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José Sócrates, és tu?

por Samuel de Paiva Pires, em 08.02.12

A PJ deteve um homem de 54 anos, na área da Grande Lisboa, no âmbito de uma investigação de falsificação e utilização de um certificado de habilitações do ensino superior, informou hoje aquela instituição.

publicado às 13:53

À atenção de certos académicos indígenas

por Samuel de Paiva Pires, em 30.10.11

Maria Filomena Mónica, no Expresso de ontem, via Delito de Opinião:

 

«Encontrei uma solução que gostaria de apresentar. Em vez de me cortarem um quarto no vencimento, bastaria despedir nove de entre os meus colegas que, ao longo dos anos, não escreveram dez linhas aproveitáveis. Já agora, talvez não fosse má ideia pôr na rua os docentes que não preparam aulas, os que faltam aos compromissos académicos, os que promovem os amigos e os que andam a "salvar" o mundo com propaganda que introduzem na sala de aula.»

publicado às 17:43

O meu problema com as licenciaturas

por João Gomes de Almeida, em 16.12.10

 

O que de mais foleiro há em Portugal é a forma como olhamos para os cursos superiores. Vestimos uma gravata, conseguimos comer de boca fechada, temos assunto para além do futebol e lemos o jornal, logo temos que ser doutores. O ser doutor é como que um preconceito que nos foi incutido e que nos faz acreditar, muitas vezes inconscientemente, que ninguém é válido para fazer uma coisa se não o for. Muito pouco tempo deve faltar até que nos recusemos todos a ser servidos num restaurante por um não doutor, ou a aceitarmos ouvir um humorista na televisão que não seja licenciado em Novas Tecnologias da Comédia pela Universidade da Beira Interior - penso até que corremos o sério de risco de que se crie a licenciatura de Jogador de Futebol, onde as cadeiras vão da estética do brinco de brilhante até ao drible de mãos atrás das costas. Imaginem lá o Jorge Mendes a mostrar o catálogo dos seus jogadores ao Luís Filipe Vieira e a dizer: «olha que este é bom, veio da Universidade do Minho e tem uma pós-graduação em correr pelas alas. Muito melhor do que o outro que compraste ao Paulo Barbosa e que só tem o curso em cabeceamento pela Internacional». Genial, não vos parece?

Estou farto daquele discurso do «tens que ir fazer a licenciatura que é para seres alguém», ou o ainda melhor «tens que ir tirar um curso com saída, se não vais para a caixa do super-mercado». Ou seja, esquece lá isso de ser trabalhador, culto, inovador, empreendedor, responsável e sério. Alguém te vai dar um diploma por causa disso? Provavelmente não. No nosso pobre país o que interessa é a embalagem, o efectivamente importante é o título, é o diploma que temos na parede. O autarca da terrinha que recebe uma visita de José Sócrates trata-o por «senhor engenheiro», não interessa nada que ele seja Primeiro-ministro, o que importa é que é engenheiro, por isso é assim que o trata.

Entristece-me ver famílias pobres a matricularem os seus filhos em faculdades, em cursos supostamente com saída, sabendo praticamente de antemão que o destino deles será mesmo a caixa do super-mercado. Filhos estes que mais tarde se indignam e reclamam por um emprego, porque estiveram a estudar para isso. Ou seja, não estudaram porque queriam aprendar algo mais numa área que gostavam, estudaram porque a sociedade lhes prometeu duas coisas: um título e um emprego.

Meus amigos, sempre tive medo de uma coisa: morrer burro. Sempre tive medo de deixar boa música por ouvir, bons livros por ler e bons livros por escrever. Até já tive medo de deixar noites de copos e discussões por passar, amores por sentir e desilusões por sofrer. Sempre tive medo de muita coisa, menos de morrer sem um nobre «doutor» a embelezar o epitáfio da minha campa. Continuarei a estudar e a querer aprender, apenas aquilo porque me interesso e nas áreas em que sinto ficar menos burro, mas nunca julgarei ninguém por não ter um título académico, tal como Pessoa não tinha, tal como muitos outros que não estão no desemprego não têm.

publicado às 04:10

Crítica da falta de exigência no ensino

por Samuel de Paiva Pires, em 25.06.09

 

Assisti hoje (ontem) a parte do debate quinzenal na Assembleia da República. Retive um curioso paradoxo assinalado por Francisco Louçã: há uma geração atrás eram os filhos dos ricos que frequentavam o ensino superior e não se pagavam propinas, agora que todos conseguem chegar à universidade muitos desistem porque não conseguem pagar propinas.

