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de Bernardes e de Camilo, a que veio juntar-se o património da linguagem popular "

                       ( « O Escritor na Cidade », de João Bigotte Chorão )

 

Foi por este livro, há um par de anos, que soube da existência deste escritor que, por certo, havia de agradar, pois dele se dizia ter uma escrita vizinha da do homem de Seide, o melhor dos cartões de visita. 

Até há bem pouco tempo, e porque, felizmente, é grande a presença de boa prosa nas estantes paternas, só um livro seu, de contos, tinha lido ainda - « Cinza do Lar » - , mas acabo de pegar num outro volume, de contos, também, « Terra Ingrata ».

E se dúvidas tivesse sobre a qualidade dessa escrita, no caso de nada ter lido ainda da sua lavra, bastavam as palavras agora mesmo bebidas de Amândio César: " É João de Araújo Correia um estilista de linhagem camiliana, com o senso agudo do dinamismo narrativo: escreve para contar histórias e tão bem sabe fazê-lo, que nelas se imprime, como o rosto sangrento de Cristo na toalha de Verónica, a fisionomia de um povo ".

               É, pois, com aquele deleite, que só conhece aquele que sabe ter à sua espera uma coisa que o vai, certamente, empolgar, que leio: 

" - Não vendo.

 - Venda, que o dinheiro é de tentar um santo.

 - Não vendo. Já disse que não vendo.

 - Há-de-se arrepender.

 - Nunca me arrependi. (... ) Faço e aconteço em cima do dinheiro. Daqui é que não saio. Nem eu, nem a vaca. Diz lá, Carola, nós saímos daqui? "

publicado às 16:40

de maravilha, pelas virtudes místicas do Sebastianismo, na sua parte positiva, como interpretação psicológica da nossa História, que nos ensina a crer no amanhã de Portugal ( ... ) ».

Um muito curto excerto de artigo de António Sardinha lido há dias - " Pratiquemos um acto de inteligência! " -, onde refere as " memorandas " palavras proferidas em 1880 por Antero Quental: " A literatura portuguesa está em decomposição. Ainda há quem escreva coisa literárias, mas a literatura nacional acabou. O que não admira: onde a  nacionalidade é coisa morta, o que poderá ser a literatura? ".

Felizmente era apenas o exarcebado pessimismo de Antero a falar, e, depois dessa sentença de morte, a nossa literatura revelou-se de um vigor invejável.

 

Hoje, continuando a ler o livro ontem iniciado, de Júlio Brandão, « Bustos e Medalhas », leio, muito a propósito, umas páginas dedicadas a Afonso Lopes Vieira: " Em meio da desnacionalização que lentamente se vai operando, não só em Portugal, mas em muitos outros países, dá gosto ver a atitude de alguns dos nossos escritores, em manter e defender o carácter da raça e o génio fundamental da nossa Literatura ( ... ) Afonso Lopes Vieira é um dos paladinos da mais fina bravura e de maior talento nessa defesa augusta do que ele chama O Graal - que é não deixar perder-se o sangue de Portugal, a alma lírica e heróica do nosso Portugal; e salvar ainda, naturalmente, da decomposição que a mina, esta língua saudosa em que escrevemos "

 

Está, outra vez, chegada a altura de Buscar O Graal, defrontados, de novo, com um, mais profundo ainda, fosso de desnacionalização.

publicado às 20:21

" Manuseie o bom Morais com mão diurna e nocturna.

por Cristina Ribeiro, em 15.05.13

 


                                                    Casa de Aquilino Ribeiro - Carregal, Sernancelhe.


Gaste assim as suas economias, não as malbarate em fofas novelas gafadas de galicismos ", escreveu Camilo castelo Branco no livro « Cancioneiro Alegre »


Quando leio a boa prosa do escritor beirão, são muitas as vezes que recorro ao dicionário, tantos, mas saborosos, são os regionalismos.

Pouco que fosse, nos anos setenta do século passado havia algum trabalho na divulgação da nossa boa literatura. No caso de Aquilino, logo nos primeiros anos do Ensino Secundário ri com as proezas da Salta-Pocinhas, n« O Romance da Raposa » e do almocreve prodígio no jogo do pau, n« O Malhadinhas ».

