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de Bernardes e de Camilo, a que veio juntar-se o património da linguagem popular "
( « O Escritor na Cidade », de João Bigotte Chorão )
Foi por este livro, há um par de anos, que soube da existência deste escritor que, por certo, havia de agradar, pois dele se dizia ter uma escrita vizinha da do homem de Seide, o melhor dos cartões de visita.
Até há bem pouco tempo, e porque, felizmente, é grande a presença de boa prosa nas estantes paternas, só um livro seu, de contos, tinha lido ainda - « Cinza do Lar » - , mas acabo de pegar num outro volume, de contos, também, « Terra Ingrata ».
E se dúvidas tivesse sobre a qualidade dessa escrita, no caso de nada ter lido ainda da sua lavra, bastavam as palavras agora mesmo bebidas de Amândio César: " É João de Araújo Correia um estilista de linhagem camiliana, com o senso agudo do dinamismo narrativo: escreve para contar histórias e tão bem sabe fazê-lo, que nelas se imprime, como o rosto sangrento de Cristo na toalha de Verónica, a fisionomia de um povo ".
É, pois, com aquele deleite, que só conhece aquele que sabe ter à sua espera uma coisa que o vai, certamente, empolgar, que leio:
" - Não vendo.
- Venda, que o dinheiro é de tentar um santo.
- Não vendo. Já disse que não vendo.
- Há-de-se arrepender.
- Nunca me arrependi. (... ) Faço e aconteço em cima do dinheiro. Daqui é que não saio. Nem eu, nem a vaca. Diz lá, Carola, nós saímos daqui? "
de maravilha, pelas virtudes místicas do Sebastianismo, na sua parte positiva, como interpretação psicológica da nossa História, que nos ensina a crer no amanhã de Portugal ( ... ) ».
Um muito curto excerto de artigo de António Sardinha lido há dias - " Pratiquemos um acto de inteligência! " -, onde refere as " memorandas " palavras proferidas em 1880 por Antero Quental: " A literatura portuguesa está em decomposição. Ainda há quem escreva coisa literárias, mas a literatura nacional acabou. O que não admira: onde a nacionalidade é coisa morta, o que poderá ser a literatura? ".
Felizmente era apenas o exarcebado pessimismo de Antero a falar, e, depois dessa sentença de morte, a nossa literatura revelou-se de um vigor invejável.
Hoje, continuando a ler o livro ontem iniciado, de Júlio Brandão, « Bustos e Medalhas », leio, muito a propósito, umas páginas dedicadas a Afonso Lopes Vieira: " Em meio da desnacionalização que lentamente se vai operando, não só em Portugal, mas em muitos outros países, dá gosto ver a atitude de alguns dos nossos escritores, em manter e defender o carácter da raça e o génio fundamental da nossa Literatura ( ... ) Afonso Lopes Vieira é um dos paladinos da mais fina bravura e de maior talento nessa defesa augusta do que ele chama O Graal - que é não deixar perder-se o sangue de Portugal, a alma lírica e heróica do nosso Portugal; e salvar ainda, naturalmente, da decomposição que a mina, esta língua saudosa em que escrevemos "
Está, outra vez, chegada a altura de Buscar O Graal, defrontados, de novo, com um, mais profundo ainda, fosso de desnacionalização.
Casa de Aquilino Ribeiro - Carregal, Sernancelhe.
Gaste assim as suas economias, não as malbarate em fofas novelas gafadas de galicismos ", escreveu Camilo castelo Branco no livro « Cancioneiro Alegre »
Quando leio a boa prosa do escritor beirão, são muitas as vezes que recorro ao dicionário, tantos, mas saborosos, são os regionalismos.
Pouco que fosse, nos anos setenta do século passado havia algum trabalho na divulgação da nossa boa literatura. No caso de Aquilino, logo nos primeiros anos do Ensino Secundário ri com as proezas da Salta-Pocinhas, n« O Romance da Raposa » e do almocreve prodígio no jogo do pau, n« O Malhadinhas ».
