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E nem sequer é para falar sobre Sócrates e os crimes pelos quais está a ser investigado, mas sim para notar que, da generalidade dos jornalistas a comentadores como Sousa Tavares e Clara Ferreira Alves, dos indefectíveis socráticos a Mário Soares, passando pela Bastonária da Ordem dos Advogados, outros intervenientes no espaço público e até alguns populares que têm aparecido na televisão literalmente a chorar por Sócrates, boa parte do país parece ter sido acometida por um histerismo tão deplorável quanto risível, mas que me leva a retirar uma conclusão preocupante: temos demasiadas pessoas com responsabilidades políticas e públicas, demasiados comentadores e intervenientes no espaço público cuja cultura democrática deixa muito a desejar.
Basta atentar na visível irritação de Mário Soares à porta do Estabelecimento Prisional de Évora e na sua posterior entrevista a Constança Cunha e Sá para perceber que o conceito de democracia do ex-Presidente da República é, no mínimo, dúbio e assenta mais no amiguismo que na igualdade perante a lei e a separação de poderes (afinal, como diria Jorge Coelho, "quem se mete com o PS leva"). Ou um exemplo ainda melhor, aquele momento, há alguns dias, em que Pacheco Pereira explicava a Sousa Tavares que a igualdade perante a lei em termos abstractos não substituía a desigualdade material, já que Sócrates é uma pessoa influente e poderia tentar destruir provas e influenciar a investigação caso não fosse detido preventivamente, ao que Sousa Tavares respondeu com uma absurda afirmação de que Pacheco Pereira estava a partir do pressuposto que Sócrates era culpado, mostrando assim como lhe escapam (a Sousa Tavares) as mais elementares regras de lógica e/ou qualquer noção de democracia que não se coadune com a sua lendária falta de isenção.
No meio do histerismo, os líderes da coligação governamental e o líder da oposição mostram ser dos poucos a ter um mínimo de bom senso, não deixando que a amizade ou inimizade por Sócrates lhes tolde a mente. De resto, não só não entro na barricada dos que pensam que o regime está em risco - se há algo que o passado recente do nosso país nos mostra, é que, pelo menos, algumas instituições estão a funcionar como se espera num regime demoliberal -, como também não me atrevo a vaticínios sobre o futuro próximo do PS e o embate eleitoral do próximo ano. Como explicava Manuel Meirinho ontem à noite, na RTP Informação, o tempo da política é muito curto. Daqui a umas semanas a detenção de Sócrates fará parte da normalidade quotidiana e deixará de ter interesse mediático, tal como já aconteceu com Armando Vara ou Ricardo Salgado. As eleições são apenas em Outubro de 2015. Tenham calma, que até lá muita coisa pode acontecer.