Hoje estou certa de que foi esta primeira incursão na escrita riquíssima do homem do Carregal que me abriu o apetite para depois ler outros livros seus. Grandiosos.

publicado às 16:21

" Tomaz de Figueiredo - retrato a corpo inteiro "

por Cristina Ribeiro, em 17.04.13
" Politicamente monárquico mas intelectualmente um anarquista, Tomaz criou amizades entre o povo, e a cada passo as citava, ou em conversas ou por escrito, como modelos de bom pensar, bem falar ou de bem proceder. A sua paixão pelas origens da língua, pelas expressões pitorescas e anacrónicas, levava-o a anotar, com minúcias de arqueólogo, o linguajar provinciano e sugestivo onde quer que ele o topasse. ( ... )
As letras, dele ou dos outros, modelares ou apenas honradas eram, como ele mesmo dizia, o seu pão. ( ... ). 
Sardónico, arrebatado, incapaz de condescender com o que ( ou com quem ) de algum modo lhe desagradasse, não temia manifestá-lo desenfreadamente e em público.
De uma fidelidade monástica às amizades, ao amor da terra e das tradições, Tomaz de Figueiredo era a inteligência, era a cultura, a lucidez, a dignidade, a irreverência e o sarcasmo. "
                     A arrumar vários exemplares da revista « Panorama », foi por acaso que, em vésperas de se comemorar mais um ano do falecimento do escritor de Arcos de Valdevez ( nascido em Braga ), resolvi folhear uma dessa revistas: a de Março/Junho de 1970. O escritor acabara de falecer - 29 de Abril - e um dos seus amigos, e colega de tertúlia do café Avis, Luís Cajão, escrevia um artigo, do qual respigo este excerto, sobre o grande escritor, sobre o autor d«A Toca do Lobo ».

publicado às 17:51

Um escritor portuense.

por Cristina Ribeiro, em 10.04.13
 " Leiam-no os estudiosos, ou sequer, os curiosos, que mal conhecem o nosso primeiro romancista histórico, e não se pejam de o confessar."

Assim escrevia Camilo Castelo Branco, referindo-se a um dos romances de Arnaldo Gama.

 

Quanto a mim, não é o primeiro, lugar que reservo para Alexandre Herculano, mas logo a seguir ao autor d « O Bobo »...

 

Deu-mo a conhecer um amigo destas andanças blogosféricas, quando me chamou a atenção para um outro seu livro, « A Caldeira de Pêro Botelho  »; desde então os seus romances, sempre apelativos, sucederam-se, e dentre eles um há que me encantou sobremaneira, na medida em que ao facto de se tratar de uma história, narrada em atraente escrita, que desperta o interesse logo na primeira página, acresce o de ter por cenário uma região que me é muito familiar: a bacia do Ave, essa parte do Minho tão maltratada...

 

                    " A tres quartos de legua, para o norte, d'aquelle outeiro, donde se avista um bellissimo panorama, existe uma pequena freguezia, pobre e ignorada, que se chama Santa Christina de Cerzedello, uma das aldeias que estanceiam na formosissima peninsula formada pelas correntes do Ave e do Vizella. Está situada na encosta de uma grande collina ou monte, como, á falta de montes, lhe chamam por lá, assombrada por arvoredo copado e viçoso, fresca, amêna e deleitosa como todas as demais. A sua egreja, porém, é que desperta a curiosidade e atrahe profundamente a atenção dos que passam por alli. "

« O Segredo do Abbade »

 

A igreja mantém-se tal como o escritor a viu, mas o mesmo já não se pode dizer dos " ramos frondentes dos muitos carvalhos gigantes que lhe crescem dos lados ".

