Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
A recusa do presidente polaco em assinar a ratificação do Tratado de Lisboa, é um evidente sinal da necessidade de repensar a construção da União Europeia. O federalismo que surge implícito no documento e a clara intenção dissolutiva das pequenas identidades nacionais em espaços político-étnico-económicos mais consentâneos com os interesses do directório dos cinco, encontra uma resistência que devia ter sido considerada como inevitável.
O caso polaco é paradigmático. País situado entre dois gigantes que disputam a supremacia continental - a Alemanha e a Rússia -, encontra no atlantismo a garantia da sobrevivência da plena autonomia que ao longo dos últimos duzentos e cinquenta anos, têm sido intermitente. Após as partilhas celebradas pela Prússia, Áustria e Rússia e a obtenção da independência no rescaldo da I Guerra Mundial, a Polónia viveu sempre na incerteza das suas fronteiras. Em 1919, os patriotas reivindicavam a plena restauração do conjunto territorial anterior aos esbulhos, mas a realidade imposta pela própria construção de um Estado viável, concedeu-lhe um espaço menos relevante, mas de desmesurada extensão e de uma composição étnica heteróclita, onde as minorias nacionais - alemãs, russas, ucranianas ou lituanas - olhavam para lá das fronteiras daNova Polónia, vislumbrando o dia de retorno ao convívio das respectivas pátrias mãe. O resultado das conferências Aliadas de Teerão, da Crimeia e de Potsdam, consistiu sobretudo, no dilema que durante anos se colocou à coligação anti-alemã, pois a Polónia tinha que ser restaurada na sua plena independência. Embora os britânicos contemporizassem com os desígnios do governo polaco no exílio (Londres) - o regresso às fronteiras de 1939 -, os soviéticos tornaram clara a intenção de manter os territórios bielorussos e ucranianos que o pacto Ribbentrop-Molotov outorgara à URSS. A solução consistiu na atribuição de todo o leste da Alemanha à reconstruída Polónia. Estes procedimentos compensatórios desde sempre foram considerados com a naturalidade imposta pelo maquiavelismo da realpolitik dos vencedores, mas o que se tornou inédito, foi o sistema adoptado para a transferência da Silésia, Pomerânia e sul da Prússia Oriental para a administração polaca. Mais de sete milhões de alemães foram sumariamente expulsos do seu património ancestral - tal como ocorreu nos Sudetas -, num processo de total limpeza étnica que não se diferenciou muito do gizado plano do Drang nach Osten das autoridades do III Reich. O presente envenenado que os polacos foram obrigados a aceitar, continua a ser uma permanente e irritante questão de insegurança e incerteza, pois não se trata de uma aquisição de um território de além-mar. Muitos daqueles que nasceram e viveram no leste alemão, são hoje anciãos e não pretendem decerto qualquer aventura agressiva de restituição, mas o simples facto - que os polacos intimamente reconhecem - da possibilidade de uma simples passagem da fronteira para uma visita a antigos lares e lugares de um passado talvez nostálgico para muitos, não é tranquilizadora. A Silésia e as outras províncias não se situam na Micronésia ou na África austral. O presidente polaco disso tem plena consciência, assim como deve saber pesar devidamente o grande poder económico da Alemanha, talvez o verdadeiro e único motor da U.E., de quem a Polónia muito depende. Assim, a constante aproximação aos EUA não será decerto uma fase a ultrapassar pela política externa de Varsóvia. O inverso será mais previsível e ainda pode reproduzir-se noutros Estados recentemente subtraídos à suserania de Moscovo, como os países bálticos e a própria Ucrânia.
Os diversos artifícios - habilmente apresentados como ligação natural - a que os nossos vizinhos periodicamente nos submetem à apreciação do El Dorado ibérico, nada são se os compararmos com a realidade potencialmente explosiva das permeáveis e inseguras fronteiras do leste.
Sarkozy pode protestar e Barroso pode perder a paciência. Em vão, pois a Polónia não é Malta nem o Chipre. Conhece bem os riscos que o futuro lhe reserva e procura viver uma existência emprestada por uma compensação que não desejou mas à qual teve que se vergar, sob a mira dos canhões dos T-34 de Estaline e da pura irresponsabilidade e ignorância do presidente Roosevelt e da sua administração.