 

Seria necessário operacionalizar o conceito de ricos, já de si duvidoso, e desconstruir a falaciosa afirmação de que eram apenas os filhos dos tais ricos que frequentavam a universidade. Quererá isto dizer que os pais de Odete Santos, Álvaro Cunhal, Francisco Louçã e companhia seriam todos eles ricos? Não tenho conhecimento de causa quanto a estes, mas na actualidade, pelo que vejo de muitos comunistas e meninos e meninas da esquerda-caviar, de facto, por padrões "louçanianos" com certeza que são ricos. Continuamos impávidos e serenos a assistir a este pobre espectáculo das habituais incongruências próprias do pensamento incoerente e estagnado desde há dois séculos da nossa esquerda, mas também não é propriamente sobre isto que queria falar. 

 

Atente-se na segunda parte da ideia de Louçã: agora que todos conseguem chegar à universidade. Pois o problema é mesmo esse. Recupero aqui parte do que escrevi a convite do Pedro Correia para o Corta-fitas, há pouco mais de um ano:

 

Grande parte das preocupações do Presidente da República prendem-se com o desconhecimento ou ignorância em relação ao que foi o 25 de Abril e os seus intervenientes, o que é desde já explicável pela gritante degradação do sistema de ensino, desde a chamada Revolução dos Cravos. A III República, naturalmente avessa à palavra elite, tem simultaneamente apregoado uma alegada igualdade, não fugindo o sistema de ensino a esse estigma. Não só se têm nivelado por baixo as exigências a alunos e professores, como os programas e manuais escolares se têm tornado cada vez mais básicos à medida que o tempo passa, o que é rapidamente verificável passando os olhos pelos livros de História do ensino básico, onde não mais de oito ou nove páginas se dedicam ao regime de Salazar e à transição democrática, sem falar que na maior parte dos anos lectivos nem sequer chegam a ser leccionadas tais matérias. Além do mais, a provinciana síndrome de um país de "doutores e engenheiros", traduzida pela exacerbada primazia dada às ditas ciências duras, a Medicina, as Engenharias, a Economia, a Gestão e o Direito, tem retirado espaço e tempo às ciências humanas, nomeadamente às traves mestras dessas, a História e a Filosofia, o que aliado à lógica de decorar por detrimento de pensar, numa sociedade largamente massificada em todos os sentidos, resulta no estado de coisas que está à vista de todos.

 

Diz a autora de uma tese de doutoramento sobre o financiamento do ensino superior, Luísa Cerdeira, que "O facto das famílias pagarem mais que o Estado e o baixo valor do apoio social, são as duas faces desta moeda, que acaba por ter como resultado um ensino superior elitista que reproduz as desigualdade sociais, conclui a economista." Isto não é um ensino superior elitista a não ser que para a autora o conceito de elite considere apenas a riqueza monetária dos indivíduos. Sendo assim temos um ensino superior plutocrático, não elitista no sentido que a palavra elite deveria tomar, i.e., o ensino superior deveria ser elitista e aristocrático no sentido técnico, de premiar os melhores alunos. O ensino superior não deveria estar ao alcance de todos. Não, não somos todos iguais. Não, não nascemos todos iguais. Não, não temos todos as mesmas capacidades. Uns são mais inteligentes que outros. Mas em Portugal o mito jacobino da igualdade aplicado ao ensino resultou numa massificação que se materializa quotidianamente na falta de exigência. Isto vai ser prejudicial ao país a longo prazo e nem quero imaginar como serão as próximas gerações de governantes (ou por outra, até tenho uma boa ideia sobre uns quantos...é assustador).