                                      

 

                            " 

                   

publicado às 21:09

" Este ano, a subida ao jardim do Minho, peregrinação votiva aos ares pátrios, fez-se em temperatura deliciosa e em condições de sossego: nem o calor asfixiante dos últimos anos, nem a habitual aglomeração de gente. E por alturas do Entroncamento éramos cinco pessoas num compartimento de oito. No Porto, depois de passarmos o rio muito barrento, à tabela. E à tabela na Trofa.
Por conveniência pessoal, aqui esperava-nos o carro do Manuel Conde: o carro quase novo em folha; o Manuel sempre na mesma idade.
Instalados, toca a andar na estrada larga, entre cerdeiras carregadas de vides, com os cachos a avizinhar-se do pintor. A maturação está adiantada, e devemos ter vindimas feitas no fim de Setembro.
Ao lado do Manuel, enquanto olho a paisagem amiga, folhei-o, a informar-me.
« Então como vai isto, Manuel? », e aponto os campos verdes. E ele, mãos pregadas no volante, conta: « vinhinho vai haver muito - uma fartura, descontando mesmo o que possa estragar-se; agora de pão, menos mal; o inverno foi seco, de sorte que as terras que não regam estão fracotas ».
Silêncio.
E ele, filósofo a quem a experiência deu luzes, acrecenta: « que o povo, o que mais apetece é o vinhinho... »
Certo. Parece que o comer, não matando a sede, embora mate a fome, é para esta gente coisa inferior ao beber, porque parece que o beber mata a sede e mata a fome.
Todos os anos, quando chego, ainda se não tem dobrado meia hora, já a caseira me pergunta: « mete-se a torneira à meia pipa, sr. doutor? ».
Já passámos Vila Nova de Famalicão, camiliana como nenhuma outra. O carro de proa a Guimarães galga os quilómetros sobre areia. 
« Para que deitaram tanta areia na estrada? »
E o Manuel, fornecedor de termo novo aos filólogos, esclarece: « é para se meter entre os paralelos ». Paralelos chama-se por aqui aos paralelipípedos que calcetam a estrada. 
E outra vez o  silêncio.
Aborrecido, magoado, não sei de que mágoas, deixo os olhos errar sem destino...
Mas acordo: « E lá pela terra, Manuel, que há? »
« Ai, sr. doutor, tem sido uma desgraça... tem morrido gente que nem se faz ideia... »
( ... )
Recorta-se já no horizonte o monte da Penha. Estou em Guiimarães.
E na Madre de Deus. Corro à água do meu tanque, a saudá-la e a sondá-la.
Como sempre fina e leve. Mas, ai de mim!, este ano é branda e triste. À caseira que lá vinha pedi esclarecimentos. E ela, como o Manuel me dissera, informou: « o Inverno foi seco; há muitas fontes mortas. Vai haver mau ano de pão... »
                         Olhando com tristeza a fonte, disse para mim:Deus te aguente!
E foi com esta prece muda que recolhi, a rever a minha casa...

publicado às 19:34

"Caira a noite e aos olhos espantados do petiz que eu era, o « Malange », atracado ao Cais da Fundição, com as luzes todas acesas, fazia figura de transatlântico, apesar de não chegar a atingir as escassas duas mil toneladas, o que ao tempo eu não sabia nem me diria nada. Era um grande paquete, cheio de luzes. O deslumbramento não me aligeirava a mágoa, nem me estancava as lágrimas. Guardo uma vaga ideia de que chorava desalmadamente, como um menino perdido. "
« Memórias da Minha Vida e do Meu Tempo »
"Talvez sem o fazer deliberadamente, Joaquim Paço d'Arcos iniciou em « Ana Paula » um método de crítica social implícita ( ... ). Essa crítica, ao princípio levemente irónica, dir-se-ia mesmo sorridente, a pouco e pouco transformou-se em propósito deliberado de censura, de uma ironia feroz, contundente, quase sarcasmo, que vergasta sem dó nem piedade aquelas personagens escolhidas pelo autor como típicas de sectores da vida social portuguesa, a quem o A. não deforma, à maneira de Eça de Queirós para as representar grotescas, mas antes como membros vivos de uma sociedade em decomposição. ( ... ) E assim, não se limitando à cómoda posição de simples narrador, encerrado na torre de marfim da sua arte, mas sem enveredar pelo caminho do escritor engagé que põe essa arte ao serviço da sua ideologia ou do seu credo, Joaquim Paço d'Arcos tem procurado antes fazer da sua obra documento do seu século. "
A. Álvaro Dória, Revista « Gil Vicente »
É este escritor, a sua obra, que me proponho visitar, agora que, mais uma vez, me dizem valer a pena fazê-lo demoradamente. E começo pelo fim: pelas suas Memórias.