Hoje estou certa de que foi esta primeira incursão na escrita riquíssima do homem do Carregal que me abriu o apetite para depois ler outros livros seus. Grandiosos.
Assim escrevia Camilo Castelo Branco, referindo-se a um dos romances de Arnaldo Gama.
Quanto a mim, não é o primeiro, lugar que reservo para Alexandre Herculano, mas logo a seguir ao autor d « O Bobo »...
Deu-mo a conhecer um amigo destas andanças blogosféricas, quando me chamou a atenção para um outro seu livro, « A Caldeira de Pêro Botelho »; desde então os seus romances, sempre apelativos, sucederam-se, e dentre eles um há que me encantou sobremaneira, na medida em que ao facto de se tratar de uma história, narrada em atraente escrita, que desperta o interesse logo na primeira página, acresce o de ter por cenário uma região que me é muito familiar: a bacia do Ave, essa parte do Minho tão maltratada...
" A tres quartos de legua, para o norte, d'aquelle outeiro, donde se avista um bellissimo panorama, existe uma pequena freguezia, pobre e ignorada, que se chama Santa Christina de Cerzedello, uma das aldeias que estanceiam na formosissima peninsula formada pelas correntes do Ave e do Vizella. Está situada na encosta de uma grande collina ou monte, como, á falta de montes, lhe chamam por lá, assombrada por arvoredo copado e viçoso, fresca, amêna e deleitosa como todas as demais. A sua egreja, porém, é que desperta a curiosidade e atrahe profundamente a atenção dos que passam por alli. "
« O Segredo do Abbade »
A igreja mantém-se tal como o escritor a viu, mas o mesmo já não se pode dizer dos " ramos frondentes dos muitos carvalhos gigantes que lhe crescem dos lados ".
"
« Glorioso Voo »
" Na paz cantante do céu,
Nessa doçura infinita
Onde o Criador habita
Mais alto que as luzes belas
De miríades de estrelas,
Ouviu-se o estranho rumor
De alguém que se aproximava
Com rapidez e valor
Deus escutou... escutava
Com afecto paternal.
Era o avião que passava
Levando Gago e Cabral.
..................................... "
Alberto Pimentel, « Luar de Saudade »
" É só atravessar a Ponte Velha, e, cerca de300 a 400 metros depois, encontra a Casa de Casares ", tinham-me dito no posto de informação turística. Havia muito tempo já que ansiava responder ao convite que o genro do escritor me tinha feito, na caixa de comentários do Estado Sentido. Íamos a meio do caminho, começámos a vislumbrar o casarão que era já conhecido de fotografias; o meu receio era apenas o de não estar ninguém em casa...
Tocámos à sineta, e apareceu, antecedido de um cão, um rapazinho, que logo imaginei ser filho do caseiro: que sim, que a D. Maria Antónia estava; que tocasse na campainha da porta ao lado...
Tocámos, e surgiu uma senhora na varanda. Disse-lhe ao que vinha. Que desceria num minuto.
Abriu-nos a porta, e, depois de nos identificarmos, começou a visita guiada pelos aposentos do escritor, cobertas as paredes e móveis de recordações, muitas delas relacionadas com os seus escritos, quer se tratasse de fotografias dos próprios personagens, como o inesquecível « mata- leões » d'A Toca do Lobo, ou de objectos por eles usados, e sobre os quais D. Maria Antónia organizou uma intensa recolha literária, buscando nos livros do Pai as referências aos mesmos, como a Cadeirinha Baixa da tia Francisca, onde se entregava " ao vício dos últimos anos de vida, o das bainhas abertas... "; O Quino, jogo organizado " quase sempre a requerimento da Prima Maria do Socorro... "; O Pratinho de Davenport, do serviço " dos dias de festa ( ... ) Achava graça, apenas, ao menino a bambear-se... "
Ou, ainda, O Retrato: " Velho António Dacosta, amigo ausente/ que de amplo sobretudo cor de mel/ te foste para Paris/ Tenho-te à frente/ pintando esse retrato que não mente/ o meu... "
Foi um começo de tarde radioso: lá fora, nem o muito vento calava o sol que brilhava como havia já algum tempo o não via, e, dentro de mim, a alma cantava...