 

Como é que é possível que se termine de vez com a tentativa de melhorar as capacidades dos portugueses ao nível da sua própria língua se hoje em dia na escola primária todas as crianças têm um Magalhães? Ainda não sabem ler ou escrever correctamente mas isso também não interessa para nada.

 

Como é que é possível que toda e qualquer pessoa não chumbe e consiga terminar o 9.º ano faltando a quase todas as aulas e ainda receba como presente exames ridiculamente fáceis? Claro, é preciso garantir que estatísticas favoráveis ao governo são apresentadas a Bruxelas e à OCDE.

 

Como é que é possível que os exames nacionais do 12.º ano se tenham tornado também eles ridiculamente fáceis? E quanto a estes, não se augura nada de bom agora que se sabe que a escolaridade obrigatória vai abranger o secundário. É como nos diz o Miguel Vaz:

 

Agora, um Ministério da Educação que trocou o Ensino pelas estatísticas anunciou como medida emblemática a extensão da escolaridade obrigatória até ao 12º ano. Os opinadores e comentadores aplaudiram. A oposição também. Mas o que representa afinal esta medida? Na prática, significa alargar até ao 12º os ridículos níveis de exigência do ensino básico. Volta-se a nivelar por baixo, em nome das estatísticas. Em breve, os jovens chegarão à universidade a saber ainda menos do que os alunos que por estes dias fazem os seus exames nacionais. Seremos um país de doutores que não sabem escrever.

 

E eis que chegamos à universidade. É indescritível. Desde pessoas que fazem uma licenciatura inteira a cabular, passando por pessoas que não sabem escrever português, outras que não conseguem interpretar, analisar e relacionar pelo menos duas ideias, pessoas que terminam uma licenciatura sem saber fazer notas de rodapé (custa muito procurar sistema de referência de Harvard ou de Oxford na net ou olhar para trabalhos bem feitos para aprender), e todos sem excepção conseguem fazer um curso superior. Seria praticamente impossível contabilizar a quantidade de pessoas que quase poderiam ser casos clínicos de estupidez que todos os dias vejo ou conheço e que frequentam o ensino superior. Tudo em nome da igualdade, porque todos têm direito a estar no ensino superior e, portanto, desce-se o nível para que todos possam fazer a licenciatura. E agora, com a Bolonhesa, mais década menos década, até as licenciaturas serão abrangidas pela escolaridade obrigatória, o que será a derradeira conquista do processo de estupidificação do povo português.

 

E o que é que os professores foram obrigados a fazer? Deixaram de poder ser elitistas no bom sentido, acabando por ser quase moralmente forçados a passar todos os alunos, mais cedo ou mais tarde. Juntando-se a isto o método da sebenta, sabendo que tudo na universidade portuguesa se faz por manuais e sebentas, os alunos acabam por ser dispensados de ler artigos académicos, livros, autores de referência, e tornam-se meras máquinas acríticas que decoram e debitam matéria nos exames. Basta ler as sebentas, manuais e apontamentos e faz-se as cadeiras sem grande dificuldade. Premeia-se o facilitismo e desconfia-se dos que realmente gostam daquilo que estudam e querem ir mais além sendo forçados a tornar-se autodidactas e fazendo aquilo que o Professor Maltez nos diz que a licenciatura nos permite: (licença para) estudar por nós próprios.

 

Mas para quê pensar por nós próprios? Não, a maior parte dos estudantes universitários já vêm mal habituados e querem ser levados ao colo, querem precisamente que os professores debitem matéria para que possam tirar apontamentos, quando se fossem autónomos teriam capacidade para estudar a matéria que vem nos livros. Se um professor tenta dar aos seus alunos algo que vai para além dessa matéria que vem nos livros ouve-se logo alguém queixar-se que o Professor não dá matéria. E o que dizer daqueles que acham sempre que sabem tudo e depois se desiludem quando têm negativas? A culpa é do professor, claro está, e sim, mesmo sabendo que alguns professores não têm critérios ou atitudes adequadas, torna-se aborrecido ouvir tanta gente dizer que sabe tanta coisa que as recorrentes más notas só podem ser culpa do professor.