publicado às 19:48

« Luar de Saudade »

por Cristina Ribeiro, em 01.03.13

« Glorioso Voo »

 

" Na paz cantante do céu,
Nessa doçura infinita
Onde o Criador habita
Mais alto que as luzes belas
De miríades de estrelas,
Ouviu-se o estranho rumor
De alguém que se aproximava
Com rapidez e valor
Deus escutou... escutava
Com afecto paternal.

Era o avião que passava
Levando Gago e Cabral.

..................................... "

Alberto Pimentel, « Luar de Saudade »

publicado às 23:31

  " É só atravessar a Ponte Velha, e, cerca de300 a 400 metros depois, encontra a Casa de Casares ", tinham-me dito no posto de informação turística. Havia muito tempo já que ansiava responder ao convite que o genro do escritor me tinha feito, na caixa de comentários do Estado Sentido. Íamos a meio do caminho, começámos a vislumbrar o casarão que era já conhecido de fotografias; o meu receio era apenas o de não estar ninguém em casa...

 

Tocámos à sineta, e apareceu, antecedido de um cão, um rapazinho, que logo imaginei ser filho do caseiro: que sim, que a D. Maria Antónia estava; que tocasse na campainha da porta ao lado...

Tocámos, e surgiu uma senhora na varanda. Disse-lhe ao que vinha. Que desceria num minuto.

Abriu-nos a porta, e, depois de nos identificarmos, começou a visita guiada pelos aposentos do escritor, cobertas as paredes e móveis de recordações, muitas delas relacionadas com os seus escritos, quer se tratasse de fotografias dos próprios personagens, como o inesquecível « mata- leões » d'A Toca do Lobo, ou de objectos por eles usados, e sobre os quais D.  Maria Antónia organizou uma intensa recolha literária, buscando nos livros do Pai as referências aos mesmos, como a Cadeirinha Baixa da tia Francisca, onde se entregava " ao vício dos últimos anos de vida, o das bainhas abertas... "; O Quino, jogo organizado " quase sempre a requerimento da Prima Maria do Socorro... "; O Pratinho de Davenport, do serviço " dos dias de festa ( ... ) Achava graça, apenas, ao menino a bambear-se... "

Ou, ainda,  O Retrato: " Velho António Dacosta, amigo ausente/ que de amplo sobretudo cor de mel/ te foste para Paris/ Tenho-te à frente/ pintando esse retrato que não mente/ o meu... "

 

Foi um começo de tarde radioso: lá fora, nem o muito vento calava o sol que brilhava como havia já algum tempo o não via, e, dentro de mim, a alma cantava...

 

Despedimo-nos da amável anfitriã, com uma felicidade difícil de pôr em palavras, mas despedi-me dos Arcos, mais uma vez, com a certeza da ingratidão humana: não vira, porque a não há, ao que sei, um único vestígio de homenagem pública ao grande escritor que escolheu ser arcuense.

publicado às 21:30

Viagens na minha terra.

por Cristina Ribeiro, em 30.01.13
" Ordenou-me um dia a medicina que fosse para Vizella, e em seguida fazer uma digressão pelo Minho. Obedeci-lhe.
Dizem  que é uma formosura o Minho. Pois vamos vêr o Minho.
Felizmente que para o vêr não é necessario mais do que ir com toda a commodidade n'este wagon, ponto em que eu, adorador da poesia, me separo  dos poetas que declararam guerra aos caminhos de ferro por julgarem vilmente prosaico o não irmos abrasando pelas estradas quando viajâmos no verão ( ... ) "
Um mero acaso, o de ter-me chamado a atenção uma linda encadernação, fez-me parar neste volumezinho, que ameaça levar-me pela noite dentro, tão deliciosa encontrei a escrita do autor, até agora desconhecido. Trata-se de D. António da Costa.
Como o nome nada me dizia, logo se impôs uma visitinha ao Dicionário de Literatura. Li aí ter este escritor, e político, ter sido um contemporâneo de Camilo, nascido, como este, em Lisboa, um ano  antes do autor das « Novelas do Minho ».
Fala-nos de um Minho Pitoresco, o mesmo que, alguns anos depois, o valenciano José Augusto Vieira viria a espelhar em dois volumosos tomos; o Minho que aqui vejo ainda eu o entrevi na minha mais tenra meninice, quando não, mais verdadeiro ainda, nas palavras de pessoas mais idosas, e do qual restam parecenças em retalhos mais afastados da civilização que veio de Paris com Jacinto.
Ficaram as saudades, que - Haja Deus! - se vão colmatando com estas leituras.