Despedimo-nos da amável anfitriã, com uma felicidade difícil de pôr em palavras, mas despedi-me dos Arcos, mais uma vez, com a certeza da ingratidão humana: não vira, porque a não há, ao que sei, um único vestígio de homenagem pública ao grande escritor que escolheu ser arcuense.
" Esse olhar silencioso
Em que lingua se traduz?
Fala-me, oh astro saudozo
luz do céo, pallida luz!
A encantadora simplicidade dos versos de João de Deus, o seu caracter espontaneo e apaixonado, traduzindo em formas singelas e irreprehensiveis os sentimentos da sua bella alma - eis as qualidades que fizeram do poeta um vulto litterario de primeira grandeza ( ... )
A frescura, a ingenuidade e a vehemencia do seu lyrismo recordam-nos as eclogas de Bernardim Ribeiro, o poeta apaixonado e terno ( ... ) "
Fortunato de Almeida, « Revista Contemporanea »
Mas não é só esta faceta de poeta que vou buscar ao baú do meu Pai, em forma de estantes. Nas estórias que ia contando, a que retenho mais longínqua no tempo é a de ter aprendido ele a juntar as letras pela Cartilha Maternal, ainda antes da entrada na Escola Primária, devendo tais bons ofícios à generosidade do que havia de ser o seu professor durante os quatro anos curriculares, vizinho muito próximo, que nunca esqueceu até ao fim dos Seus dias, indelével foi a marca que deixou na Sua vida, de molde a considerá-lo « o segundo pai ». Basta dizer que, franqueando-lhe a sua biblioteca, O cativou para sempre para o amor aos livros.
Os editores são uma via em extinção. Os outros, que se servem do título "quase póstumo" de editor, não correm por essa estrada. Mas não são editores. Chamem-lhes o que quiserem, mas não manchem a arte cada vez mais rara da prospecção, de corrida ao risco - o rascunho de algo incerto. Esses profissionais que almejam o lucro à custa da capa não são editores. São revendedores. Deslocam-se ao mercado abastecedor, fazem marcha atrás com a furgoneta e carregam paletes de best-sellers. Os editores fazem algo diverso. Procuram a agulha no palheiro, dias a fio, vidas a fio, porventura sem o aval de um destino certo. São garimpeiros em busca de uma torrente que ainda não tem nome, de um brilhante que ofusque os escaparates e estilhace o revisto em imprensa. O lido na calle e largado sem pudor. E o que dizer dos fornecedores de fábulas, os eternos aspirantes a escritores? Têm de aprender a viver com a rejeição. Se tiverem a sorte de encontrar um editor, regressarão a casa equipados com o ego arremessado e pouco mais. E pouco mais interessa, porque é nesse ranger da negação que se escuta o apelo interior, se assim tiver de ser. Mas está tudo virado ao avesso. Chegou a hora pequena para a magnificência. O que era uma impossibilidade deixou de o ser repentinamente. De repente somos todos escritores, sem sermos pensadores ou poetas amargurados pela acidez de uma vida tornada dispensável, pouco lírica. O negócio fala mais alto. O dinheiro faz correr tinta para além do quintal literal. O critério editorial morreu em definitivo e foi substituído pelo balancete de corporações apenas interessadas no bottom line - uma linha de números que nunca será uma frase. "São os tempos difíceis que nos obrigam a isto" - será o argumento apresentado. Miséria é o que eu respondo. Mas convém lembrar que são os regimes totalitários que promovem mensagens simples que uma massa de idiotas há de elevar a instância "superior" e que acabará por esmagá-la, por completo. Triste mundo este em que vivemos.