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A euforia poetizante de Lourenço

por João Pinto Bastos, em 22.01.14

À semelhança do meu mui estimado Eduardo Lourenço, também não pedi às nossas elites dirigentes para acumularem a dívida que, levianamente, acumularam, fazendo tábua rasa dos mais elementares princípios da boa governação económica. O problema é que, sem que ninguém, no seio da cidadania, dissesse fosse o que fosse para obstar à deriva dividocrática da República,  exceptuando alguns "jovens" do Restelo, a partidocracia portuguesa desgraçou, em meia dúzia de anos, um país que, por força dos sofrimentos pretéritos, merecia melhor sorte. A situação "humilhante" de que fala, com alguma pitada de ironia, Lourenço é, muito resumidamente, o triste corolário de uma cultura de facilitismo que penetrou de alto a baixo toda a sociedade portuguesa, recauchutando um sistema político já de si bastante permeável à demagogia e ao bloqueio. É por isso que, sem esgaravatar muito, o soi-disant "milagre português", assente nos "esquemas de sobrevivência", é, inevitavelmente, uma espécie de arrimo último da intelectualidade que se recusa a raciocinar fora da caixa. Eduardo Lourenço, não obstante a sua profunda inteligência, não foge, nestas declarações, da mediania intelectual infelizmente tão característica do regime. Não é que, note-se, eu refute a validade da tese que prescreve que o português, ao longo dos séculos e das mais complexas situações, foi e é um homem, inerentemente, desengonçado, capaz de fugir, passe o plebeísmo, com uma perna às costas dos obstáculos mais periculosos. Não nego, repito, esta obviedade, que é, aliás, facilmente perscrutável numa análise atenta da nossa história. Porém, o desafio que impende sobre o nosso país, atentas as dificuldades presentes, exige uma resposta de outro recorte, que começa, em primeiro lugar, naquilo a que, indirectamente, Lourenço se referiu, ainda que sem lhe dar o verdadeiro nome: a cultura do consenso. De facto, como disse o filósofo-mor da identidade portuguesa, a democracia não pode nem deve excluir ninguém, e o primeiro passo para levar avante este preceito reside na interiorização por banda dos dirigentes dos principais partidos do regime da necessidade de pactuar sobre o essencial. Essa cultura pactista exige o compromisso máximo de todos, desde os partidos até à restante sociedade civil, e demanda, também, uma compreensão diferente sobre a portugalidade e a cultura que se deseja (re)construir para que o Portugal dos nossos filhos e netos tenha viabilidade. O consenso, democraticamente deliberado, é o alfa e o ómega da sobrevivência futura, e não será, com toda a certeza, com "euforias" desbragadamente revolucionárias que se logrará ultrapassar a presente crise. O consenso faz-se da cedência com convicção, acordando no fundamental, sem deixar, contudo, de lado os princípios norteadores de cada um. É disto que Portugal precisa, e não de devaneios poetizantes que não levam, manifestamente, a lado algum. E Eduardo Lourenço sabe, melhor do que ninguém, que as coisas são mesmo assim.

publicado às 23:25







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