esses objectivos podem ser atingidos apenas por uma organização deliberada. Seria artificial e intolerável qualquer divisão de classes da sociedade planeada por uma autoridade absoluta; uma descentralização sob uma direcção central seria uma contradição; uma unidade eclesiástica não pode ser imposta na esperança de provocar a unidade da fé e uma diversidade religiosa cultivada em seu próprio benefício seria uma coisa absurda. O ponto que podemos atingir é o reconhecimento de que essas condições de cultura são «naturais» aos seres humanos, que, embora pouco possamos fazer para as encorajar, podemos combater os preconceitos intelectuais e os erros emotivos que se erguem no seu caminho. No que ao resto diz respeito, o óbvio é encarar o melhoramento da sociedade da mesma forma como procuramos o nosso melhoramento individual, isto é, atendendo aos pormenores com relativa minúcia. Não podemos dizer: «Vou tornar-me numa pessoa diferente.» Poderemos dizer apenas: «Abandonarei este mau hábito e tentarei encontrar um melhor.» Deste modo, a respeito da sociedade, o máximo que podemos dizer é: «Tentaremos melhorá-la, neste ou naquele aspecto, onde o excesso ou o defeito for evidente. Deveremos tentar, ao mesmo tempo, abranger com a nossa visão tudo o que nos for possível para que evitemos, ao corrigir uma coisa, provocar o erro noutra.» Contudo, mesmo isso já é manifestar uma aspiração bem maior do que é possível alcançar. Com efeito, é devido mais ou menos ao que vamos fazendo casualmente, sem compreensão ou previsão das consequências, que a cultura de uma época diferente tanto da anterior»

publicado às 21:21

Austeridade, Áustria e Portugal

por John Wolf, em 27.07.13

Nos últimos quinze anos visitei a Áustria perto de vinte vezes. Não fui na qualidade de turista nem na condição de cidadão. Desloquei-me de acordo com o meu perfil híbrido, remexido pelo pulsar de múltiplas culturas e nações que residem no meu espírito. Pratico uma modalidade de abnegação patriótica - uma disciplina crítica que não coloca nenhum país num pedestal de superioridade. As idiossincrasias nacionais funcionam como uma impressão digital - não há forma de se lhes escapar. As coisas boas e más estão presentes nos quatro cantos cardinais, nas penínsulas e nas centralidades continentais. Nesta minha derradeira deslocação, viajei do reino da Austeridade para um país que já viveu essa experiência no pós-segunda Grande Guerra, mas, que por força do destino económico e social do presente, deixou cair o termo do seu léxico quotidiano, com todas as conotações nefastas a ela associada. A Áustria não tem noção do drama do sul da Europa. No desconcerto das nações europeias, a Áustria permanece na sua ilha de contentamento e esplendor. A sua taxa de desemprego ronda os 4% e a sua posição geo-económica significa que mantém intensas trocas comerciais com os países fronteiriços - uma boa meia dúzia de vizinhos. Como é natural nunca deixei de comparar realidades, com o intuito de tentar perceber as razões dos sucessos e descalabros. Em duas semanas de estadia em Graz (considerada a cidade do mundo com melhor qualidade de vida), vi menos Mercedes, Audis e BMWs por alcatrão quadrado do que em Portugal. Não escutei buzinas, e no centro da cidade 30km/h são 30km/h (poupa-se combustível, nervos e acidentes). Estacionar no centro da cidade implica preços proibitivos - paguei por um devaneio de 6 horas 40 euros! Mas tudo isto tem um custo. A Áustria por viver no auge do conforto e segurança económica e social (por exemplo, o subsídio por filho chega aos €400 mensais até aos quatro anos de idade para estimular a taxa de natalidade) desligou o motor de reflexão sobre os problemas dos outros. O extinto império Austríaco viu nascer tantas escolas de excelência, que facilmente o país vive a plenitude dessa falsa autosuficiência intelectual e cultural. A escola Austríaca de economia moldou tantas outras como a de Chicago ou a de Londres; a psicanalise fundada na persona de Freud e companhia também concedeu essa ilusão de vantagem. E não esqueçamos que a Áustria conseguiu convencer o mundo inteiro que Hitler era Alemão e Beethoven Austríaco, este último reunido com os grandes Haydn ou Mozart. Mas também não devemos omitir que Simon Wiesenthal - o caça nazis -, tinha a sua sede de operações em Viena. Ou seja, a noção de que há uma responsabilidade histórica paira no ar, e, condiciona, se não todos os cidadãos, pelos menos alguns pensadores maiores, incomodados pelas acções colectivas e os desígnios da nação. Thomas Bernard mais antigo e Robert Menasse do nosso tempo, para citar dois exemplos de pensadores irrequietos com a sua identidade. Todos os países vivem o movimento pendular das suas acções - um relógio que obedece a lógicas de paragens e continuidades que obriga os países a reverem a sua condição. Portugal, distante que está da Áustria, partilha algumas particularidades excêntricas. O domínio da língua falada e escrita parece obedecer a uma matriz semelhante de relacionamento ou paternidade. A Áustria está para a Alemanha como o Brasil está para Portugal. Partilham a mesma árvore linguística, mas os desvios no modo de expressar acontecem, num caso, de um modo natural, e noutro, de acordo com uma certa resistência nacionalista. A Alemanha não se sente ameaçada pelo vizinho do lado que usa uma palavra distinta para batata. São estes detalhes que ajudam a formar uma imagem incompleta das terras e das suas gentes. Ao fim de duas semanas, ou de uma vida, não podemos cair na tentação da redução simplista, do certo ou errado, do bom ou o mau. Os vinhos tintos da Áustria não aquecem a alma como os Portugueses, mas os brancos são excepcionais. Não menciono a qualidade do azeite - este vem da Grécia e não se compara ao trago nacional, profundo e perfumado. Faz bem sair para regressar e tornar a partir. Portugal dá luta e isso não deve ser menosprezado.

