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É verdade que a esquerda intelectual (perdoe-se a redundância) não gosta do capitalismo e odeia o lucro. Primeiro, porque são intelectuais e os intelectuais sabem mais que todas as outras pessoas juntas. O intelectual, ainda para mais de esquerda, sabe mais que um empresário, por exemplo. E sabe perfeitamente o que é melhor para cada um de nós. E o lucro é detestável, na medida em que a esquerda intelectual vê em tudo um conflito entre opressores e oprimidos, entre explorados e exploradores, e não consegue enquadrar determinados factos da realidade social. Para a esquerda, uma derrota nunca é uma derrota. A vitória de alguém é sempre conquistada graças a um roubo a outrem. É a transferência deste para aquele. O ganho de um é obrigatoriamente a perda de outro. Roger Scruton, em “As Vantagens do Pessimismo”, desconstrói esta argumentação melhor do que eu alguma vez faria, e Ludwig von Mises, em “Acção Humana”, mostra-nos o caminho.
Na economia de mercado, tudo aquilo que é comprado e vendido em termos de moeda tem o seu preço estabelecido em dinheiro. É natural que se consiga determina, monetariamente, quanto ganhou ou perdeu um indivíduo e tal não significa que isso tenha sido conquistado à custa de outro. Mais, esta constatação não nos permite avaliar o aumento ou a diminuição de satisfação dos indivíduos. De facto, lucro procuramos todos. Lucro financeiro, lucro social, lucro pessoal. O lucro não é perigoso. Pelo contrário, é o que nos move a todos. O lucro é, no fim de contas, a satisfação. Perigosa é a obsessão pelo lucro económico. A incapacidade de olhar a meios para atingir esse lucro. A sociedade ocidental tem os olhos postos no consumo, no dinheiro, no trabalho, na renda. O objectivo final é poder comprar e ter coisas. Para tanto, é preciso ter dinheiro. E para ter dinheiro é preciso trabalhar.
Não me interpretem mal. Eu gosto de ter coisas, gosto de ganhar dinheiro e gosto de trabalhar. Mas também me julgo capaz de viver com menos e de ter menos coisas, se viver com muito e ter muitas coisas me roubar coisas imateriais que considero essenciais. Não caio no erro de considerar que o dinheiro é dispensável, que o trabalho é todo igual ou que consumir é abominável. Mas acredito no bom senso e na modéstia.
A história é antiga, mas ouvi-a recentemente pela voz do P. Carlos Azevedo Mendes. Conta-se que um professor universitário levou para a sala de aula alguns objectos com os quais pretendia apresentar aos seus alunos uma experiência que se assemelhava à vida de cada um. Os objectos eram: pedras grandes, pedras pequenas, areia, água e uma garrafa de vidro com boca grande. No início da aula, colocou uma pedra grande dentro da garrafa e perguntou aos alunos se ainda cabiam mais. Face à resposta positiva, foi enchendo a garrafa com as pedras grandes até que não coubesse mais. Depois, foi deitando pedras pequenas e areia na garrafa, que lá cabiam nos intervalos das pedras grandes. No fim, despejou a água dentro da garrafa. Coube tudo. E perguntou aos alunos o que significava aquilo. Um aluno respondeu que há sempre tempo para tudo, mesmo quando achamos que temos tempo para mais, conseguimos sempre arranjar mais algum. E o professor esclareceu: o que lhes queria, de facto, demonstrar era que, na vida, algumas coisas devem ter prioridade; que se tivesse primeiro enchido a garrafa com água e depois com areia, já não restaria espaço para as pedras grandes ou, se restasse, a água transbordaria. E o leitor pergunta agora: e o trabalho? E o dinheiro? São água e areia. Se as nossas prioridades não forem o trabalho e o dinheiro, cabe tudo nas nossas vidas.
O que tem isto a ver com o capitalismo e o lucro? Tudo. O capitalismo e o lucro não têm nada de errado. Nada. Mas sem moral, sem dignidade e sem fecundidade, não há capitalismo algum. Fica só a selva.