 

Ainda na terça-feira vinha uma colega minha a queixar-se no Diário Económico sobre o facto da qualidade de ensino não corresponder ao valor que pagamos de propinas. Sim custa a todos pagar propinas tão elevadas. E porque é que as universidades tiveram necessidade de as impor? Porque foram descapitalizadas e ainda ninguém teve coragem de enfrentar a questão da insustentabilidade de manter tantas universidades públicas e um sem número de cursos iguais com milhares de pessoas que não têm inteligência nem capacidades para frequentar uma universidade a sério, realmente elitista, exigente e competitiva. Não é possível às universidades públicas manter tantos alunos sem aumentar as propinas quando o orçamento de estado tem vindo a reduzir a dotação financeira para o ensino superior público. Se tivéssemos um ensino superior exigente e que premiasse os melhores, porventura nem seria necessário haver lugar ao pagamento de propinas. Como há que garantir a igualdade e se nivela todos por baixo, os bons alunos são obrigados a ter que ver o nível de exigência inadequado às suas capacidades. Como é que as universidade poderiam não aumentar as propinas se somos obrigados a ter nas universidades estudantes que acham que a II Guerra Mundial foi no século XVIII, que no sistema de castas indiano os párias são as pessoas que tratam das vacas,  outros que dizem a plenos pulmões nas aulas baboseiras como "a religião deveria vir no Bilhete de Identidade", e tantas outras pérolas de que agora não me recordo. Ou ainda uma que o Nuno Castelo-Branco me contava aqui há tempos, numa turma de 12.º ano a que deu aulas de História, quando falava da Restauração e os alunos muito abismados não sabiam do que se tratava, acabando um por responder que não percebia do que o professor estava a falar porque a restauração é um sector da indústria hoteleira. E o que é que acontecerá no longo prazo? O que Paulo Soares Pinho escreveu ontem no Diário Económico:

 

O carácter excessivamente elementar de um exame tem uma importante consequência: não permite evidenciar os bons alunos, os únicos que conseguem lidar com as questões mais complexas. Consequentemente, nivela todos os estudantes por baixo. Para os maus alunos passa um sinal de que a vida se desfará em facilíssimos e que não é preciso trabalhar arduamente para obter resultados e é a prova de que nada tem de ser levado a sério, o que terá consequências na forma como encararão a sua futura vida profissional.

O facilíssimo desmotiva os bons alunos, os quais se queixam de o ministério andar a brincar com o trabalho deles e o dos professores, retirando-lhes, ainda, o incentivo a trabalhar, a empenhar-se em aprender e a levar a sério a sua actividade. Numa fase da vida importante para a definição da sua personalidade, passa-lhes a mensagem de que não existe diferença entre o muito bom e o suficiente e de que o trabalho extra não tem recompensa.

Estes bons alunos são os potenciais futuros cientistas, investigadores, tecnólogos, gestores, médicos, etc. São a futura elite do país. É deles que se espera, através das suas capacidades científica, inovadora, empreendedora e profissional, a criação de crescimento económico capaz de propulsionar o país e pagar as facturas do TGV, das SCUT e demais galopante dívida pública gerada no momento actual. É deles, da sua capacidade criadora, que a minha geração vai depender para ter algo que se pareça com uma pensão. Ao avaliá-los através de provas que os desincentivam a trabalhar, a tomar riscos, a compreender os benefícios de se aperfeiçoar e ser melhor, não estimulamos a fundo a as suas capacidades. Por isso, a actual política facilitista, com objectivos puramente propagandísticos, não se limita a acentuar a continuada destruição do papel do ensino secundário. Contribui para agravar, ainda mais, o futuro do país.