publicado às 11:46

Amanhã, pelas 18.00h, na Biblioteca Nacional de Lisboa

por Nuno Castelo-Branco, em 22.04.13

 

MOSTRA de 3 a 27 Abril, na Biblioteca Nacional de Portugal
Sala de Referência 
Entrada livre 


Nascido em Lourenço Marques, filho de naturais da colónia, radicou-se em Lisboa em 1974. A convite de António José Saraiva, ingressou no quadro docente da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde leccionou as cadeiras de História da Cultura Portuguesa Moderna e Contemporânea, sendo também docente nos centros de apoio universitário da FLL no Funchal, Beja e Castelo Branco (1979-1987) e membro do júri dos exames ad hoc de acesso ao ensino superior (1977-1989).
De Manuel Teixeira Gomes, trabalhando com Urbano Tavares Rodrigues e Helena Carvalhão Buescu, reeditou, anotou e prefaciou Agosto Azul (1986), Cartas sem Moral Nenhuma (1988), Sabina Freire (1987), Regressos (1991), Miscelânea (1991), Maria Adelaide (1992), publicando também uma Epistolografia de Manuel Teixeira Gomes para Afonso Lopes Vieira (1999). De Roque Gameiro, o Álbum de Costumes Portugueses (1987), de Alfredo Mesquita, Lisboa (1987), de Júlio César Machado, Aquele Tempo (1989), Contos ao Luar (1992), Júlio César Machado no Oeste (1996) e um Júlio César Machado, estórias e paparocas (2000). De Luís Augusto Palmeirim, a velha e então quase esquecida Galeria de Figuras Portuguesas (1989), de Bulhão Pato, Sob os Ciprestes (1986), Memórias (1986) e, de sua autoria, No Monte com Bulhão Pato (2000). De Tomás Ribeiro, o quase inacessível D. Jaime (1990) e de Fialho de Almeida, O Enterro de D. Luís (1998).
Em 1998, nos 50 anos do Centro Nacional de Cultura, coordenou Portugal nas Artes, nas Letras e nas Ideias 45-95, balanço de meio século de vida cultural portuguesa em que colaboraram, entre outros, Guilherme de Oliveira Martins, Rui Mário Gonçalves, António Laginha, Fernando Pinto do Amaral. Em 2006, saiu Sociedade Portuguesa de Autores: uma casa de memórias (2006), obra de grande fôlego que lhe exigiu anos de pesquisa.
Escreveu dezenas de prefácios, estudos introdutórios, notas e comentários espraiados por obras literárias, ensaios, estudos monográficos, álbuns de fotografia, obras historiográficas, Deixou, por terminar, a sua obra magna, uma história do teatro e dos teatros lisboetas de finais do século XIX.
Foi director editorial da Ediclube (1991-1995), onde tentou uma linha editorial de qualidade, publicando, entre outras o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, clássico de José Pedro Machado, de 13 volumes (1990), o Atlas do Mundo: cartografia antiga fundamental, dirigida por Luís de Albuquerque (1992) e a História de Portugal dirigida por João Medina (1993). Em finais de 1997, aceitou a co-direcção da revista literária Sol XXI (1998-2007).
Foi autor de programas sobre História e cultura no Canal 2 da RDP (anos 70 e 80), colaborador do JL (Jornal de Letras), da revista História (década de 1980), do Boletim da Casa de Camilo (anos 70), da revista Arquelogia e História, da Associação de Arqueólogos Portugueses (década de 80), da Revista da Faculdade de Letras (anos 70 e 80), Olisipo, boletim do Grupo de Amigos de Lisboa (década de 1990), colaborador da revista de cultura e pensamento Boca do Inferno (1997-2001) da Câmara Municipal de Cascais - onde publicou um “Bisturi de Bordalo ou de como o Poder se perdia pela graça…”, (1997), “Um peregrino no Mediterrâneo. Le séjour et les écrits de Manuel Teixeira Gomes à Bougie (1931-1941)”, 1999 e "Manuel Laranjeira em auto de fé" (Abril de 2001), da revista do Centro de Estudos Camilianos (década de 1990), da Tempo Livre do INATEL (década de 90), deixando também artigos na revista Metrópoles: revista da área metropolitana de Lisboa (2005-2006).
Membro do Centro Nacional de Cultura, ali promovendo e proferindo palestras, colóquios, seminários e visitas de estudo, foi membro da direcção da Associação dos Arqueólogos Portugueses, colaborador da Associação Helen Keller, colaborador das vereações da cultura das câmaras municipais do Bombarral e Sintra, membro do Conselho Consultivo da Fundação Marquês de Pombal e doador do Museu do Trajo. Proferiu centenas de palestras, animou charlas, fez comunicações em congressos, preparou congressos, colaborou com bibliotecas, museus e casas-museu.

