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Enquanto membro da Associação da Juventude Portuguesa do Atlântico e da Youth Atlantic Treaty Association entre 2006 e 2013, tive oportunidade de participar em dezenas de conferências sobre segurança e defesa, em vários países, inclusivamente na Ucrânia. Sabendo-se da história da NATO no que ao burden sharing concerne, com os EUA a assumirem a fatia de leão das despesas militares, uma ideia que esteve sempre subjacente em várias conferências, sublinhada frequentemente por norte-americanos, foi a da ausência de pensamento estratégico por parte dos europeus, que acabam sempre por se escudar nas capacidades civis e no soft power.
Ora, perante o que está a acontecer na Crimeia, é caso para perguntar onde é que anda o tão célebre pensamento estratégico norte-americano, quando não só previram que Putin não iria invadir a Ucrânia, mostrando claramente que não aprenderam nada com a invasão da Geórgia em 2008 e que continuam sem conseguir entender minamente o mindset de Putin, como também parecem não conseguir esboçar uma resposta minimamente séria no devido tempo?
Não me interpretem mal. Sou atlantista e pró-americano, mas assim como os norte-americanos gostam de falar no seu quintal, ou seja, na sua esfera de influência, também deveriam entender - sob pena de colocar em causa o equilíbrio geopolítico na Europa - que a Rússia, goste-se ou não, também tem a sua esfera de influência. Mais, quando se começa a procurar atrair países da órbita russa para a integração euro-atlântica e a subverter regimes com base numa política externa alicerçada num idealismo fundamentado nas teorias do desenvolvimento democrático, tem de se estar preparado para responder a todo o tipo de eventualidades quando se dão as famosas transições democráticas por via da ruptura. A impreparação que, novamente, fica exposta, evidencia o perigo que este tipo de idealismo pode consubstanciar, estando na origem de um problema que a Europa dispensava perfeitamente. Idealismo este que casou perfeitamente com a vontade de vingança de vários povos em relação aos russos, que, naturalmente, se compreende, mas que acaba por toldar a visão de muitos dos seus governantes. Estes, ao invés de procurarem um equilíbrio entre as aspirações ocidentais e russas, acabaram, em muitos casos, a alinhar declaradamente com os norte-americanos e a acirrar o ódio contra os russos, e se alguns estão já protegidos pela NATO, outros, como a Ucrânia e a Geórgia, aprenderam e estão a aprender da pior maneira que não se pode simplesmente acordar o urso e dizer que a culpa é do urso e ainda esperar que terceiros os defendam do urso.
O facto de, até agora, a maior parte das possíveis respostas se centrar apenas em eventuais sanções económicas e no isolamento diplomático da Rússia - sendo altamente duvidoso que existam condições para o conseguir -, permite concluir que o Ocidente já saiu derrotado. A verdade é que, como este artigo evidencia, a Europa está economicamente vergada aos oligarcas russos e Putin sabe perfeitamente que os Estados Unidos não irão responder militarmente. De onde se conclui que sem hard power e a vontade de o utilizar não há soft power nem idealismo que resista. Tal como aconteceu na Geórgia, a Ucrânia ficará, provavelmente, abandonada à sua sorte, para mal dos ucranianos, e a Rússia sairá reforçada na arena internacional. Se Bush terá sido, para muitos, um desastre em termos de política externa, Obama poderá ficar para a História como o Presidente americano que facilitou a ascensão da Rússia no século XXI.
Leitura complementar: Brincadeiras perigosas; A "península" do Texas; Breves notas sobre a situação na Crimeia; A NATO na Crimeia?; Dmitri Trenin sobre a crise na Crimeia; Leitura recomendada.