 

Infelizmente, ao contrário do que Sir Karl Popper defendia, que o objectivo da democracia é o de elevar a qualidade do ensino, neste nosso Portugal a democracia fez precisamente o contrário.

 

Resta-me terminar da mesma forma com que concluí um post sobre a Bolonhesa aqui há uns meses:

 

Se já antes era o que era em que qualquer pessoa conseguia fazer um curso superior (doidos, bêbados, com Q.I.s que devem ser negativos, que não conseguem juntar duas palavras correctamente etc) então agora ainda é mais fácil, em nome de um qualquer paradigma da igualdade. Ainda hoje em conversa com uma amiga veio-me à ideia que deveria existir uma forma de diferenciação meritocrática, algo como por exemplo um sistema que no fim do 1.º ano (*) colocasse os melhores alunos  numa espécie de turma à parte e que elevasse o nível de conhecimentos leccionados e de exigência em relação ao normal, com um foco mais acentuado na vertente de investigação.
 
Mas isso é elitismo e é politicamente incorrecto. Enfim, viva a igualdade e a massificação que isto da meritocracia e diferenciação é bom mas é para os outros que não percebem nada destas coisas mas que são os países mais desenvolvidos do mundo. Até porque se muitas autoridades cá do burgo propagandeiam discursivamente a meritocracia, neste nosso Portugal como em tantas outras coisas, na prática a teoria é outra.

 

(*) 1.º ano da universidade, obviamente, não do ensino primário. Aquando do outro post algumas pessoas julgaram que eu estava a falar da primária.

publicado às 01:53

Assim vai o ensino superior em Portugal

por Samuel de Paiva Pires, em 03.02.09

Ando eu e mais umas centenas de milhar de estudantes por esta altura a queimar pestanas (e deixem-me dizer que a disciplina da qual tive frequência hoje é, de longe, a cadeira mais inútil que já tive, embora até tenha aprendido algumas coisas interessantes com Popper e Bordieu, o que brevemente deixarei aqui), e andam outros a pagar por teses e trabalhos encomendados e plagiados (via Marretas):

 

A massificação dos doutoramentos, que triplicaram em dez anos, abriu a porta ao negócio e à falsificação. Vendem-se teses por milhares de euros e alguns são plágios. Só pontualmente é que os professores dão conta de que se trata de cópias, facilitadas pelas bases de dados na Internet.

 

(...)

 

O negócio vale tanto para teses de mestrado ou doutoramento como para trabalhos de faculdade, chegando até a ser publicitado na internet. O fenómeno é conhecido de professores arguentes de várias universidades ouvidos pelo DN, que pontualmente são confrontados directamente com casos de plágio ou, não o sendo, conhecem situações de quem admitiu ter comprado a tese.

 

Pela lógica economicista liberal, será isto um mero mercado que possa ser considerado legítimo? Como costumam dizer os Marretas, deixem o mercado auto-regular-se então! Alguém quer pagar a peso de ouro por trabalhos na área de Relações Internacionais ou Ciência Política? É favor contactar. Acho é que vou deixar de publicar os meus trabalhos aqui sob a forma de post. Na volta já fui plagiado e não sei e, pior, não me pagaram!!!

publicado às 23:24

Contra-senso em que acho que vale a pena pensar

por Samuel de Paiva Pires, em 22.10.08

É lugar comum falar mal da educação pública em Portugal. Todos sabemos que o sistema educacional é facilitista, pouco exigente e de má qualidade no geral. Quem pode não hesita em colocar os filhos em colégios privados. Então como explicar que quando em igualdade de circunstâncias, isto é, na altura do acesso ao ensino superior, os que vêm do ensino público passam à frente dos que vêm do privado?

 

Esses aliás acabam na sua maioria por ingressar em universidades privadas, também elas regra geral de muito má qualidade em relação às públicas, salvo honrosas excepções. Pelo menos no Brasil, os que têm possibilidade de estudar nos melhores colégios saem de facto melhor preparados e conseguem entrar nas universidades públicas, também elas muito melhores que as privadas. Isso acaba até por causar uma distorção e injustiça social, na medida em que os que têm menos posses acabam por ter que ingressar em privadas, trabalhando incansavelmente para poder pagar os estudos.