publicado às 23:29

" Esse olhar silencioso
Em que lingua se traduz?
Fala-me, oh astro saudozo
luz do céo, pallida luz!

 

A encantadora simplicidade dos versos de João de Deus, o seu caracter espontaneo e apaixonado, traduzindo em formas singelas e irreprehensiveis os sentimentos da sua bella alma - eis as qualidades que fizeram do poeta um vulto litterario de primeira grandeza ( ... )
A frescura, a ingenuidade e a vehemencia do seu lyrismo recordam-nos as eclogas de Bernardim Ribeiro, o poeta apaixonado e terno ( ... ) "
Fortunato de Almeida, « Revista Contemporanea »

 

Mas não é só esta faceta de poeta que vou buscar ao baú do meu Pai, em forma de estantes. Nas estórias que ia contando, a que retenho mais longínqua no tempo é a de ter aprendido ele a juntar as letras pela Cartilha Maternal, ainda antes da entrada na Escola Primária, devendo tais bons ofícios à generosidade do que havia de ser o seu professor durante os quatro anos curriculares, vizinho muito próximo, que nunca esqueceu até ao fim dos Seus dias, indelével foi a marca que deixou na Sua vida, de molde a considerá-lo « o segundo pai ». Basta dizer que, franqueando-lhe a sua biblioteca, O cativou para sempre para o amor aos livros.

 

publicado às 22:24

Dela o primeiro livro que li, « Mariazinha em África ».
Gostei, muitos anos depois, de ler-lhe as Memórias - « Ao Fim da Memória » - e encontro agora este livro, que, parece, terá escrito já doente, todo ele preenchido por epístolas que têm por destinatários alguns daqueles que a rodearam desde pequena, como a mãe ou as tias, e outras pessoas que a marcaram ao longo de uma vida cheia, como o marido - António Ferro -, Cecília Meireles ou Carlos Drummond de Andrade...
É também o caso de Mircea Eliade, escritor grandemente amigo de Portugal, ao tempo Adido Cultural da Roménia. Da carta que lhe destina retiro este excerto, revelador de uma vida rica, preenchida, daquelas que nos fazem murmurar - assim, sim!...

" Recuo algumas décadas no tempo, até chegarmos àqueles anos distantes, tão distantes, ai de nós, que com a completa inocência da nossa relativa juventude, afirmávamos tudo, sabíamos tudo. A vida era para nós, então, uma coisa simples. ( ... ) Uma coisa é certa: nenhum de nós era tolo,éramos todos intelectualmente ambiciosos e todos sabíamos já que os valores espirituais eram os únicos que verdadeiramente tinham importância ".

Era uma época em que o romeno organizava tertúlias em sua casa, para " trocar impressões: você, Eliade, escolhia um assunto, que seria estudado e discutido na semana seguinte Os assuntos eram variados, de importância desigual, mas que nos pareciam a todos essenciais. "

Vidas que não souberam nunca o significado de « vazio ».

publicado às 20:55

Bem do fundo da memória.