publicado às 16:00

Há dias enganei-me no caminho e fui parar aos Dias da Música em Belém. Foi no último Sábado, creio. Estava à pinha, o estádio do CCB. Havia gente a perder de vista. No pátio exterior (aquele que se encontra lá em cima, diante das garrafas vazias de tinto ou branco, sem casta, da tal Vasconcelos...) um palco deu as boas vindas a um "Ensemble de Trompetes" pouco passava das 15h. Salvo erro, eram oito marmanjos gaiteiros e uma garina com a boca no trombone e a mini-saia pelo umbigo. Tinha pernas jeitosas, sim senhor, mas não irei enveredar pelo cliché sexista, nem saxofonista. Limito-me a devolver em surdina o que pude avaliar dadas as minhas limitações culturais. Não sei o suficiente sobre música e gostaria que assim não fosse. E que, dada a pompa dos dias da música, os pudesse aproveitar para somar notas musicais, aprender algo. Devo dizer que fico sempre chocado com eventos realizados às três pancadas, que primam pela ausência de um conceito, um sentido de missão pensado por uma equipa competente de servidores públicos. Como podem ler no artigo celebratório do jornal Público, o que interessa são os números. A quantidade infernal de ingressos, um sem número de utentes que lá foi entreter-se, mas que porventura pouco mais leva para casa. E porque faço estas afirmações. Porque já vi como se faz. Em Graz, Áustria (que tem a única Universidade de Jazz do mundo) ou em Filadélfia, nos EUA (que tem um Mann Center). Porque razão o referido ensemble de trompetes não brindou o público com um apresentador que enquadrasse os temas musicais na sua paisagem? E que explicasse ao público a natureza de instrumentos de sopro? Porque razão o bando de sopradores não elegeu um líder? Um guia para orientar as dinâmicas das pautas? Andaram perdidos, desafinaram e não chegam aos calcanhares de trompetistas de um qualquer licéu da República Checa. A loira? Bem sei que a rapariga com o saiote pelos cotovelos distrai, mas regressámos sempre ao mesmo quando se trata de cultura em Portugal. Um fosso que separa aqueles que poderiam dizer algo, daqueles que nem sequer sabem escutar. Não quero estar a induzir-vos em erro, mas o primeiro tema que apresentaram, julgo ter sido uma composição de John Williams. Sim, o mesmo que compôs a banda sonora do filme o Parque Jurássico. Mas não interessa. O tema até poderia ser da idade da pedra, da idade do mármore picado de Belém.

publicado às 09:56

Do Portugal "cultural"

por Samuel de Paiva Pires, em 21.04.13

Ana Cristina Leonardo, "O Estado das Artes":

 