 

Não sei se sou só eu que me apercebo deste contra-senso, mas acho que vale a pena pensarmos nisto.

publicado às 02:04

"A universidade está para os jovens como os anos estão para o vinho. Confere-lhes maturidade".

 

Pese a memória que me vai falhando, era mais ou menos assim que começava a primeira aula de apresentação no meu já longínquo primeiro ano de licenciatura, corria o ano de 2005. Sem nunca ter chumbado encontro-me juntamente com uma série de outros colegas na fase de transição do regime antigo para o novo regime de Bolonha.

 

Este ano, nós que estamos no quarto ano somos tão finalistas quanto os que estão actualmente no terceiro ano. Eles não têm culpa nenhuma, a culpa é do Estado que anda a enganar milhares de jovens que ao contrário de nós não têm que fazer estágio e relatório desse nem trabalhos de investigação nas cadeiras de seminário que ainda temos no quarto ano. Eu vou acabar a licenciatura com 22 anos, sem nunca ter chumbado, tendo parado um ano para trabalhar e pensar no que fazer da vida antes de me candidatar ao ensino superior. Fora isso teria acabado com 21. Hoje em dia acabam uma licenciatura de Bolonha em 3 anos com 19/20 anos.

 

Perdoem-me os meus amigos que estão abrangidos pela bolonhesa, especialmente os que sabem que não os incluo no rol do que comummente designo por geração "morangos com açúcar", mas a percepção que tenho é que na generalidade falta a esta geração da bolonhesa muita maturidade, em parte porque 3 anos não contribuem da mesma forma que 4 para a formação da personalidade e principalmente porque deixámos de ter licenciaturas para ter um prolongamento do secundário, um 13.º, 14.º e 15.º anos.

 

Tendo normalmente a achar que até não estão em grande desvantagem se tomar em consideração que durante o meu 2.º ano só fui às aulas de uma cadeira em sete que tinha para fazer, e que a generalidade dos meus colegas que iam às aulas concordam comigo quanto à inutilidade geral de 2 ou 3 cadeiras desse ano. Mas estive na Associação de Estudantes, fui eleito para os Órgãos de Gestão, e tudo isso é também uma forma de crescimento e de maturação pessoal, tal como o é fazer Erasmus (o que me levou a fundar este blog por exemplo). Mas mesmo assim são 4 anos durante os quais nos dedicamos à licenciatura e à universidade com tudo o que isso acarreta, desde os trabalhos, exames, frequências, orais, seminários, conferências até aos jantares e festas, tudo o que contribui para um saudável desenvolvimento pessoal de qualquer estudante universitário.

 

Porém, hoje em dia os estudantes universitários interessam-se cada vez menos pela academia, pelos eventos científicos, pelos seminários, pelas actividades extra-curriculares. 3 anos da bolonhesa são cada vez mais uma obrigatoriedade e um frete, um passaporte e rápido atalho para o título de Dr. que em Itália deu azo aos doctorini.

 

E agora coloca-se a questão, quantos destes estão dispostos a fazer mestrado? E será em Portugal, onde as universidades aproveitaram para aumentar os preços dos mestrados, muitas delas a quantias risíveis à luz da análise preço/qualidade? Além do mais, são tão enganados os que fazem licenciaturas de 3 anos como aqueles como eu e os colegas do regime antigo a quem lhes é oferecido 1 ano de equivalência ao 1.º ano de mestrado, sendo que para obtermos o grau de mestre basta fazer 1 semestre curricular e 1 semestre em que não temos aulas e durante o qual se deve elaborar a tese. 

 

A educação é a base do desenvolvimento e progresso de uma sociedade, dum país, duma nação. Temo que enquanto vamos aqui escrevendo neste cantinho de desabafos chamado blogosfera, lá fora o futuro de Portugal esteja cada vez mais em risco, pela educação primária e secundária cada vez mais facilitista e porque também o ensino superior se vai assemelhando tendencialmente a esse modelo de produção em massa de doctorinis para as estatísticas. 