por Cristina Ribeiro, em 07.01.13
Da primeira visita à Casa de Ceide, era muito pequena ainda, ficaram-me duas coisas: uma, já o disse, foi aquela cadeira de baloiço;  a outra era uma imagem mais esbatida ainda, mas que sempre me intrigou - poderia, deveria, mais tarde, ter satisfeito a curiosidade, mas, não sei porquê, pois que nem é esse o meu costume, não o fiz: lembro uma taça cheia de bolinhas de papel amarelecido, mas, talvez porque fosse grande a impressão causada pela cadeira onde o escritor se suicidou, não ouvi a explicação do guia.
Há dias, lia as últimas páginas de um livro de Bulhão Pato, « Sob os Ciprestes », achei que tinha descoberto a proveniência desses papéis.
São essas últimas páginas dedicadas a António Feliciano de Castilho, a quem Bulhão tratava por Mestre, e que, tal como os outros citados no livro, dormia já à sombra dessas árvores.
Fiquei a saber que o escritor cego tinha o hábito de, sempre que tinha as mãos desocupadas, cortar fitas de papel, que depois enrolava até fazer com elas pequenas bolas.
Ora, Castilho era um grande amigo de Camilo, e visitou-o na casa perto de Famalicão. Não custa a crer que, a mesma Ana Plácido que mandou erguer o obelisco em honra do Poeta, tenha guardado esses papéis como recordação dessa visita... 

publicado às 20:17

Ele ainda há coisas boas.

por Cristina Ribeiro, em 21.12.12
Boas notícias vão aparecendo, de quando em quando. Esta é uma de quase de fim-de-ano, que se espera seja uma coisa pensada para continuar, até para obviar as graves lacunas de um ensino negligente e desconhecedor, ou, pelo menos, que fecha os olhos à riqueza tão grande  encerrada, literalmente, nos bons livros escritos por portugueses ricamente dotados de « engenho e arte ».
Há poucos dias comentava com uma professora de português, que cá tem vindo consultar bibliografia para a feitura da tese de doutoramento, sobre, precisamente, um contemporâneo de Camilo, que a nossa geração tem revelado uma ingratidão imperdoável para com essa geração de ouro das nossas letras, mas não só para com ela. Clássicos? esquecidos...
Entrevistado ontem num canal televisivo, Richard Zenith, a quem foi atribuído o Prémio Pessoa deste ano, identificava o V Império, por este referido, como o " Renascimento " do poder literário em Portugal. Partindo do princípio que esse renascimento supõe, antes do mais, um regresso ao passado de grandeza literária que tivemos a sorte de acolher, teremos de convir que o nevoeiro é demasiado grande.
Eis que esta notícia reacende a esperança...

 

publicado às 20:25

Publique o seu ego por 75%

por John Wolf, em 12.12.12

Os editores são uma via em extinção. Os outros, que se servem do título "quase póstumo" de editor, não correm por essa estrada. Mas não são editores. Chamem-lhes o que quiserem, mas não manchem a arte cada vez mais rara da prospecção, de corrida ao risco - o rascunho de algo incerto. Esses profissionais que almejam o lucro à custa da capa não são editores. São revendedores. Deslocam-se ao mercado abastecedor, fazem marcha atrás com a furgoneta e carregam paletes de best-sellers. Os editores fazem algo diverso. Procuram a agulha no palheiro, dias a fio, vidas a fio, porventura sem o aval de um destino certo. São garimpeiros em busca de uma torrente que ainda não tem nome, de um brilhante que ofusque os escaparates e estilhace o revisto em imprensa. O lido na calle e largado sem pudor. E o que dizer dos fornecedores de fábulas, os eternos aspirantes a escritores? Têm de aprender a viver com a rejeição. Se tiverem a sorte de encontrar um editor, regressarão a casa equipados com o ego arremessado e pouco mais. E pouco mais interessa, porque é nesse ranger da negação  que se escuta o apelo interior, se assim tiver de ser. Mas está tudo virado ao avesso. Chegou a hora pequena para a magnificência. O que era uma impossibilidade deixou de o ser repentinamente. De repente somos todos escritores, sem sermos pensadores ou poetas amargurados pela acidez de uma vida tornada dispensável, pouco lírica. O negócio fala mais alto. O dinheiro faz correr tinta para além do quintal literal. O critério editorial morreu em definitivo e foi substituído pelo balancete de corporações apenas interessadas no bottom line - uma linha de números que nunca será uma frase. "São os tempos difíceis que nos obrigam a isto" - será o argumento apresentado. Miséria é o que eu respondo. Mas convém lembrar que são os regimes totalitários que promovem mensagens simples que uma massa de idiotas há de elevar a instância "superior" e que acabará por esmagá-la, por completo. Triste mundo este em que vivemos.

