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Nos dias que correm é muito fácil ser atirado para um dos campos da discussão - either you´re with us or you´re against us -, é conveniente simplificar o intrinsecamente complexo, usando para o efeito, códigos caducos, linguagem ideológica fora do seu prazo de validade. Assistimos na Europa, ou se quiserem na União Europeia (UE), a grandes dificuldades interpretativas. A Entente Cordiale que está a ganhar forma entre a Grécia e a Rússia é motivo de alarme. Pela primeira vez na história da UE um estado-membro rejeita servir-se das instituições formais que foram criadas, para, em última instância, preservar a paz. Yanis Varoufakis diz por outras palavras que já não reconhece autoridade à Troika, que aquele mecanismo não tem legitimidade para decidir sobre o destino de um Estado soberano que "por acaso ainda" é membro da UE. Não é apenas Putin que não quer perder a face. Tsipras também não irá esbanjar o que alcançou oportunamente numa Europa polarizada pela extrema direita e extrema esquerda, por anti-americanismo, assim como pelas entidades pragmáticas como a austeridade, o terrorismo, enquanto extensão ou não do Estado Islâmico. A Europa, refém dos seus processos formais e em plena crise económica, está a tornar-se presa fácil para outra "pária". A Grécia está geopoliticamente encravada numa zona de cultura ortodoxa à mão de semear dos interesses estratégicos russos. Chipre ou a Bulgária podem ser também magnetizados pela dissensão intencional russa. Enquanto milhares celebram efusivamente a libertação dos gregos das directivas alemãs, um outro eixo de substituição está a ganhar forma, uma outra estrutura de poder conhece já a sua cúpula. Neste contexto, e por analogia ao descalabro e à guerra a que já assistimos, a Grécia pode ser entendida como uma pré-Ucrânia. Um espaço vital onde talvez não se vislumbrem tanques de guerra e colunas de infantaria russos, mas onde outra dimensão de projecção de poder, está, efectivamente a acontecer. Os libertários europeus serão confrontados com vários dilemas existenciais, mas para já, desenham de um modo claro, um certo fundamentalismo cego, de libertação do ónus da dívida a qualquer preço. O problema é que o valor não é determinado por vontades internas, por comissões políticas nascidas nos salões de uma Europa civilizada. Quem demonstra intenções claras e inequívocas é a Rússia. Seria bom se a Europa das liberdades e garantias calibrasse sem demoras a sua posição no contexto de ameaças que já não são externas. O triângulo das Bermudas da Europa desenha-se com duas pontas agudas que não tarda irão furar as expectativas utópicas de uma comunidade europeia de crentes que ainda acredita num regresso faustoso ao estado social e às subvenções vitalícias. O nosso futuro pode muito bem estar nas mãos de Putin e Tsipras. Os primeiros passos são sempre os mais difíceis.