 

Se já antes era o que era em que qualquer pessoa conseguia fazer um curso superior (doidos, bêbados, com Q.I.s que devem ser negativos, que não conseguem juntar duas palavras correctamente etc) então agora ainda é mais fácil, em nome de um qualquer paradigma da igualdade. Ainda hoje em conversa com uma amiga veio-me à ideia que deveria existir uma forma de diferenciação meritocrática, algo como por exemplo um sistema que no fim do 1.º ano colocasse os melhores alunos  numa espécie de turma à parte e que elevasse o nível de conhecimentos leccionados e de exigência em relação ao normal, com um foco mais acentuado na vertente de investigação.

 

Mas isso é elitismo e é politicamente incorrecto. Enfim, viva a igualdade e a massificação que isto da meritocracia e diferenciação é bom mas é para os outros que não percebem nada destas coisas mas que são os países mais desenvolvidos do mundo. Até porque se muitas autoridades cá do burgo propagandeiam discursivamente a meritocracia, neste nosso Portugal como em tantas outras coisas, na prática a teoria é outra

publicado às 00:46

Subscrevo grande parte do que Manuel Caldeira Cabral aqui escreve, especialmente algo que eu já desde há algum tempo a esta parte venho dizendo, que o ensino superior em Portugal é uma continuação do ensino secundário para a esmagadora maioria dos jovens. Infelizmente.

 

Só por duas vezes na minha vida senti que estava realmente numa universidade, daquele género de sensação que se tem ao ver os filmes norte-americanos em que os jovens abandonam a casa dos pais para se tornarem independentes pela primeira vez, com bolsas de estudo, part-times, repúblicas, apartamentos partilhados e quartos alugados, as festas claro, bibliotecas e investigação, muita investigação como gosto pelo saber e conhecimento, que é o que nos vai faltando cada vez mais.

 

A primeira vez foi quando entrei para o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e ali não conhecia ninguém, sentimento que se desvaneceu rapidamente numa faculdade que mais parece uma aldeia, em todos os sentidos, positivos e negativos, de resto, como o próprio país. A segunda vez foi aquando da realização do intercâmbio que me levou durante um semestre para a Universidade de Brasília, a melhor universidade de Relações Internacionais da América Latina, composta por brasileiros das mais diversas regiões e latino-americanos dos vários países circundantes, onde a investigação e criatividade perpassa toda o vector da educação e das aulas.

 

De resto, cá continuamos no prolongamento do secundário cada vez mais secundarizado e estandardizado com a lógica da bolonhesa.

publicado às 01:24

"Tragam os Josés Silvas de volta à universidade"

por Samuel de Paiva Pires, em 07.07.08

Isto não se faz! Está uma pessoa a almoçar, assistindo ao programa Sociedade Civil na RTP2, hoje subordinado ao tema da Universidade em Portugal, quando subitamente tenho um ataque de riso/choro quando Fernanda Freitas, citando um artigo da The Economist acerca da falência das universidades públicas britânicas, constante de um livro sobre o ensino superior em Portugal, destaca a afirmação: "Bring back Adam Smith to the university", que é como quem diz tragam os Josés Silvas de volta à universidade". E no meio do ataque que tive nem reparei se algum dos académicos presentes fez o devido reparo!

 

 

publicado às 14:40

Facilitismo? Mas claro que não...

por Samuel de Paiva Pires, em 22.03.08
Pelos Marretas ficámos a saber desta notícia fantástica:

Cerca de 1400 bacharéis de cursos de Engenharia obtiveram administrativamente o grau de licenciado, no Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, uma das seis unidades orgânicas do Instituto Politécnico de Coimbra (IPC). A situação está a provocar mal-estar no meio académico da cidade, pois “dá uma ideia de facilitismo”, considerou fonte do IPC.

publicado às 18:20






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