«É assim que dizemos bye bye a Paula Rego enquanto acolhemos com veneranda deferência Joana Vasconcelos no Palácio da Ajuda, ou assistimos mudos e quedos ao assassínio d’ Os Lusíadas por José Luís Peixoto. 
Não me interpretem mal. Eu sei que à luz da ciência moderna, provar que um verso de Camões vale mais do que 500 frases de Peixoto é tarefa inglória. Tão inglória como provar que o truque dos tamanhos XL da Joana Vasconcelos não passa disso mesmo: de um truque. 
Mas isto: "Tágides do Tejo, ninfas de ninfetice total… emprestem-me ainda um resto do vosso ninfetismo…"?! 
Por muito menos escreveu Almada o "Manifesto anti-Dantas e por extenso".»

publicado às 17:15

Cavaco como cultura...e empreendedorismo

por John Wolf, em 25.02.13

O Presidente da República ou o Presidente de República, Aníbal Cavaco Silva, promove encontro com jovens para reflexão sobre o futuro da economia. Para evitar confusões sobre a forma gramatical a utilizar, Cavaco Silva apenas fará uso da palavra no final da jornada de reflexão, e esperemos que seja apenas uma palavra. Final. Por agora, não vejo razão para implicar com a narrativa que o chefe de Estado venha a utilizar. No entanto, gostaria de obter explicações adicionais sobre o significado de "Empreendedorismo como cultura". O que significa? Agarrar transeuntes no passeio e declamar-lhes trechos de obras literárias de relevo? Se é Empreendedorismo como cultura, será que significa que é para perder dinheiro como acontece com grande parte dos projectos culturais? A expressão é, na minha opinião, muito triste. Estou mesmo a ver a coisa dita do seguinte modo; "malta, toca a acordar. Vamos lá fazer um projecto cheio de vigor, mas não se entusiasmem muito. É para ser como cultura". Se a jornada se organiza em torno de grupos de trabalho designados por Empreendedorismo empresarial e Empreendedorismo social, porque razão temos um bicho híbrido chamado de "Empreendedorismo como cultura"? Será carne de cavalo servida como rosbife? Não sei qual a equipa de empreendedores filosóficos que trabalha lá para os lados de Belém, mas convinha que tivesse um pouco mais de juízo. As palavras e as expressões devem ser eleitas de um modo criterioso. Qualquer dia corremos o risco de ter um presidente com cultura ou como cultura. Agora, temos outra coisa que não consigo definir. Só sei que tem a ver com um como muito profundo.

publicado às 10:12

Um desabafo

por João Pinto Bastos, em 05.02.13

Uma das grandes parvoíces da cultura contemporânea - tenho algumas dificuldades em tratar por cultura aquilo que é, na verdade, incultura, mas prossigamos - reside numa ideia que, a mim, causa tremuras excessivas: falo, pois, do desejo que as pretensas elites culturais (um termo que é todo um programa) manifestam a miúdo de chocar os públicos ignorantes (públicos, outro termo que é todo um programa). Hoje, nos meios culturais, originalidade e criatividade, termos outrora sãos e puros, rimam com obscenidade e despudor. Dito de outro modo, na acepção desta gente chocar e criar pressupõem inevitavelmente a ausência de gosto. Já não se cura de ligar a imaginação ao Belo. As amarras da "cadeia opressora" da Beleza pertencem ao pretérito perfeito. Só isso explica as monstruosidades inauditas que passam por obras de arte para muitos dos críticos que ganham e lucram com o métier. Querem um bom exemplo? Vejam isto:

 

Stewart Home

 

P.S.: Cheguei a este senhor por intermédio do António Araújo. Por vezes, a dissecação destas mediocridades ensina-nos que a barbaridade é um dos sub-produtos da cultura pós-moderninha. A barbaria já chegou. Mais: está bem incrustada no cerne da nossa pseudo-cultura.

publicado às 20:01

Bricolage e Corrupção em Portugal

por John Wolf, em 05.02.13

 