publicado às 10:13

                                       « Antiguidades do Rio Lima, da Cidade, ou Forum Limicorum dos Romanos ou dos Póvos Limicos »
" Antes de dar principio a este Dialogo, devo confessar-vos sinceramente que tendo eu viajado por muitos paizes ferteis e amenos da Asia, America e Europa, tenho visto poucos que sejaõ comparaveis e tam apraziveis como as veigas e deliciosas campinas, que se achaõ nas margens deste rio. Ele mesmo he todo alegria e encantamento.
Talvez que por essa causa alguns dos nossos Escriptores trasladassem para aqui os Campos Elysios , de que fazem mençaõ os Historiadores e os Poetas. Manoel de Faria e Sousa, de cujo merecimento na Historia atestaõ oa naturaes e os estranhos, disse que se houve Campos Elysios no mundo, foraõ estes, em que estamos, e que se os naõ houve, devem eles por tais ter tidos. Outro Historiador nosso, o famoso Antonio de Sousa de Macedo, tambem disse que naõ pode negar-se que os campos que rega o Lima sejaõ os Elysios.
Acresce o terem dito os antigos, e entre elles Virgilio, que pelos Campos Elysios passava um rio chamado Lethes ( ... ), e o saber-se
 que esse rio, desde a antiguidade mais remota, sempre foi nomeado Rio Lethes. Estrabaõ o disse, expressamente tratando dos rios da nossa Provincia "

publicado às 11:58

Uma jovem portuense do século XIX. ( 2 )

por Cristina Ribeiro, em 25.10.12
No início d«Os Manuscritos » Manuel Tavares Teles dá-nos conta de como recorre ao « Boletim da Casa de Camilo », então dirigido pelo padre Manuel Simões, para encontrar os escritos de Gertrudes, a cujo conhecimento chegara pela leitura de um antigo exemplar d'« O Primeiro de Janeiro », o qual dava como seu detentor, após os adquirir à família do escritor, um advogado de Famalicão. Pude, deste modo, ler no citado Boletim, em artigo intitulado « Um Importante Espólio Camiliano », que desse espólio constavam, entre outras peças, 28 cartas dirigidas pela " desconhecida " a Camilo, e um diário amoroso, também da sua autoria. Acrescenta o director do periódico, o primeiro a duvidar tratar-se de Ana Plácido, e a " correctamente identificar a correspondência e o diário como constituindo a fonte do romance de Camilo « Memórias de Guilherme do Amaral » ":
                          
                                - " Nas « Memórias », Camilo masculinizou, por assim dizer, o estilo do texto, modificando frases e palavras. Estava no seu direito, por se tratar de uma obra de ficção. Contudo, o original ( ... ) constitui uma obra-prima do nosso Romantismo. Esta apaixonada, moradora na rua da Murta, deixa a perder de vista em subtileza feminina e em
amor fantasioso a verdadeira ou suposta soror Mariana de Beja. " -
 Tendo lido, como surpresa agradável, o livro do camilianista duriense, aquando da sua aparição, em 2007, quando há dias me propus ler, pela primeira vez, o romance de Camilo, acabada a leitura do que o precedera cronológica e tematicamente, « Um Homem de Brios », logo se me impôs a ele voltar. E, cotejando os escritos da jovem " da rua da Murta ", que Manuel Tavares nos disponibilizou, sou obrigada a concordar que, mais do que simples inspiração, O genial romancista fez uma quase-transcrição: o que está bem evidente neste passo das « Memórias », excerto do Diário de Virgínia, a que, no romance, toma o lugar de Gertrudes:
                                 " Usam cantar os poetas a natureza reflorida na primavera. N'essa risonha alvorada da vida, brotam torrentes de inspirações de cada prado, ondas de incensos da urna de cada flor. ( ... ) Que jubilos dá o céo aos felizes!  eu, que desde o repontar da minha triste aurora vejo sempre a noite, quando a primavera chega não a saúdo, não a reconheço, e digo-lhe: não é para mim que vens, esposa adorada dos poetas! Esconde-te ó sol de maio, ó alegria do mundo! "

Excerto que é uma adaptação muito fiel deste; " o grande escritor uniu assim à sua obra a notável escritora incógnita e apaixonada ", no dizer de um comentarista.