Como é o provérbio? De Espanha nem bons ventos nem bons casamentos? E a corrupção? Se Portugal vive na sombra da economia de Espanha, então poderemos assumir que a prática de ilícitos que cobrem as manchetes dos jornais desse país, também se aplica a Portugal. Ao longo dos anos assistimos a um conjunto de operações de fachada levada a cabo por parlamentares para dar ares de um efectivo empenhamento na luta contra a corrupção. Mas parece que não passa de um artifício para ganhar tempo, para afastar aqueles que procuram agitar as águas. Se nada é mexido de um modo consequente, se nenhum político transforma esta missão na causa da sua vida, é porque há apenas uma explicação. Estão todos metidos ao barulho. E há diversos modos de praticar a modalidade. Como agente activo, como mediador, como receptador ou como arquivista que faz desaparecer as pastas. Não nos restringemos à disciplina clássica de dinheiro passado debaixo da mesa, ao pagamento a pronto a políticos. Há uma outra forma de influência e dissuasão que roça a prostituição. Refiro-me à corrupção imaterial que contagia as artes e letras, a academia e a cultura. A troca de favores entre membros de um clube de vantagens. Compensações desfasadas no tempo, que sugam o prestígio efectivo, o valor de anónimos verticais, gente desconhecida que acredita no seu esforço. Produzo estas afirmações porque não tenho telhados de vidro e já fui preterido por não reunir as condições requeridas. Prefiro o caminho do mérito ou demérito e nunca ficar a dever nada. Durmo descansado com as oportunidades geradas que se alicerçam no princípio de integridade. Não me espanta que o talento Português, desprovido de pergaminhos familiares e tios em lugares de influência, faça as malas e rume a outros destinos. Um país que normaliza a concessão de privilégios a amigos e maus pagadores, é um país que torna o futuro num inimigo, em falência certa. Um país que mata a ideia de entrevista ou torna os castings num erro permanente compromete-se por várias gerações. Mas regressemos à corrupção e ao trabalho inacabado. Em que estado se encontram todos os processos de corrupção que supostamente a Justiça Portuguesa deveria sentenciar e arrumar de uma vez por todas? Será que este país não passa de uma fase instrutória? Será que a suspeição leva a melhor sobre a condenação? Estou zangado, sim senhor. Porque observo o flagelo de uma outra espécie de corrupção. Uma corrupção que vibra na sociedade civil, mas que é designada de um modo diminutivo para parecer menos danosa - jeitinho, ajudinha, favorzinho, mãozinha, paciênciazinha -, quando na realidade é fatal para um país corroído pela cunha que fecha as portas àqueles de direito, os bons e honrados, os trabalhadores vindos da penúria ao encontro da recompensa merecida. E as desculpas que apresentam são muito fracas. O self-made man foi trucidado pela bactéria que procura atalhos para dissimular a mediocridade. Porque é disso que se trata. O reles que destrona o cidadão recto e que procura passar despercebido anos a fio, a vida toda se tiver sorte. Penso que chegou o momento para virar a casa ao avesso. O silêncio de muitos diz tanto...

publicado às 10:40

A falácia da política cultural

por João Pinto Bastos, em 20.12.12

Sempre desconfiei da concepção malrauxiana/langiana de intervenção na política cultural, intervenção essa, da qual nós, tugas imitadores de tudo o que sopra alhures, somos largamente tributários. Outra coisa bem diferente é a lógica da generalização malévola que perpassa todo o debate público acerca da política cultural. Não se esqueçam de um pormenor relevantíssimo: o dirigismo cultural do Estado é péssimo, o problema é que em Portugal não há mecenato, isto é não há sociedade civil que esteja disposta a despejar o vil metal na dita "cultura oficial", sem esperar grande retorno económico. O dilema é este, difícil e complexo, sem respostas pré-fixadas, nem guiões ideológicos suficientemente ajustáveis.

publicado às 00:34

Dos fetiches com modelos e números

por Samuel de Paiva Pires, em 21.11.12

Ricardo Lima, Os Portugueses não são números:


«A quadrilha tecnocrata que a academia pariu, embriagada nos títulos que a pompa, a circunstância e a graça do financiamento público garante, erra. E não erra por se enamorar da matemática, fiel amiga do saber. Erra quando por ela se obceca, esquecendo outras prendadas garotas cujos cantares são fulcrais ao feliz entendimento de uma nação, do seu povo e das suas efemérides.


(...)


A pretensão de salvar o país com modelos matemáticos saídos de empurrão de umas tantas cubatas cimentadas a que os mais visionários resolveram apelidar, quiçá por simpatia, de Universidades e Institutos é o mesmo que pretender salvar o Casamento com rosas, bombons e travessias de ferry a Marrocos. Ao início parece que tudo vai correr bem, a quem está de fora o cenário é positivo, até se deparar com um mancebo magrebino no próprio leito. Ora, no pós-operatório desta road-trip literária, retorno ao início. Da muitas sodomizações ao latim que a esquerda-caviar do rojão e do favaios promove, “os portugueses não são números” é dos poucos chavões cujo conteúdo foge ao desnível comum.


(...)


Querer fazer política rejeitando não só os modos de ser, as tradições, a cultura e os valores de cada um e das comunidades em que este se projecta não é apenas imoral e imprudente. É, sobretudo, a receita certa para uma barracada de proporções astronómicas.»

publicado às 12:05






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