      

publicado às 17:54

Uma jovem portuense do século XIX. ( 1 )

por Cristina Ribeiro, em 24.10.12

" Todos os poetas cantam a primavera como o renascimento da natureza. Nessa risonha passagem da morte para a vida, nessa metamorfose vegetal, encontam eles uma mina inesgotável de inspirações. A sua voz, como a dos pássaros, reanima-se com a folhagem, e readquire o seu brilhantismo com as flores. Eu, porém, que desde a aurora dos meus dias tenho sentido na minha alma não sei que vago desejo... em todo o meu ser um insuportável mal estar...eu, semelhante à flor que, ferida pela  tempestade, curva a sua fronte pálida, só me deleito com o luto e a tristeza! Longe...longe dos meus olhos esse sol de Maio, cujos raios vivificam a alegria do mundo, seu insaciiável folguedo, suas festas ruidosas "
 
  Estava-se em 1853, e uma jovem mulher de 25 anos havia enviado o texto de onde foi retirado este excerto a Camilo Castelo Branco, para publicação no periódico que então dirigia, « O Portuense »; para tal tivera de recorrer ao anonimato: compreende-se, pois que a sociedade de então dificilmente admitia mulheres leitoras, quanto mais escritoras...
Inicia-se aí uma correspondência profícua, que iria inspirar um dos cativantes romances camilianos, « Memórias de Guilherme Amaral », e na qual o romancista reconhece um talento firme e original.
Chegámos ao princìpio do século XXI, sem saber o nome da dama portuense, não tendo sido poucas as suspeitas de tratar-se da futura esposa de Camilo, Ana Plácido, até que, e após aturada investigação, um camilianista, de nome Manuel Tavares Teles, vem a descobrir a sua identidade: chama-se Gertrudes da Costa Lobo, e das suas averiguações, e escritos da até então desconhecida, nos dá conta n« Os Manuscritos Gertrudes ».

publicado às 20:09

Alma Portuguesa

por Cristina Ribeiro, em 09.10.12
" Tão vivo é o nosso fundo bucólico que os novelistas portugueses andaram sempre aconchegando às condições da época o romance pastoril tradicional, refrescando as raízes da Linguagem no amor e contemplação de campos, serras, arvoredos e águas mansas. Dir-se-ia termos sido empurrados da Pastoril para o Mar por um destino superior ( que no Infante pode encarnar dignamente ), quando em verdade a nossa vocação era a de zagais enamorados e contemplativos. Castilho trajou Pedro e Inês de pegureiros e fez daquela tragédia - uma égloga!
Se até o próprio Eça de Queiroz, que primeiro julgara ser o mel produto da retórica, veio por fim a pastoralizar! O seu Jacinto é um bucólico - aliás tão arbitrário como o Sireno da « Diana ». Sorrio de pensar que Jacinto poderia ter tangido a frauta em Tormes..."
Affonso Lopes Vieira, « Nova Demanda Do Graal »

publicado às 20:59

Subtil Ironia...

por Cristina Ribeiro, em 08.10.12

Uma das " acusações " mais frequentemente feitas a Camilo, a mais das vezes por comparação com o sarcasmo Queiroziano, é a da ausência de ironia nos seus escritos. Injustíssima acusação. Mesmo sem recorrer às muitas polémicas, em que essa faceta é por demais evidente, mesmo lendo um dos seus romances mais ou menos " sentimentais ", como o que tenho em mãos, « Um Homem De Brios », ela lá está bem presente. Agora mesmo não pude conter um sorriso ao ler o seguinte passo " As mulheres faladoras, santo Deus! Que zanga eu tenho às mulheres faladoras ( ... ). Para mim é caso averiguado que a minha leitora é das pessoas mais qualificadas e espirituosas que eu conheço. Está morta por dizer em duzentas e cinquenta palavras que a mulher palreira é um ente insuportável. "
Uma delícia!...

publicado às 17:06






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